Quando se tem intimidade com o Senhor, perdemos o medo de ser lapidados por Ele…
São Paulo disse aos Romanos algo fundamental para a vida de todo cristão que deseja fazer a vontade de Deus: “Deus nos predestinou para sermos conformes a imagem do Seu Filho” (Rom 8,29); isto é, o Pai nos quer semelhantes a Jesus conforme fomos criados: “à imagem e semelhança de Deus”. O Pai quer olhar para nós e dizer: “este também é meu filho bem amado em quem eu ponho meu querer…”
Sabemos que o pecado original e os pecados pessoais quebraram a imagem perfeita que Deus nos deu na origem. Tertuliano (†220) disse que “Deus, quando criou Adão, olhava para Jesus”. Ele é nosso modelo. Então, a imagem de Jesus precisa ser restaurada em nós.
Um dia Michelângelo foi a uma montanha de mármore carrara, mostrou aos alunos uma pedra, e disse: “tem um anjo ai dentro, vamos colocá-lo para fora!”. Depois que a pedra foi esculpida e o anjo surgiu, os alunos ficaram admirados. “Com foi possível, mestre?” O mestre respondeu: “Nós só tiramos o que estava sobrando!…”
O mesmo acontece em nós; o pecado depositou sobre o anjo que Deus pôs em cada um de nós, uma porção de sujeira que não é nossa e que é preciso tirar. Há muita coisa sobrando em nós. Mas quem a tirará? O Mestre divino. Precisamos deixá-lo agir livremente sobre a pedra da nossa alma para recuperar e restaurar a imagem original saída das mãos de Deus. É a santificação.
A fé mostra-nos que Deus que não olha-nos como espectador entristecido e mais ou menos impotente, não, Ele coloca a Sua mão na nossa massa humana e a modela, porque nos ama e tem ciúme de nós.
Mas para que o divino Mestre possa agir com liberdade sobre nós, talhar e cortar à vontade, temos de permitir sua ação, sem chorar, sem reclamar… Às vezes a pedra geme sob os golpes do Mestre. Só deixaremos Ele fazer seu serviço se tivermos “intimidade” com Ele, o conhecermos, o amarmos e o louvarmos.
Para se ter intimidade com o Mestre escultor de nossa alma, é preciso ter uma vida em Deus, na oração, meditação e contemplação. “Uma alma contemplativa é uma alma que encontrou Deus Pai no íntimo do seu coração e vive sempre com Ele”, disse o monge Robert de Langeac no seu livro “A vida oculta em Deus”.
Ele ensina que “vida contemplativa e vida eterna não são duas coisas diferentes, mas uma única realidade: uma é a aurora, a outra o pelo dia.” Não podemos deixar que o tempo passe, e nós amamos a Deus pouco e tarde.
Quando se tem intimidade com o Senhor, perdemos o medo de ser lapidados por Ele. O Senhor é delicado nas suas afeições; nunca deixa de levar em conta a personalidade de cada um, e trata cada alma como se existissem só ela e Ele no mundo.
Robert Langeac recomenda que “quando ressoarem duas vozes contraditórias no fundo da alma, a gente deve atender a que fala mais baixo, a que lhe pede mais sacrifícios.” Porque o sofrimento afasta-nos do mundo e nos aproxima de Deus. É preciso deixar o Mestre cortar.
Para aderir aos Seus desígnios e fazer Sua vontade, é preciso ter uma profunda familiaridade com Ele e viver em sua intimidade. Pois, o contato com alguém com quem não se tem comunhão de almas, torna-se rapidamente penoso e acaba. O mesmo se dá com Deus e nós.
Deus se propõe educar-nos durante toda a vida, quer curar-nos e fazer com que nos assemelhemos cada vez mais a Seu Filho; mas para isso é preciso começar a ver todas as coisas à luz de Deus. Mas, uma alma só se torna adulta na fé quando se dedica à oração e à meditação. À medida que os anos passam em nossa vida, Deus, em cada etapa completa seus ensinamentos, e nos concede novas luzes que não julgara bom conceder antes. S. Gregório Magno (†604), papa e doutor da Igreja, recomendava – “Soli Deo vacare” (Ocupar-se somente de Deus).
O mundo existe para Deus. São Boaventura (†1234), doutor da Igreja, diz que Ele o criou para “comunicar e manifestar a sua glória, não para aumenta-la” (n. 293), como disse. Mas sem a contemplação o mundo perderia o seu sentido, pois que não existiria mais somente para Ele, ensina Langeac.
São Tomás de Aquino diz algo impressionante: “Na maioria daqueles que se dedicam às obras, não é a caridade perfeita que os impele, mas antes o desgosto da vida contemplativa”. (De perfect vitae spirit. c.23). É como se o ativismo fosse uma fuga da contemplação.
E ainda: “De bom grado, ou pelo menos sem muito constrangimento, desertam a contemplação divina para se ocuparem dos negócios da terra e mostram assim que não têm nada ou bem pouco de verdadeira caridade” (De Car. A 11).
É nos momentos de intimidade com o Senhor na oração que ele nos educará, nos formará e nos curará. Nos fará a imagem de Jesus.
Prof. Felipe Aquino