Em Guarapuava, a cidade em que eu nasci, dia 2 de fevereiro comemoramos nossa padroeira, Nossa Senhora de Belém. Em homenagem a Mãezinha e a todos os guarapuavanos, preparei com carinho esse post.
Tia Adelita
Tudo começou em Belém
Belém no tempo em que Jesus nasceu, era uma pequena cidade, beirando o deserto da Judeia, a uns doze quilômetros de Jerusalém. E não é a toa que pastores foram convidados pelos anjos para adorarem o Menino Jesus, pois haviam muitos pastores em Belém porque era um lugar apropriado para a criação de ovelhas. É que o deserto da Judeia, no inverno, época das chuvas, floresce e os montes se cobrem com um tapete verde. Os arredores de Belém são muito férteis, adequados ao plantio de cereais, deve ser por isso que “Belém” significa “Casa do Pão”.
Maria vivia em Nazaré com seu esposo José. José desde solteiro, já morava em Nazaré, mas sua família veio de Belém, ele era descendente, nada mais, nada menos, que do antigo e poderoso rei Davi, que nasceu em Belém.
Isso tem tudo a ver com as promessas da Bíblia. É que Deus havia prometido a Davi, através do profeta Samuel, um descendente cujo reino não teria fim. E olha que Davi viveu uns mil anos antes de José. Depois o profeta Miqueias também profetizou, a uns 700 anos antes de Jesus nascer: “E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu povo.” (Miq 5,2) Logo, Belém era pequena de tamanho e grande de importância, assim como Maria, não é mesmo?! Ela mesma disse isso: “Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo.” (Lc 1, 46 – 49)
Nossa Senhora de Belém
Na época que Maria estava grávida de Jesus, já pertinho de dar a luz, o rei de Roma, César Augusto, mandou que todos os homens fossem fazer o recenseamento na cidade de origem de suas famílias, “recenseamento” é um tipo de cadastro onde eles diziam de que família provinham, de que região e onde viviam agora, quantos filhos tinham… Essas coisas. É que Roma, com seu poderoso exército, tinha invadido Israel, o país de Jesus, e o rei queria contar seus súditos para cobrar mais impostos.
Foi por isso que a sagrada família teve que viajar para lá naquelas condições: Maria grávida, sentada no lombo de um jumentinho, pois cavalos e carruagens era coisa de ricos, por aquelas quentes montanhas, até Belém. Eles percorreram uns 145 quilômetros, pela estrada antiga, romana, seguindo o caminho do rio Jordão.
Chegando em Belém, depois do recenseamento, José procurou um lugar para passarem a noite, pois ninguém mais de sua família vivia por ali. Como a pequena cidadezinha estava lotada, o único lugar que encontraram foi um estábulo, um tipo de caverna onde dormiam animais, foi ali que o Menino Jesus nasceu. A manjedoura, cocho como chamamos, onde os animais comiam, serviu de bercinho. Foi o primeiro presépio. Não foi a toa que o profeta Miqueias escreveu, uns 800 anos antes de Jesus nascer: “E tu Belém, terra de Judá, não és de modo nenhum o menor dentre os principais lugares de Judá. Porque é de ti que há de sair o Chefe, que há de pastorear o meu povo, Israel.”
E, porque Maria honrou a cidade de Belém, passando uns dias por lá cuidando de seu filhinho, em consideração a esses dias, ganhou um de seus títulos mais queridos para nós guarapuavanos: Nossa Senhora de Belém.
E como Nossa Senhora de Belém veio parar em Guarapuava?
Sabia que a estrela que está na bandeira da cidade de Guarapuava faz referência à estrela de Belém?! Pois é! E que nossa cidade antes de se chamar Guarapuava, foi a “Freguesia de Nossa Senhora de Belém”?!
Os moradores mais antigos de Guarapuava contavam que a imagem veio de Portugal em 1818, trazida por Dona Laura Rosa da Rocha Loures. A caminho daqui, a expedição foi atacada por índios caigangs, às margens do Rio das Mortes. Dona Laura fez a promessa que, se conseguisse sobreviver ao ataque, construiria uma capela para homenagear Nossa Senhora. Sobreviveu, apesar de muito terem perdido a vida, no ataque, por isso rio se chama ”Rio das Mortes”.
Na verdade a igreja já estava nos planos do Padre Francisco das Chagas Lima, ele sabia que a Igreja uniria a comunidade e que, ao redor dela, a cidade cresceria. Padre Chagas desenhou a planta e inaugurou a Catedral Nossa Senhora de Belém de Guarapuava em 1819.
