O Evangelho de Maria

Já consideramos o chamado “Evangelho de Maria” em PR 529 pp. 290ss. Voltamos ao assunto a propósito do livro assim intitulado, que traz o texto de tal apócrifo com os comentários de Jean-Yves Leloup1.
Jean-Yves Leloup não distingue entre apócrifos de origem cristã e apócrifos de origem gnóstica. Por isto equipara uns e outros entre si como fontes fidedignas para reconstituir o surto do Cristianismo. Daí a afirmação: “Trata-se do Evangelho de Maria, atribuído a Miriam de Magdala, primeira testemunha da ressurreição e, por causa disto, considerada pelo apóstolo João como sendo, bem antes de Paulo e de sua visão a caminho de Damasco, a fundadora do cristianismo” (p. 8).O apócrifo Evangelho de Maria é de origem gnóstica e foi encontrado em nag Hammadi. Propõe em termos vivazes o relacionamento de Maria Madalena com Jesus como o de uma companheira privilegiada em convívio com o seu Amado.
Tal conclusão é gratuita; resulta de uma interpretação do texto apócrifo tendenciosa ou preconceituosa.
Madalena é quem transmite aos Apóstolos a doutrina que Jesus  lhe comunica: “Jesus confia-lhe palavras que os outros discípulos ignoram; ela ocupa o lugar deixado vago por Jesus; ela comunica os segredos recebidos e os explica” (p. 11).
Esse papel eminente decorre da intimidade com Jesus de que Madalena gozava: “Este papel de intermediária entre Jesus e os discípulos repousava sobre a crença na posição de Maria Madalena como companheira de Jesus durante sua vida e primeira testemunha da ressurreição” (p. 11).
Jean-Yves Leloup julga necessário atribuir a Jesus Cristo tal familiaridade com Madalena a fim de dissipar o conceito de que a sexualidade humana é pecaminosa. Se Jesus a vivenciou, como diz Leloup, não há por que a estigmatizar como algo de mau, embora este gesto liberal custe algum esforço ao cristão dado ao apreço da castidade e da vida uma e indivisa.
Pergunta-se: Que dizer?
Repita-se aqui o que foi dito neste fascículo à guisa do comentário do Evangelho de Felipe. Sejam enfatizados, porém, os três seguintes pontos:
1) Os Evangelhos gnósticos não procedem de fonte cristã, não representam o pensamento das primeiras gerações cristãs, datam do século II e provêm de escolas dualistas como foram as de Valentim, Basílides, Marcião. Por conseguinte não podem ser justapostos aos Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, que no século I procedem da genuína fonte “Apóstolos-Jesus”. Em consequência dir-se-á: Não podemos procurar reconstituir as origens do Cristianismo consultando os apócrifos gnósticos.
2) As teses que tais escritos propõem não tem respaldo nem em textos anteriores nem na literatura cristã posterior. Com efeito; nenhum escritor da história do Cristianismo conhece o pretenso conúbio de Jesus nem o primado atribuído a Madalena. Não se diga que a Igreja ocultou essas proposições em favor do machismo eclesiástico. A mentira que a Igreja teria assim favorecido, teria pernas curtas, como toda mentira, segundo a sabedoria popular.
3) Distingamos entre sexualidade e genitalidade. Todo ser humano é sexuado (e Jesus o foi certamente), mas não é necessariamente genitor ou genitora. Jesus não se casou porque veio trazer ao mundo o início do Reino de Deus, no qual não há casamento, pois “todos serão como os anjos de Deus” (Mt 22, 23-33).
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1 Ed. Vozes, Petrópolis 2006, 188pp.
Dom Estevão Bettencourt, osb

Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br Twitter: @pfelipeaquino