A Igreja sempre foi contra o Aborto

Desde o século I a Igreja tem a consciência de que o aborto é pecaminoso. Assim, por exemplo, diz a Didaqué, o primeiro Catecismo cristão, datado de 90-100:
“Não matarás, não cometerás adultério… Não matarás criança por aborto nem criança já nascida” (2,2).
“O caminho da morte é… dos assassinos de crianças” (5,2).
Na segunda metade do século III; o autor da Epístola a Diogneto observava:
“Os cristãos casam-se como todos os homens; como todos, procriam, mas não rejeitam os filhos” (V,6).
Atenágoras (†181), filósofo em Atenas, autor da Súplica pelos cristãos, oferecida ao imperador Marco Aurélio.
“Os que sabem que não suportamos sequer a vista de uma execução capital segundo a justiça, como nos irão acusar de assassinato ou de antropofagia? Quem dentre vós outros não gosta das lutas dos gladiadores ou das feras, e não preza os que as organizam? Quanto a nós, porém, pensamos que o ver morrer se aproxima do matar, nós que nem queremos ver matarem, para não nos mancharmos com tal impurezas? Ao contrário afirmamos: “Os que praticam o aborto cometem homicídio e irão prestar contas a Deus, do aborto. Por que razão haveríamos de matar? Não se pode conciliar o pensamento de que a mulher carrega no ventre um ser vivo, e portanto objeto da Providência divina, com o de matar cedo o que já iniciou a vida…”(Súplica pelos cristãos, 3, 10)
O autor da Epístola atribuída a S. Barnabé no século II e depois Tertuliano († 220 aproximadamente), S. Gregório de Nissa († após 394), São Basílio Magno († 379) fizeram eco aos escritores precedentes.
A legislação da Igreja oficializou esse modo de pensar, estipulando sanções para o crime do aborto.
Assim o Concílio de Ancira (hoje Ancara) na Ásia Menor em 314, cânon 20, menciona uma norma que os conciliares diziam ser antiga e segundo a qual as mulheres culpadas de aborto ficam excluídas das assembléias da Igreja até a morte; o Concílio atenuou o rigor dessa penalidade, reduzindo-a para dez anos:
“As mulheres que fornicam e depois matam os seus filhos ou que procedem de tal modo que eliminem o fruto de seu útero, segundo uma lei antiga são afastadas da Igreja até o fim da sua vida. Todavia num trato mais humano determinamos que lhes sejam impostos dez anos de penitência segundo as etapas habituais” (Hardouin, Acta Conciliorum; Paris 1715, t. I, col. 279)1
Outros Concílios repetiram a condenação do aborto: o de Elvira (Espanha) em 313 aproximadamente, cânon 63; o de Lerida, em 524, cânon 2; o de Trullos ou Constantinopla, em 629, cânon 91; o de Worms em 869 cânon 35…
Em 29/10/1588, o Papa Sixto V publicou a Bula Effraenatam: referindo-se aos Concílios antigos, especialmente aos de Lerida e Constantinopla, condenou qualquer tipo de aborto e impôs severas penas a quem o cometesse, penas que só poderiam ser absolvidas pela Santa Sé. Tal Bula era rigorosa demais para poder ser observada, principalmente pelo fato de reservar à Santa Sé a absolvição das penas infligidas aos réus de aborto. Por isto foi substituída poucos anos depois pela Bula Sedes Apostolica de Gregório XIV, datada de 31/05/1591; este documento distingue entre feto animado e feto não animado por alma humana: o aborto de feto animado ou verdadeiramente humano seria punido com a excomunhão para os culpados, mas sem reserva da absolvição à Santa Sé; quanto ao aborto de feto não animado ou não humano, ficaria a questão como estava antes da Bula de Sixto V (seria passivo de sanção menos severa do que o aborto de feto animado).
O Papa Inocêncio XI condenou em 02/03/1679, como escandalosas e na prática perniciosas, as seguintes sentenças:
“34. É lícito efetuar o aborto antes da animação para impedir que uma jovem grávida seja morta ou desonrada.
35. Parece provável que todo feto carece de alma racional enquanto está no seio materno; só é dotado de tal alma quando é dado à luz. Em conseqüência, deve-se dizer que nenhum aborto implica homicídio” (Denzinger-Schönmetzer, Enquirídio de Símbolos e Definições n. 2134s.).
No século XIX o Papa Pio IX renovou a condenação do aborto:
“Declaramos estar sujeitos a excomunhão latae sententiae (anexa diretamente ao crime) reservada aos Bispos ou Ordinários, os que praticam aborto com a eliminação do concepto” (Bula Apostolicae Sedis de 12/10/1869).
Esta sentença categórica persistiu na Igreja até o Código de Direito Canônico atual, que prevê a excomunhão para o delito:
“Cânon 1398. Quem provoca o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae”.
Vê-se, pois, que a Igreja desde os seus primórdios se manifestou contrária ao aborto. Existia, porém, para os teólogos a grave questão de saber quando começa a vida humana; a falta de conhecimentos genéticos adequados levava alguns a crer que, em determinadas circunstâncias, não havia verdadeira vida humana no seio materno.
S. Gregório de Nissa († após 394) rejeitava a teoria da preexistência seja da alma, seja do corpo, e afirmava a origem simultânea de um e de outro elemento; desde o primeiro instante da existência do embrião, a alma encontra-se nele com todas as suas potencialidades, que se vão manifestando à medida que o corpo se desenvolve.
São Basílio Magno († 379), irmão de S. Gregório de Nissa, adotou o pensamento deste. Por isto considerava assassinos os que provocam o aborto de um feto.
São Máximo Confessor († 662) abraçou a mesma tese.
Toda a vida é uma participação da vida divina. Nós vivemos porque um sopro divino nos tornou vivos. Esta convicção atravessa a Bíblia do primeiro ao último livro (cf. Gn 2,7; Ap 11,11). Cultivá-la e respeitá-la é manifestação da nossa fidelidade ao Deus que nos faz viver. Quem reconhece Deus como fonte da vida, sabe que qualquer agressão contra ela magoa o coração de Deus. “Não matarás” (Ex 20,13).
Não se constrói uma sociedade justa sobre a injustiça. Em nenhum momento podemos esquecer que a vida é o primeiro fundamento da ética.
O Papa afirma claramente: “O ser humano deve ser respeitado e tratado como uma pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde esse momento, devem-lhe ser reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais e primeiro de todos, o direito inviolável de cada ser humano inocente à vida” ( Carta Encíclica EVANGELIUM VITAE, n.60 – 25.03.1995)
Nós cristãos, acreditamos que toda a vida vem de Deus, e encontramos na fé um motivo profundo para defender a vida. Mas a inviolabilidade da vida humana, desde o seu início até à morte natural, é uma questão de direito natural, antes de ser apenas uma questão religiosa. A defesa da vida humana é um dos alicerces da convivência ética dos homens em sociedade.
A Tradição da Igreja, confirmada pelo Concílio Vaticano II, e o Magistério da Igreja consideram o aborto um “crime abominável”. Na Evangelium Vitae, João Paulo II afirma: “Dentre todos os crimes que o homem pode realizar contra a vida, o aborto provocado apresenta características que o tornam particularmente grave e abjurável”(idem n. 58)


Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br Twitter: @pfelipeaquino