Perguntas feitas ao Papa

O jornal “O Estado de SP” fez oito perguntas ao Papa Bento XVI sobre vários assuntos que muitas pessoas fazem também. D. Estevão Bettencourt, monge beneditino do Mosteiro de S. Bento no Rio de Janeiro, responde essas perguntas em sua Revista “Pergunte e Responderemos”. Pela relevância da questão, a transcrevemos aqui.

“O ESTADO DE SÃO PAULO”
D. Estevão Bettencourt,OSB
Revista: PERGUNTE E RESPONDEREMOS
Ano XLVII – Nº 542 – Agosto de 2007

Em síntese: O jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, aos 12/5/07, publicou’ oito perguntas dirigidas ao Papa Bento XVI, às quais se proporá resposta nas páginas subseqüentes.
A visita do Papa ao Brasil suscitou, entre outras coisas, um renova¬do questionamento de clássicos temas. O ESTADO DE SÃO PAULO fez¬-se porta-voz dessas questões em sua edição de 12 de maio dirigindo-se ao Pontífice Bento XVI. Alto membro da hierarquia católica pediu a PR que Ihes dê resposta. Trata-se de oito perguntas formuladas pelo Sr. Mauro Chaves, jornalista, advogado e administrador de empresas.

1ª PERGUNTA
Haverá sinceridade em achar que é possível aos católicos jovens abster-se de manter relações sexuais antes do matrimônio?
Resposta: A natureza deu ao ser humano duas funções vitais: a digestiva, que garante a conservação do indivíduo pela alimentação, e a genital, que responde pela procriação ou perpetuação da espécie. Cada uma destas duas funções tem um prazer anexo, que é o estímulo para que o homem coma e exercite a genitalidade.
Função e prazer estão intimamente ligados entre si, de modo que, se alguém come não para se alimentar, mas unicamente pelo prazer da comida, comete o que se chama “uma glutoneria” ou se assemelha a um irracional. Ora algo de semelhante ocorre com a função genital: esta tem por finalidades a união dos esposos e a prole, quando a natureza não é• estéril, tendo o prazer em anexo. Se alguém impede a possível fecundidade para ficar só com o prazer, está invertendo a ordem dos valores, ferindo a natureza e fazendo concessão às suas paixões cegas – o que desfigura a personalidade do rapaz e da moça.
Mais: o ato sexual, sendo voltado para a procriação ou a criação de novos seres humanos, requer estabilidade dos genitores comprometidos pelo matrimônio, ou seja, requer um lar, uma família. Em conseqüência, sabiamente se diz que o lugar próprio para a cópula sexual é o lar ou a família selada pelo matrimônio.
Dizer isto à juventude é altamente sincero. É obrigatório. Há quem siga tais normas talvez após experiências ingratas. Aos outros (maioria) procure-se mostrar o valor de uma vida casta. Em todo caso, porém, não se pode silenciar a verdade, ainda que provoque rejeição.

2ª PERGUNTA
Que explicações dar para a manutenção do celibato clerical? – O moti¬vo, alegado no passado, de que a missão do Religioso não pode ser dificulta¬da por compromissos familiares, não se choca com o observado nas outras religiões, cujos ministros são sempre ajudados por sua própria família.
Resposta: O celibato é uma das respostas mais espontâneas e belas que o cristão possa dar ao anúncio da Boa Nova: o Reino de Deus já foi inaugurado pela vinda de Cristo; o Eterno se fez temporal. Por con¬seguinte quem puder (por um carisma especial) abster-se de afazeres e vínculos passageiros, faça-o, abraçando a vida uma ou indivisa, toda dedicada ao Reino. A consciência desta verdade já era viva em Corinto no ano de 56, como atesta São Paulo em 1 Cor 7,25-35. Os que depreciam o celibato parecem não levar em conta estes dados do Novo Testamento, pois se detêm quase exclusivamente sobre o “Crescei e multiplicai-vos” do Gênesis. É portanto normal que os sacerdotes abracem o celibato, já que são por Deus chamados a anunciar e construir o Reino de Deus; foi aliás o que Cristo fez. De resto, para orientar casais, não é necessário estar casado, como o médico não precisa de ficar doente para tratar dos doentes.
É inegável que um padre casado teria que atender à subsistência de sua família antes de atender ao ministério sagrado.

