Algumas pessoas mal informadas ou mal intencionadas, afirmam que a Igreja bloqueou o estudo e a ciência na Idade Média; e assim querem jogar os jovens contra ela e mostrar que a ciência é oposta à fé. Nada mais mentiroso. Uma marca registrada da Igreja na Idade Média, e que foi a base da nossa Civilização Ocidental, foi o ensino. É grave calúnia dizer que a Igreja tinha o interesse em manter o povo na ignorância para dominá-lo; os fatos da História mostram o contrário; e contra fatos não há argumentos.
As escolas na Idade Média eram fundadas e mantidas geralmente pela Igreja: havia as escolas das Paróquias, as das Catedrais e a dos Mosteiros. Além disto, os senhores feudais podiam fundar suas escolas, como também os habitantes de um lugarejo podiam se associar para sustentar um professor encarregado de ensinar às crianças. Elas eram admitidas na escola com sete ou oito anos de idade: o ensino, que preparava para os estudos da Universidade, estendia-se por uma dezena de anos.
No séc. VI São Cesário de Arles já expunha no Concílio de Vaison (529) na França, a necessidade de criar escolas no campo; e os bispos se dedicaram a isto. Foi a Igreja que montou para o Imperador católico Carlos Magno (†814) a sua política escolar; e retomou a tarefa educadora no séc. X após o fim do seu Império.
O III Concílio de Latrão (1179), em Roma, presidido pelo Papa Alexandre III (1159-1181), ordenou ao clero que abrisse escolas por toda a parte para as crianças, gratuitamente. Obrigou a todas as dioceses terem ao menos uma. Essas escolas foram as sementes das Universidades que logo surgiam: Sorbone (Paris) e Montpellier, Bolonha, La Sapienza, Salerno e Raviera (Itália), Oxford e Canterbury (Inglaterra), Toledo e Salamanca (Espanha); Coimbra em Portugal, e muitas outras.
Como acusar a Igreja de obscurantista se foi ela quem fundou as primeiras universidades do mundo, para estudar as línguas, a medicina, a matemática, a oratória, a física, a astronomia, as artes plásticas, a música, a teologia?… Somente quem não conhece História ou a interpreta com uma maldosa dose ideológica – e não cientifica – pode chegar a essa conclusão.
Os níveis escolares criados pela Igreja eram três: primário, secundário e superior. Na base, estavam as escolas paroquiais, “as pequenas escolas”. No plano superior havia as escolas monásticas e as escolas das catedrais e capitulares, o que corresponde ao ensino secundário. Dos sete aos vinte anos as crianças e os jovens eram recebidos nessas escolas sem distinção de classes. Havia escolas só para meninas e moças. As disciplinas dividiam-se em “trivium” (gramática, dialética e retórica) e “quadrivium” (artimética, geometria, astronomia e música). Mas um grande pedagogo da época Thierry de Chartres, mostrou que o “trivium e o quadrivium” eram apenas um meio e que o fim era “formar almas na verdade e na sabedoria”.
No séc. XII havia só na França 70 abadias com escolas. Todos os grandes bispos também quiseram ter escolas; na França, no séc. XII havia mais de 50 escolas episcopais. O importante era o conjunto do saber humano, hoje tão desprezado.
A Abadia de Argenteuil, por exemplo, onde foi educada Heloísa, ensinava às alunas a S. Escritura, as letras, a medicina e mesmo a cirurgia, sem contar o grego e o hebraico, que Abelardo lá ensinou. Em geral, as pequenas escolas davam a seus alunos até ensino de música e teologia que lhes permitiam chegar às Universidades; e muitas ministraram um ensino técnico.
Os estudantes mais dotados iam para a Universidade, de acordo com as suas preferências. Paris atraía de modo especial, pois lá se aprendiam as artes liberais e a teologia por parte de estudantes provenientes da Alemanha, da Itália, da Inglaterra, da Dinamarca, da Noruega. Nunca houve tanta universalidade.
Em muitas escolas os alunos tinham ensino técnico de como trabalhar o ouro, prata e cobre. Aos poucos surgiam as especializações: Chartres (letras), Paris (teologia), Bolonha (direito), Salerno e Montpellier (medicina).
