Pode parecer retórico falar da beata Virgem como modelo de esposa, sobretudo em um mundo no qual o valor do matrimônio, em geral e da pessoa em particular, é relativizado.
Não acredito que seja somente um fato de piedade e devoção considerar a mãe do Senhor como modelo de esposa. Isto deriva do fato de que a Sagrada Família de Jesus – José e Maria – é proposta à família humana de todos os tempos como modelo, pois essa foi constituída por Deus à luz da verdade da nova criação que Ele mesmo realizou nessa família.
É na harmonia do amor oblativo dos cônjuges que a família realiza a vontade dAquele que é no seu mistério inefável Família.
Hoje, mais do que nunca, temos necessidade de alguns pontos fortes de referência para a nossa realização como família e como indivíduos, e, neste sentido, nenhuma criatura o realizou de modo sublime como Maria de Nazaré.
Maria é modelo de esposa, é mulher de fé, obediente, simples e temente a Deus. Lemos em Provérbios: “A graça é falaz e a beleza é vã; a mulher inteligente é a que se deve louvar” (Pr 31,30). Este versículo é a conclusão de um belíssimo hino à perfeita mãe de casa, à esposa perfeita. De outro modo, como poderia uma mulher ser fiel ao próprio marido, zelosa pela própria casa, amante dos próprios filhos se não tivesse o temor de Deus e o amor a Deus?
Se não amamos Deus acima de todas as coisas, se não amamos os outros em Deus, de fato, vão é nosso esforço, porque o homem é frágil e inconsistente. Alguém poderia objetar o fato que entre Maria esposa e José esposo não houve um verdadeiro matrimônio porque este não foi consumado. A este propósito, Santo Agostinho adverte não ser possível que o evangelista, o qual chama José marido de Maria, “tenha negado que, entre Maria e José, não existisse um verdadeiro matrimônio por ela não ter gerado Jesus por meio dele, mas de modo virginal”. Por isso, os cônjuges cristãos podem entender, com clareza, que o matrimônio permanece e merece o seu nome quando, também de comum acordo, observa-se a castidade sem a união sexual.
Ninguém está negando que o ato sexual seja fundamental no matrimônio, mas esse aspecto não é único, nem o mais importante. Um exemplo para todos, do fato de que também fora do contexto cristão seja possível o matrimônio entre um homem e uma mulher privados do componente sexual, é aquele de Mahatma Ghandi, que, de comum acordo com sua esposa, viveu em castidade no matrimônio.
Por que Maria é modelo de esposa? Na Palavra de Deus, não encontramos como ela vivia sua vida ordinária em casa e com seu marido. Porém, como vivia de modo extraordinário as coisas simples do dia-a-dia e em tudo buscava fazer a vontade de Deus, torna-se claro, então, que sua profunda comunhão com ele se demonstrava em sua vida a partir de gestos concretos de amor com Jesus, com José seu esposo e com todos com os quais convivia.
Padre Carlos Vanderlei de Melo,
mestre em Mariologia.