Que bom saber que as origens de nossa cidade estão fundamentadas na fé e na certeza de que temos uma Mãe do Céu. Espero em Deus que nós, guarapuavanos, nunca tratemos de Nossa Senhora de Belém apenas como um folclore ou pela sua importância histórica, pois ela é, pelas mãos da providência Divina, a padroeira de nossa cidade. É a mesma mãe do Menino Jesus, que nos ama e cuida de nós, nos cobre com seu manto azul nos protegendo em seu colo maternal, nos conduzindo com seu cajado ao longo de todos esses anos, enquanto guarapuavanos, seus filhos amados. E, assim como a devoção a Nossa Senhora de Belém veio de nossos antepassados navegantes e marinheiros, de missionários como Padre Chagas, também nós somos “navegantes”, passando por essa vida, onde, como disse Santa Teresinha do Menino Jesus: “A terra é nosso barquinho, não é nossa morada.”
Nossa Senhora de Belém, rogai por nós. Agora você pode clicar em meu desenho para ampliar e colorir…
Apêndice
As origens da devoção a Nossa Senhora de Belém
A partir da construção da Basílica da natividade no ano de 330, no local da gruta onde nasceu Jesus, a devoção a Nossa Senhora de Belém começou a se espalhar pelo mundo e foi trazida para o Brasil pelos portugueses.
A devoção começou em Portugal, no início do século XV com uma pequena ermita para prestar assistência espiritual aos marinheiros e viajantes que passavam pelas praias do Restelo, em Lisboa. O rei, Dom Henrique, quis transformar a ermita em uma igreja e lhe deu o nome de Santa Maria de Belém.
D. Henrique era grande incentivador das navegações portuguesas e devoto de Nossa Senhora de Belém. Ele dizia: “Assim como a estrela de Belém guiou os Reis Magos até a manjedoura onde se achava o Menino Deus, assim também a Senhora de Belém ajudará a encontrar novas terras e o caminho para as Índias.” Por fim, em 1497, a igreja foi ampliada por outro rei, Dom Manuel, para ser o monastério dos irmãos da Ordem de São Jerônimo, em gratidão ao sucesso da expedição de Vasco da Gama, que antes de partir para o mar, havia passado a noite em oração e participado da Missa na Igreja de Santa Maria de Belém (Dom Manuel também mandou fazer a famosa Torre de Belém, um dos cartões postais de Portugal).
Como os que vieram para o Brasil, eram navegantes, não é difícil imaginar como a devoção a Nossa Senhora de Belém veio parar aqui. Pedro Álvares Cabral, antes de iniciar sua viagem de descobrimento, na mesma igreja de Santa Maria de Belém, assistiu a Santa Missa e segui em procissão com o rei até o cais, onde a frota estava pronta para zarpar. Cabral trouxe em seu navio uma imagem de Nossa Senhora.
Na imagem de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava, em estilo barroco, Maria traz o Menino Jesus no colo, pois em Belém ele era ainda muito pequeno para andar. E tem um cajado de peregrina em uma das mãos, pois não está na sua terra, está a caminho. (quando eu era menina, achava essa imagem linda, olhando pra ela lá de baixo. Mas quando eu a vi de perto não me pareceu a mesma imagem… Cá entre nós, já repararam que a imagem de Guarapuava de longe é linda, mas de perto parece deformada? Pelo menos eu acho, tem um pézão! Tem a questão do estilo barroco, mas também – não sei se é o caso dessa imagem – tem o fato de que essa era uma técnica usada por artistas acostumados a esculpirem imagens para serem vistas de longe nas igrejas, que ficam em lugares altos e distantes, em altares ou nichos, se você for passear na Basílica do Vaticano, em Roma, vai reparar que as imagens são assim.
A Imagem original, portuguesa é rústica, de pedra, no estilo gótico, e está sob uma das portas do mosteiro dos Jerônimos, projetada pelo mestre João de Castilho (1515). A Virgem recebe as homenagens dos reis magos, Profetas, Apóstolos, Doutores e Santos da Igreja e traz nas mãos um vaso, um dos presentes dos reis magos, no lugar do cajado.
Quem foi Padre Chagas?
Não dá para falar de Nossa Senhora de Belém, sem lembrarmos de Padre Chagas. Ele é muito mais do que “nome de rua”, para nós guarapuavanos. Curitibano, nascido em 1784, foi padre diocesano e um missionário incansável.