3ª PERGUNTA
Melhor não seria que a Igreja revelasse os verdadeiros motivos para preservar o antinatural celibato … ? Não seria mais digno e respeitoso con¬fessar para o seu rebanho que a razão do celibato é apenas de sucessão hereditária e de ordem previdenciária? Por que não revelar que a Igreja é testamentária ou legatária de todas as pessoas que entram numa de suas Ordens Religiosas e que, numa sucessão hereditária, seria preterida por filhos e cônjuges, caso não houvesse celibato?

Resposta: O celibato não é antinatural. Antinatural é não amar. Ora todo sacerdote ama, e ama com grande amplidão sem estar obrigado a dar prefe¬rência à sua família, deixando “para depois” os pobres mais necessitados.
A segunda parte da pergunta está equivocada. Quem faz votos per¬pétuos numa Ordem Religiosa, emite voto de pobreza, dando livremente todos os seus bens a quem queira, de modo que, ao morrer, não deixa coisa alguma de que a Igreja possa dispor. Quanto aos sacerdotes diocesanos, dispõem de seus bens sem que a Igreja interfira em suas posses (geralmente de pouca monta) ao morrerem.
O verdadeiro motivo do celibato é aquele que São Paulo aponta logo no início da Igreja: “O tempo se fez breve ……Passa a figura deste mundo” (1 Cor 7, 31). O Eterno presente no tempo suscita dedicação total na vida una ou indivisa.

4ª PERGUNTA
Por que uma pessoa que se separou, … caso não tenha sofrido a viu¬vez, está impedida, se professa o catolicismo, de unir-se a outra pessoa e até de constituir uma nova família? Por que a exclusão dos divorciados? Mesmo que a Igreja não consiga impedir divorciados católicos de formar novas famí¬lias e os filhos? Verão seus pais portarem crachás de excomungados?
Resposta: Segundo o Evangelho, o matrimônio é indissolúvel se foi validamente contraído e consumado. Daí a rejeição de segundas núp¬cias de pessoas divorciadas no foro civil. Quando a co-habitação dos côn¬juges se torna intolerável, podem os interessados recorrer a um Tribunal Eclesiástico e abrir um processo para averiguar se o seu casamento foi nulo; caso tenha havido algum impedimento, é declarado nulo e os inte¬ressados são considerados solteiros. A Igreja não pode ir contra o Evan¬gelho; cf. Mc 10,1-10; Lc 16,18; Mt 5,32; 1Cor 7, 10s. Mas existe uma Pastoral dos divorciados, que procura assistir-Ihes e reconfortá-Ias, con¬vidando-os para trabalhar nas obras sociais da Igreja.
Os filhos dos casais não unidos pelo sacramento do matrimônio têm direito a Batismo e à educação católica; não podem sofrer por causa da situação religiosa dos pais. A Pastoral contemporânea tem-se esforça¬do por manter viva a fé de tais casais, que muitas vezes sem culpa pró¬pria foram infelizes em suas primeiras núpcias.

5ª PERGUNTA
Qual o verdadeiro motivo pelo qual as mulheres não têm o mesmo direito de ministrar todos os sacramentos da Igreja … ? Por que não existem sacerdotisas, Bispas, Religiosas que possam integrar o Conselho de Car¬deais que no Vaticano elege o Papa? Por que não uma papisa? Por acaso, para a Igreja Católica, a mulher é menos capaz de exercer o ofício religioso?

Resposta: A Igreja responde que esta não é uma questão de querer ou não querer, mas se trata de não poder. Com efeito, Jesus não ordenou mulher alguma, embora tenha sido muito independente das tradições do seu povo; segundo Jo 4, 27, os discípulos ficaram surpresos por vê-Io a sós falando com uma mulher; não hesitou em acolher a pecadora anônima de Lc 7, 36-50, e censurou o fariseu altivo … Após Jesus vinte séculos de tradição não praticaram a ordenação de mulheres. Muitos fiéis católicos e não católicos pedem à Igreja que não empreenda uma novidade que con¬traria a praxe da Tradição em se tratando de assunto tão relevante.
A mulher tem desempenhado valiosas funções desde as origens do Cristianismo. O Santo Padre João Paulo 11 o reconheceu em bela “Carta às mulheres” (cf. PR 422/1997, pp. 333), na qual lembra que o que faz a grandeza de alguém não é a função que exerce, mas o que essa pessoa é ou a santidade de vida. Pode haver chefes e dirigentes muito honrados por fora, mas podres por dentro.
De resto, cada sexo tem suas aptidões próprias, que devem ser resguardadas; à mulher toca uma prerrogativa singular; como mãe, ela forma ou plasma o homem desde os seus primeiros anos, ao passo que ao homem não toca essa prerrogativa em relação à mulher.

