Muitos negam a existência de demônios e inclusive do inferno
Aparentemente parece pairar uma atmosfera de que tudo é permitido por Deus, ou seja, não há castigo, nem condenação para quem se afasta de Deus, pois Deus é amor. Outros chegam a dizer um ditado muito conhecido “aqui se faz, aqui se paga”. Contudo, para quem é cristão fica a pergunta: e Jesus, o que disse sobre o inferno?
Jesus disse: “Se tua mão te leva à queda, corta-a! É melhor entrares na vida tendo só uma das mãos do que, tendo as duas, ires para o inferno (Geena), para o fogo que nunca se apaga. Se teu pé te leva à queda, corta-o! É melhor entrar na vida tendo um só dos pés do que tendo os dois, ser lançado ao inferno. Se teu olho te leva à queda, arranca-o! É melhor entrar no Reino de Deus tendo um olho só do que, tendo os dois, ir para o inferno, onde o verme deles não morre e o fogo nunca se apaga.” (Mc 9,43-48)
Marcos escreveu o evangelho em grego. No original, aparece o termo “geena” o qual pode ser traduzido por inferno. Geena era o nome dado a um lugar situado no sul de Jerusalém onde se queimava ídolos e animais mortos. Como se trata de realidades impuras e pecaminosas, a geena se tornou símbolo do lugar ou do estado chamado inferno. Quando algo ou alguém está na geena significa que está em uma realidade física ou espiritual totalmente afastada da graça de Deus em um estado de profundo sofrimento.
Jesus deixou clara a existência dessa dimensão reservada para aquele que deseja viver afastado dele por meio do não cumprimento da vontade de Deus.
São João Paulo II, no dia 28 de Julho de 1999 fez uma catequese com o título “O inferno como rejeição definitiva de Deus”. Nesta catequese, explicou o que a Palavra de Deus e a Igreja afirmam sobre o inferno. Segundo ele o inferno “é a última consequência do próprio pecado, que se vira contra quem o cometeu. É a situação em que definitivamente se coloca quem rejeita a misericórdia do Pai, também no último instante da sua vida”.
O Novo Testamento projeta nova luz sobre a condição dos mortos, sobretudo anunciando que Cristo, com a Sua ressurreição, venceu a morte e estendeu o Seu poder libertador também ao reino dos mortos.
A redenção, contudo, continua uma oferta de salvação que compete ao homem acolher em liberdade. Por isto cada um será julgado «segundo as suas obras» (Ap 20, 13). Recorrendo a imagens, o Novo Testamento apresenta o lugar destinado aos operadores de iniquidade como uma fornalha ardente, onde há «choro e ranger de dentes» (Mt 13, 42; cf. 25, 30.41), ou como a Geena de «fogo inextinguível» (Mc 9, 43). Tudo isto é expresso de modo narrativo na parábola do rico avarento, na qual se precisa que o inferno é o lugar de pena definitiva, sem possibilidade de retorno ou de mitigação do sofrimento (cf. Lc 16, 19-31).
Também o Apocalipse representa de maneira simbólica, num «lago de fogo», aqueles que não estão inscritos no livro da vida, indo assim ao encontro da «segunda morte» (Ap 20, 13 s.). Quem, portanto, se obstina a não abrir-se ao Evangelho predispõe-se a «uma ruína eterna, longe da face do Senhor e da glória do seu poder» (2 Ts 1, 9).
As imagens com que a Sagrada Escritura nos apresenta o inferno devem ser interpretadas de maneira correta. Elas indicam a completa frustração e vazio de uma vida sem Deus. O inferno está a indicar, mais do que um lugar, a situação em que se vai encontrar quem de maneira livre e definitiva se afasta de Deus, fonte de vida e de alegria. Assim resume os dados da fé sobre este tema o Catecismo da Igreja Católica: «Morrer em pecado mortal sem arrependimento e sem dar acolhimento ao amor misericordioso de Deus é a mesma coisa que morrer separado d’Ele para sempre, por livre escolha própria. E é este estado de auto-exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados que se designa pela palavra “Inferno”» (n. 1033).
A «perdição» não deve, por isso, ser atribuída à iniciativa de Deus, pois no Seu amor misericordioso Ele não pode querer senão a salvação dos seres por Ele criados. Na realidade, é a criatura que se fecha ao Seu amor. A «perdição» consiste precisamente no definitivo afastamento de Deus, livremente escolhido pelo homem e confirmado com a morte que sela para sempre aquela opção. A sentença de Deus ratifica este estado.
A fé cristã ensina que, no delineamento do «sim» e do «não», que caracteriza a liberdade da criatura, alguém já disse não. Trata-se das criaturas espirituais que se rebelaram contra o amor de Deus e são chamadas demônios (cf. Concílio Lateranense IV: DS 800-801). Para nós, seres humanos, esta sua vicissitude soa como advertência: é apelo contínuo a evitar a tragédia a que o pecado leva e a modelar a nossa existência segundo a de Jesus, que se desenvolveu no sinal do «sim» a Deus.
A perdição continua uma real possibilidade, mas não nos é dado conhecer, sem especial revelação divina, quais os seres humanos que nela estão efetivamente envolvidos. O pensamento do inferno – e menos ainda a utilização imprópria das imagens bíblicas – não deve criar psicoses ou angústia, mas representa uma necessária e salutar advertência à liberdade, no interior do anúncio de que Jesus Ressuscitado venceu Satanás, dando-nos o Espírito de Deus, que nos faz invocar «Abbá, Pai» (Rm 8, 15; Gl 4, 6).
Esta perspectiva rica de esperança prevalece no anúncio cristão. Ela está reflectida de maneira eficaz na tradição litúrgica da Igreja, como testemunham por exemplo as palavras do Cânon Romano: «Aceitai com benevolência, ó Senhor, a oferta que nós, vossos ministros e a vossa família inteira, Vos apresentamos… salvai-nos da perdição eterna, e acolhei-nos no rebanho dos eleitos».
Se para quem se fecha ao amor de Deus existe o inferno, para quem se abre ao seu amor, para quem se deixa conduzir por ele, o fim é a glória eterna ao seu lado. É a graça do convívio com aquele que não poupou seu próprio Filho para nos salvar, com aquele que se entregou por nós em uma cruz, com aquele que está conosco todos os dias até o fim dos tempos como mestre, consolador, santificador e amigo. Enfim, com todos os anjos e santos que se propuseram viver o amor e por isso, pelo Amor serão plenamente preenchidos de Amor.
Prof. Leandro César
Teólogo e Mestre em teologia bíblica