Preconceitos de um filósofo ateu

  Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho  –  – 01/08/2008  

Para Nietzsche “denomina-se o cristianismo a religião da compaixão”. Ora, eis aí um engano que vai contra o cerne mesmo da pregação de Cristo e a História. Com efeito, o núcleo do Evangelho é o amor. O mandamento novo, a novidade que Jesus de Nazaré inseriu na contextura das instituições foi: “Assim como eu vos amei, amai-vos uns aos outros”. Ora, nada mais forte do que o amor. A compaixão que, no dizer de Nietzsche, “está em oposição ás emoções tônicas, que elevam a energia do sentimento vital, tem efeito depressivo”.Ora, sobre tal disposição tão negativa, não se constrói nada perene, durável.  

Entretanto, negar as realizações do cristianismo através dos séculos, seria obliterar fatos óbvios que honram, aliás, os foros culturais de inúmeros povos e muitas regiões. Nietzsche com sua obsessão da idéia fixa da fraqueza, de pusilanimidade, deturpa a figura de Cristo e O apresenta como o símbolo do abatimento humano. Em “O Eterno Retorno” assim se pronuncia: “o deus na cruz é uma maldição sobre a vida…” Aí outro grande desacerto de Nietzsche.  

O Calvário foi episódico. Cristo foi, na verdade, reduzido ao homem da dor. Foi crucificado, morto, sepultado, mas, final glorioso: Ele ressuscitou. Ele venceu a morte. A ressurreição de Jesus, porém, para este filósofo é uma mistificação de Paulo, o “disangelista”, o portador da má notícia, diz ele. Ora, quem se baseia “na mentira do Jesus “ressuscitado” não pode captar a essencialidade do cristianismo.  

A ressurreição resiste aos julgamentos mais severos. Não foi apenas Paulo de Tarso quem creu neste faustoso evento. O túmulo vazio e o Mestre que esteve com seus apóstolos e com eles conversou; a crença viva nesta verdade por parte de uma Igreja nascente ante à hostilidade, à violência dos inimigos, é um acontecimento inegável. Não era uma homenagem piedosa tributada a um morto que se venerava e se amava, não era um culto respeitoso devotado a um falecido que se estimava, era, sim, fé inabalável em um ente vivo e bem amado. Ora, se Cristo ressuscitou e a História, que é ciência, comprova isto, outra assertiva de Nietzsche, além disto, se esboroa: “o cristianismo promete tudo e não cumpre nada”.  

São Paulo, mil oitocentos e trinta e seis anos antes, já respondera a este desplante: “se Cristo não ressuscitou é vã a nossa fé, é inútil a nossa crença…”.  A recíproca é verdadeira. Se Ele ressuscitou, porém, estão definitiva e essencialmente certos os que aderem ao Evangelho que tudo promete e tudo cumpre. Deus não é “deus dos fisiologicamente regredidos, dos fracos”, como deduz tendenciosamente Nietzsche, nem o “cristão, essa última ratio da mentira”, como mordazmente declarou.. Neste caso “Deus”, “verdade”, “luz”, “espírito”, “sabedoria”, “vida” que Nietzsche acha serem uma delimitação do mundo e termos vazios, são realidades mais reais que as coisas que vemos, porque reveladas pelo próprio Deus.  

Aí se está num outro mundo, mas que é desvelado pela fé religiosa, a qual, longe de levantar fronteiras, faz entrever horizontes infindos. O objeto formal quo da fé é a luz da revelação, embora a própria filosofia, com a luz da razão, possa também ir além das barreiras do sensível, desde que não se esteja enclausurado na materialidade, como aconteceu com o filósofo em pauta. É claro que o ato de fé é muito superior ao da razão que atinge valores supra-sensíveis, mas estes só são acessíveis à inteligência de quem não está aprisionado em prejuízos, alienações patológicas ou se deixa envolver por distorções, filhos de uma focagem parcial. 

 Todas estas considerações mostram como se deve urgir o senso crítico e uma gnose alicerçada para não se deixar levar pelos artifícios raciocínios daqueles que fazem da descrença o ponto de apoio de suas declarações, sobretudo no que tange a filósofos como Nietzsche que, apesar do absurdo de suas idéias, tem certa “técnica de pensamento, como propedêutica à superação de condições individuais”. A leitura de Nietzsche leva, além do mais, a outra conclusão. Sem o conhecimento amplo e profundo da História é sempre perigoso fazer certas colocações. Acrescente-se que, uma apologia de Nietzsche, como se tentou ultimamente, baseada num novo comentário de seus escritos, não tem procedência, dado que seu ponto de partida  é contestável e ele nega frontalmente as realidades metafísicas.   


Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br Twitter: @pfelipeaquino