6ª PERGUNTA
Qual o motivo das vestes exuberantes do Papa, dos cardeais, dos bispos? Por que os mantos de tecido precioso, as roupas resplandecen¬tes, que apenas evocam opulência e riqueza, em contraste chocante com a situação dos pobres do mundo? Enfim que é que tem a ver toda a pompa papal e cardinalícía com Jesus Cristo?
Resposta: As vestes mais solenes dos prelados da Igreja são he¬rança de tempos passados, quando todos apreciavam o destaque do ves¬tuário. É certo que nos últimos tempos tem-se registrado uma simplifica¬ção considerável desse aparato. Em parte tal exuberância era devida à convicção, ainda hoje válida, de que a Deus deve ser dado o melhor, principalmente na liturgia; é preciso celebrar em beleza; isto significava, para os antigos, o uso dos símbolos mais aparatosos.
Em nossos dias, porém, entende-se que a beleza da Liturgia pode ser obtida também na simplicidade; já não se confeccionam vestes Iitúrgicas como as do passado, inspiradas pelo estilo barroco.
Quanto aos pobres, a Igreja muito se tem interessado por eles. To¬dos os anos a Santa Sé publica a prestação de contas das quantias doa¬das aos povos e instituições carentes; cf. PR 458/2000, pp. 297ss; PR 498/2003, pp. 547; PR 507/2004, pp. 440ss.
A Igreja está ciente do perigo da riqueza e do valor da simplicidade.

7ª PERGUNTA
Os templos católicos não deveriam estar sempre abertos para quem neles pretendesse entrar e fazer suas orações, independentemente de rígidos horários, como se fossem repartições públicas?
Resposta: O ideal seria realmente manter as igrejas abertas o dia inteiro’. Acontece, porém, que essa praxe propiciou o furto de objetos sa¬cros e a profanação dos mesmos. Daí a conveniência de fechar as igrejas em certos horários. Todo fiel pode rezar em seu íntimo, permanecendo onde está. Deus reconhece o profundo clamor dos nossos corações.

8ª PERGUNTA
Que caridade haverá para uma mulher, ao impedi-Ia de interromper uma gravidez gerada por violento estupro ou exigir que passe pelo sofri¬mento de preservar em seu ventre um ser sem cérebro com nula probabi¬lidade de sobrevivência?
Resposta: No caso não somente os interesses da mulher hão de ser levados em conta, mas também os da criança, que, desde a fecunda¬ção do óvulo, é verdadeiro ser humano, mesmo que não tenha cérebro, dotado do direito à vida como dotada é a sua mãe; não é lícito não somen¬te na perspectiva da fé, mas também na da razão, tirar a vida de um inocente, nem quando se trata de beneficiar a mãe; o fim não justifica os meios, de modo que o aborto é sempre um homicídio … homicídio mais cruel do que os do campo de concentração.
Além disto, o aborto maltrata não somente a criança, mas também a mãe, suscitando um complexo de culpa que dura muitos anos.
Por conseguinte é para desejar que a mãe não mate seu filho. Dei¬xe-o nascer e, quando puder, entregue-o a quem o quiser adotar ou, ao menos, educar. De resto, o anencéfalo costuma sobreviver pouco tempo após nascer.

Conclusão
São estas as respostas que o pensamento católico oferece ao Dr. Mauro Chaves. Percebe-se forte pressão para que a Igreja se adapte aos costumes do mundo contemporâneo, como se a Moral pudesse variar de época para época, de acordo com as novidades dos modismos, sem ter referencial fixo.
A Igreja se opõe às práticas apregoadas por Chaves não somente em nome da fé, mas também em nome da sã razão. Pode tornar-se uma voz estranha, singular, mas embelezada pela fidelidade incondicional ao seu Senhor e à própria humanidade. É preciso não trair o Cristo para agradar a correntes de pensamento que ofendem a dignidade humana e ferem as Leis de Deus.


Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br Twitter: @pfelipeaquino