De 1784 até Setembro de 1795 foi vigário na “vila” de Curitiba, de 1800 a 1004 foi para São Paulo ser catequista e enfermeiro dos índios andavam errante pelos sertões de Mantiqueira e enfrentavam uma epidemia no Rio Paraíba, ali ficou conhecido como “Apóstolo dos gentios” por seu amor e dedicação junto aos índios, chegou a escrever um catecismo na língua nacional dos Índios Purys, única fonte que temos hoje dessa língua extinta.
Em Maio de 1804 foi vigário de Guaratinguetá, onde ficava a capela de Nossa Senhora Aparecida. Depois foi o fundador da Aldeia de São João de Queluz, de cuja Igreja foi o administrador das obras, ali enfrentou a pobreza e a fome, evangelizando o índios. Ainda em Queluz, conseguiu do governo terras para os locais plantarem café e assim prosperar a região.
Em 1809 veio para nossa terra como primeiro Capelão do forte Atalaia. Veio na Real Expedição do Comandante Diogo Pinto de Azevedo Portugal com mais umas 300 pessoas, 200 soldados e mais uns 100 civis, além dos escravos, que nem foram contados quantos pelos historiadores, para povoar a região e construíram aqui o forte Atalaia.
Nem todos esses civis vieram por livre e espontânea vontade, isso parque essa região era conhecida de longa data, dos tempos que Guarapuava se chamava “Koran-bang-rê“, de muitas tentativas de colonização frustradas, como aquela em que o Cacique Guairacá (aquele que disse: “Essa terra tem dono!”) derrotou o exército paraguaio comandando 12 tribos indígenas.
Por ordem do rei, o coronel Diogo recrutou os colonizadores entre fazendeiros de Curitiba e pessoas que não possuíam estabelecimento fixo (vieram poucas mulheres e houve muitos casamentos de colonizadores com índias). Mais tarde, entre 1812 a 1859, também foram enviados para povoar nossa terra criminosos sentenciados a degredo, para que cumprissem aqui todo seu tempo de degredo, esses “novos habitantes” não recebiam salário pelo seu trabalho e eram tratados com severidade pelo comandante, frio e disciplinado.
Foi Padre Chagas quem celebrou a primeira Missa em nossas terras guarapuavanas, em 1810, no forte Atalaia. Foi escolhido para essa missão, porque tinha já muita experiência em catequizar os índios.
Quando Padre Chagas iniciou seu trabalho de evangelização, foi ajudado pelo cacíque chamado Antônio José Pahy, entre 1912 a 1819 e a catequese prosperou com muito zelo, muito graças a esse cacique que possuía virtudes morais e bom com todos. Mas, com a morte de Pahy, foi escolhido pelo comandante o cacique Luiz Tigre Gacon, recebendo o título de capitão, com o objetivo de fazer com que os índios trabalhassem. Ele era cruel e não convertido, fazendo decair o trabalho de Padre Chagas. Outro fator que atrapalhou muito a missão, foi que em 1812 os soldados milicianos, por ordem régia, foram substituídos por ordenanças: miseráveis forçados a entrarem para a guarda, a maioria sem moral ou religião alguma.
Os índios viviam em grupos: na aldeia os kaigangs, e no sertão os Cayeres – que viviam em confronto com os kaigangs – os Cames, os Votorões, os Dorins e os Xocrens. Numa dessas lutas, a Aldeia dos kaigangs junto ao Atalaia foi destruída e muita gente morreu. Alguns sobreviventes mudaram-se para os Campos de Palmas e outros foram para o norte.
Em 1819 o Pe. Chagas conseguiu um Alvará de Criação da Freguesia Nossa Senhora de Belém, mudando o que restou da povoação do Atalaia para outro lugar (atual Guarapuava), deixando o Fortim Atalaia aos índios da aldeia, que já vivam lá perto, por Sesmaria.
Padre chagas escolheu uma planície para a nova freguesia, há uns nove quilômetros ao norte de Atalaia. Padre Chagas e o Comandante Interino da expedição, Antônio da Rocha Loures, redigem o “Formal da Criação da povoação e freguesia de Nossa Senhora do Belém nos Campos de Guarapuava”. E o padre deixa de ser capelão e passa a ser vigário da freguesia de Nossa Senhora do Belém, hoje Guarapuava. Por isso padre Chagas e Antônio da Rocha Loures são os fundadores da Cidade de Guarapuava.
Padre Chagas foi o centro de relações, o elo de ligação, entre índios e colonizadores. Catequizou aqui, três nações indígenas, cujas línguas falava perfeitamente. Especialista em Kaingang, padre Chagas é o provável autor do extenso “Vocabulário da língua Bugre”, publicado anonimamente em 1852, o melhor documento para o conhecimento da língua Kaingang que existe.