O Concilio geral de Latrão III, aprovou o seguinte cânon:
“A Igreja de Deus, qual mãe piedosa, tem o dever de velar pelos pobres aos quais pela indigência dos pais faltam os meios suficientes para poderem facilmente estudar e progredir nas letras e nas ciências. Ordenamos, portanto, que em todas as igrejas catedrais se proveja um benefício (rendimento) conveniente a um mestre, encarregado de ensinar gratuitamente aos clérigos dessa igreja e a todos os alunos pobres” (can. 18, Mansi XXII 227s). O IV Concílio ecumênico do Latrão (1215), renovou este decreto.
Teodulfo, bispo de Orléans no séc. VIII, promulgou o seguinte decreto:
“Os sacerdotes mantenham escolas nas aldeias, nos campos; se qualquer dos fiéis lhes quiser confiar os seus filhos para aprender as letras não os deixem de receber e instruir, mas ensinem-lhes com perfeita caridade. Nem por isto exijam salário ou recebam recompensa alguma a não ser por exceção, quando os pais voluntariamente a quiserem oferecer por afeto ou reconhecimento” (Sirmond, Concilia Galliae II 215).
Este decreto passou verbalmente para as legislações eclesiásticas da Inglaterra. Frequentemente os concílios regionais dos séc. XIII e XIV repetiram essas normas.
É preciso entender que os homens da ciência na época, não tinham o aparato técnico para experiências e investigações precisas como temos hoje. Por causa dessa carência, a ciência medieval cometia erros. A falta de instrumentos precisos como temos hoje (cromatógrafos, espectofotometros, balanças de precisão, laser, sensores, computadores, etc.), fazia com que os cientistas medievais procediam por dedução mais do que por indução. As leis da natureza eram formuladas recorrendo-se a princípios especulativos, abstratos, dos quais julgavam poder deduzir a explicação dos fenômenos da natureza. Com boa fé, achavam que a Bíblia Sagrada podia ser utilizada para esclarecer não somente questões teológicas, mas também temas de ciências. Isto deu margem ao caso Galileu, no séc. XVII.
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É muito significativo um dos últimos depoimentos sobre a acusação de que a Igreja obstruiu a ciência na Idade Média, proferido em 1957 por um grupo de estudiosos que, sem intenção confessional alguma, escreveram a história da ciência antiga e medieval:
“Parece-nos impossível aceitar a dupla acusação de estagnação e esterilidade levantada contra a Idade Média latina. Por certo a herança (cultural) antiga não foi totalmente conhecida nem sempre judiciosamente explorada;… mas não é menos verdade que de um século para outro – mesmo de uma geração a outra dentro do mesmo grupo – há evolução e geralmente progresso. A Igreja (…) na Idade Média salvou e estimulou muito mais do que freou ou desviou. Por isto, embora só queira apelar para a Antiguidade, a Renascença é realmente a filha ingrata da Idade Média” (La science antique et médiévale, sous la direction de René Taton, Presses Universitaires de France. Paris 1957, 581s).
Em particular com referência ao fato de que só a partir de fins do séc. XIII se começaram a fazer dissecações e observações em cadáveres humanos, dizem os mencionados estudiosos:
“Como quer que seja, não se poderia aceitar a opinião um tanto simplista segundo a qual a Igreja teria sido a grande responsável da estagnação dos estudos de anatomia” (ibd. 580).
Por outro lado, a capacidade humana de especulação filosófica atingiu o auge da sua clareza nas famosas Sumas de lógica e metafísica da Idade Média, de São Tomás de Aquino, S. Alberto Magno e muitos outros filósofos e teólogos. Estas obras, continuando as dos grandes pensadores gregos (principalmente de Aristóteles), até hoje são monumentos atuais, não ultrapassados, da cultura humana. É, sem dúvida, este aspecto positivo que merece destaque na apreciação objetiva da Idade Média.
Resta perguntar: Como, então, algum professor mal informado, ou mal intencionado, pode afirmar que a Igreja manteve o povo nas trevas da ignorância na Idade Média? Como é possível que a história seja tão manipulada e distorcida em favor de interesses ideológicos lastreados num laicismo anticatólico?
Prof. Felipe Aquino