A IGREJA JÁ FOI A FAVOR DO ABORTO?

Alguns defensores do aborto andam dizendo que a Igreja já foi a favor do aborto. Nada mais falso; e essas pessoas não podem provar isso adequadamente.

 

Desde o século I a Igreja tem a consciência de que o aborto é pecaminoso. Assim, por exemplo, diz a Didaqué, o primeiro Catecismo cristão,  do primeiro século:

“Não matarás, não cometerás adultério… Não matarás criança por aborto nem criança já nascida” (2,2).

“O caminho da morte é… dos assassinos de crianças” (5,2).

 

Na segunda metade do século III; o autor da Epístola a Diogneto observava:

“Os cristãos casam-se como todos os homens; como todos, procriam, mas não rejeitam os filhos” (V,6).

 

Atenágoras (†181), filósofo em Atenas, autor da Súplica pelos cristãos, oferecida ao imperador Marco Aurélio, escreveu:

“Os que praticam o aborto cometem homicídio e irão prestar contas a Deus, do aborto. Por que razão haveríamos de matar? Não se pode conciliar o pensamento de que a mulher carrega no ventre um ser vivo, e portanto objeto da Providência divina, com o de matar cedo o que já iniciou a vida…”(Súplica pelos cristãos, 3, 10)

 

O autor da Epístola atribuída a S. Barnabé no século II e depois Tertuliano († 220 aproximadamente), S. Gregório de Nissa († após 394), São Basílio Magno († 379) fizeram eco aos escritores precedentes.

        

A legislação da Igreja oficializou esse modo de pensar, estipulando sanções para o crime do aborto.

Assim o Concílio de Ancira (hoje Ancara) na Ásia Menor em 314, cânon 20, menciona uma norma segundo a qual as mulheres culpadas de aborto ficam excluídas das assembléias da Igreja até a morte; o Concílio atenuou o rigor dessa penalidade, reduzindo-a para dez anos:

“As mulheres que fornicam e depois matam os seus filhos ou que procedem de tal modo que eliminem o fruto de seu útero, segundo uma lei antiga são afastadas da Igreja até o fim da sua vida. Todavia num trato mais humano determinamos que lhes sejam impostos dez anos de penitência segundo as etapas habituais” (Hardouin, Acta Conciliorum; Paris 1715, t. I, col. 279)

 

Outros Concílios repetiram a condenação do aborto: o de Elvira (Espanha) em 313 aproximadamente, cânon 63; o de Lerida, em 524, cânon 2; o de Trullos ou Constantinopla, em 629, cânon 91; o de Worms em 869 cânon 35…

Em 29/10/1588, o Papa Sixto V publicou a Bula Effraenatam: referindo-se aos Concílios antigos, especialmente aos de Lerida e Constantinopla, condenou qualquer tipo de aborto e impôs severas penas a quem o cometesse, penas que só poderiam ser absolvidas pela Santa Sé. O Papa Inocêncio XI condenou em 02/03/1679, como escandalosas e  perniciosas, as praticas abortiva.

 

No século XIX o Papa Pio IX renovou a condenação do aborto:

“Declaramos estar sujeitos a excomunhão latae sententiae (anexa diretamente ao crime)  os que praticam aborto com a eliminação do concepto” (Bula Apostolicae Sedis de 12/10/1869).

 

Esta sentença categórica persistiu na Igreja até o Código de Direito Canônico atual, que prevê a excomunhão para o delito:

“Cânon 1398. Quem provoca o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae”.

 

  S. Gregório de Nissa († após 394) rejeitava a teoria da preexistência seja da alma, seja do corpo, e afirmava a origem simultânea de um e de outro elemento; desde o primeiro instante da existência do embrião, a alma encontra-se nele com todas as suas potencialidades, que se vão manifestando à medida que o corpo se desenvolve.

 

São Basílio Magno († 379), irmão de S. Gregório de Nissa, adotou o pensamento deste. Por isto considerava assassinos os que provocam o aborto de um feto. São Máximo Confessor († 662) abraçou a mesma tese. Toda a vida é uma participação da vida divina. Nós vivemos porque um sopro divino nos tornou vivos. Esta convicção atravessa a Bíblia do primeiro ao último livro (cf. Gn 2,7; Ap 11,11). “Não matarás” (Ex 20,13).

 

Vê-se, pois, que a Igreja desde os seus primórdios se manifestou contrária ao aborto. Existia, porém, para os teólogos a grave questão de saber quando começa a vida humana; a falta de conhecimentos genéticos adequados na época levava alguns a crer que, em determinadas circunstâncias, não havia verdadeira vida humana no seio materno. Mas isso nunca justificou praticar o aborto. Hoje a Igreja e a Ciência não têm duvida de que a vida humana começa na concepção.

 

Um dos maiores cientistas do século XX, falecido em 1994, internacionalmente laureado, o Professor Jérome Lejeune, geneticista francês, professor de Genética da Universidade de Paris, descobridor da causa da Síndrome de Down (“mongolismo”) afirmou que:

            “No princípio do ser há uma mensagem, essa mensagem contém a vida e essa mensagem é a vida. E se essa mensagem é uma mensagem humana, essa vida é uma vida humana.”

 

“As leis biológicas, após estabelecidas, entram imediatamente em vigor e definem a vida… O mesmo se passa quando o ser humano é concebido, isto é, quan­do a incorporação veiculada pelo espermatozóide vai se encontrar com a que está no óvulo: uma nova “Constituição” humana se manifesta imediatamente e um novo ser dá inicio à sua existência.” (Conferência pronunciada no Audi­tório Petrônio Portella, Senado Federal, no dia 27 de agosto de 1991 – publica­ção de 1992 – grifamos)

 

“A embriologia moderna pode afirmar com segurança que o processo evolutivo embriológico é um processo contínuo, que vai desde o momento da concepção até ao momento do nascimento, e prossegue depois deste. Por isso, o feto deve ser considerado geneticamente autônomo, único e irrepetível. Daqui a ignorância daqueles que põem no mesmo plano a extração dum tumor, dum fibroma e o aborto.” (Jérôme Lejeune,  em “Peut-on le tuer?”).

 

Não se constrói uma sociedade justa sobre a injustiça. Em nenhum momento podemos esquecer que a vida é o primeiro fundamento da ética.

 

  O Papa João Paulo II afirmou claramente: “O ser humano deve ser respeitado e tratado como uma pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde esse momento, devem-lhe ser reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais e primeiro de todos, o direito inviolável de cada ser humano inocente à vida” ( Carta Encíclica EVANGELIUM VITAE, n.60 – 25.03.1995)

 

A Tradição da Igreja, confirmada pelo Concílio Vaticano II, e o Magistério da Igreja consideram o aborto um “crime abominável”. Na Evangelium Vitae, João Paulo II afirma: “Dentre todos os crimes que o homem pode realizar contra a vida, o aborto provocado apresenta características que o tornam particularmente grave e abjurável” (idem n. 58)

 

Jamais a Igreja foi ou será a favor do aborto; ela sempre esteve ao lado da vida.

 

Prof. Felipe Aquino – www.cleofas.com.br

 

 

 

 


Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br Twitter: @pfelipeaquino