Em 1825, aproximadamente 70 índios Dorins do sertão assaltaram Atalaia, queimaram tudo e mataram o cacique Gacon e mais 27 índios (segundo padre Chagas, por culpa do proprio Gacon, que era cruel com os Dorins, os insultando, os provocando com crueldades e mortes). Padre Chagas enterrou os mortos conforme os ritos católicos já que, segundo relatou, todos eles eram batizados com exceção de um que estava sendo preparado para tal. Além dos 28 índios mortos, toda a colheita de milho e feijão do ano foi incendiada, bem como todas as roupas e objetos que existiam no aldeamento. Padre Chagas, como responsável não só pela catequização, mas também pelo sustento e alojamento dos indígenas, precisaria encontrar um novo lugar para abrigar os aldeados. Então se encaminhou com os 73 sobreviventes, e mais 30 índios não aldeiados que encontrou pelo caminho, para um lugar relativamente próximo da Freguesia Nossa Senhora de Belém. Essa localidade foi denominada por Chagas Lima de “Nova Atalaia”. Padre Chagas escreveu:
“Este lugar de Nova Atalaia está à vista da Freguesia, da qual não dista mais que uma légua de bom caminho. É neste lugar que faço minha principal residência, promovendo a feitura de novas casas para moradia dos índios, das quais tenho feito levantar três maiúsculas e outras tantas menores, além de outra mediana, que comprei a um paisano que ali morava, e me ofereceu, quando se quis mudar para outra parte: todas cobertas de palha. Agora estou cobrindo de telhas mais uma, que é grande, com bastante comodidade, para nela se erigir um oratório, em se possa dizer Missa quando necessário.”
A violência empregada no ataque a Atalaia causou insegurança entre os fazendeiros da freguesia. Isso gerou um conflito entre o padre e os proprietários de terra, que queriam os índios do sertão mortos eu fim da aldeia dos Kaigangs. Padre Chagas disse: “Quanto não deverei eu estar consternado, e penetrado de dor até hoje […] Porém, o que mais me tem aumentado minhas aflições, é estar vendo e conhecendo, que o povo português que aqui se acha, em vez de me confortar, me impõe, arguindo-me com seus conventículos particulares, como se minhas faltas de prevenções tivessem ocasionado esta desgraça. É desses conventículos que saiu um precipitado e absurdo requerimento para a extinção de todos os selvagens de Guarapuava, pelas armas da expedição.”
Para os fazendeiros os índios eram só mão de obra, por isso permitiam as aldeias cristãs tão próximas, para o padre eram irmãos de fé, catecúmenos. Em 1824 padre Chagas escreveu, quando houve uma tentativa de abandono indígena da aldeia de Atalaia: “Tendo eu aviso nesta freguesia, que os índios e índias da Atalaia, quase todos […] se tinham retirado em figura de irem estabelecer nos seus antigos lares do sertão; no mesmo instante montei no meu cavalo e […] fui atrás deles; e os reduzi a voltarem a sua aldeia; e a seguirem nela como dantes a religião cristã, que haviam professado.”
Os fazendeiros, além de criticar o trabalho de Padre Chagas, dizendo que ele não era rígido com os índios da aldeia, não os reprimindo, que por isso não trabalhavam direito e sugeriram a guerra contra os “índios do sertão”, esses povoadores também pediam o fim da separação entre o aldeamento dos índios Kaigangs e a freguesia. Padre Chagas disse aos fazendeiros que não julgava a atitude deles inteligente, de agir com violência contra os indígenas, pois isso somente prejudicaria o contato e a aproximação pacífica a fim de converter aqueles grupos ao cristianismo, mas os colonizadores chamaram essas ideias do Padre de “devaneios”. Padre Chagas respondeu: “Agora eu vejo meus fregueses, até onde chega a vossa avareza e a vossa ignorância. Vós quereis tirar a sardinha das brasas com a mão do gato, na pretensão em que estais de adquirir ou segurar posse das terras de Guarapuava com a extinção dos selvagens, a custa e risco da expedição e dos prejuízos mortais que daí podem resultar a ela mesma, e ao bem público de toda a conquista: o que talvez não imaginais.” Com isso o padre acusou esses fazendeiros de se dizerem “povoadores”, quando, na verdade, eram “forasteiros” interessados nas terras que ficariam desocupadas com o extermínio indígena. Com essa “linguinha solta” Padre Chagas fez inimizades.
O comandante, Antônio da Rocha Loures, não era a favor de matar os índios do sertão, o padre o tinha convencido quando disse: “Além disso, como seriam realizadas as incursões aos sertões sem os índios que serviam de guias e como ficaria a segurança da freguesia se o período de 12 anos de paz entre índios e povoadores fosse suspenso?” – Padre Chagas acreditava que se houvesse um massacre dos índios, ninguém conseguiria permanecer em Guarapuava, devido à violência a que estariam expostos em virtude das vinganças que lhes seriam aplicadas pelos índios e todos deveriam fugir daquele local. Mas o comandante não pensava em tudo como o padre Chagas, ele era a favor de que os índios kaigangs, que viviam aldeados em sesmarias sob o comando do cacique cristão Gacon no forte Atalaia, deveriam ser engajados no exército, misturados aos soldados brancos. O padre Chagas, que ouvia a população indígena, os achava ingênuos para viverem entre os soldados, temia pelo futuro dos índios, principalmente por causa do consumo indiscriminado de pinga entre os soldados e, por ter visto muitas vezes, situações entre eles que considerava imorais. Padre Chagas se preocupava tanto com essa questão da bebida que, bem antes, em 1819, em conjunto com Rocha Loures, já havia criando uma regra proibindo a entrada de bebida alcoólica na freguesia, a não ser que fosse para fins medicinais.
Outra razão para o interesse de misturar os índios aos brancos, além de melhor dominá-los, eram as Sesmarias que o Padre havia doado aos índios, o padre declarou: “As terras são dos índios de direito, como possuidores primários e originários do país.”
Nessas terras os índios faziam suas plantações, dali tiravam seu sustento. Não dá para ter uma visão romântica sobre a vida que levavam os índios que viviam só da exploração da mata, os missionários da época de José de Anchieta deixaram registros históricos de que os índios passavam muita fome, muita mesmo, e que a lutas por território, era justamente por causa do alimento.
Por estar sendo contrariado por padre Chagas, o comandante acabou sucumbindo a pressão dos fazendeiros. O padre lembrou ao comandante e fazendeiros que era ele quem mantinha praticamente a aldeia, os catecúmenos (novos cristãos), citando as doações de terra e animais que havia realizado (provavelmente padre Chagas ainda recebia ajuda de seus antigos amigos de Guaratinguetá, pois no tempo de Queluz, era ajudado por eles), além de sua dedicação espiritual. Mas tudo foi inútil, contra a vontade do Padre, Rocha Loures misturou os soldados com os indígenas. A degeneração moral, espiritual, da cultura e identidade indígena, praticamente destruiu o trabalho de Padre Chagas.
No final de 1827, Padre Chagas escreveu suas “Memórias sobre a Conquista de Guarapuava”. Em 1828, muito doente, ainda se encontrava em Guarapuava, sendo ainda o único sacerdote para atender toda a população. Somente em 1832 foi aposentado pela Corte, por determinação de Diogo Feijó. Viveu seus últimos dias, muito pobre, sem salário algum, na cidade de Parnaíba, na Província de São Paulo, em companhia de seu irmão João Gonçalves de Lima que também era padre. Faleceu em outubro de 1832, aos 75 anos. Sua recompensa ficou para o Céu, mas podemos reconhecê-lo como um personagem heroico de nossa cidade.
Na década de 1970, a prefeitura de Guarapuava homenageou Padre Chagas trazendo suas cinzas – que estavam na cidade de Parnaíba, em São Paulo – e depositando-as na praça central, em frente à catedral Nossa Senhora de Belém, quando passar por lá, faça uma prece pelo padre, ele merece nossa gratidão.
Referências
. Pe. José de Paulo Bessa, Boletim Diocesano, edição 327, janeiro de 2006.
. http://www.mosteirojeronimos.pt
. Bíblia sagrada, Lucas 2
. Francisco Negrão, Genealogia Paranaense
. http://www.etnolinguistica.org/source:1
.http://etnolinguistica.wdfiles.com/local–files/vol1%3A1/cadernos_vol1_n1.pdf
http://dirceupato.blogspot.com.br/2011/08/fotos-antigas-de-guarapuava-igreja.html
http://www.humanas.ufpr.br/portal/arquivos/LuizangelaPadilhaPontarolo.pdf
http://www.historia.uff.br/stricto/teses/Dissert-2007_FERREIRA_JUNIOR_Francisco-S.pdf
http://gorpacult.blogspot.com.br/2012/06/esta-terra-tem-dono.html
. http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kaingang/287
. https://pt.wikipedia.org/wiki/Guarapuava