“Enquanto temos tempo…” (Gl 6,10)
O tempo é o dom básico que Deus nos dá, sem o qual não há outros dons. Sim, é no tempo que nos é dado praticar o bem, trabalhar, lutar, e ter méritos diante de Deus. O tempo pode parecer sem sabor e sem valor para quem o vive no dia-a-dia, há mesmo quem procure “matar” o tempo em vazios passatempos.
E muito rica é a conceituação de tempo que a Escritura Sagrada nos oferece. Ela o apresenta a nós como uma caminhada de peregrinos que “deixam o relativo em busca da pátria definitiva’ (1Pd 1,7; Hb 11,13-16; 1Cor 5,8s). É uma semeadura, cuja colheita ocorrerá no além, de modo que “quem semeia pouco, colherá pouco, e quem semeia muito, colherá muito” (Gl 6,7s; 2Cor 9,6). Cada segundo do nosso tempo tem seu eco na vida definitiva, é no tempo que construímos nossa eternidade.
O tempo é breve e fugidio (2Cor 7,1), passa e não volta, de modo que é preciso aproveitar o HOJE de Deus: “enquanto ainda se diz HOJE” (Hb 3,13). “HOJE” se ouvirdes a sua voz…” (Hb 3,7). O homem não sabe quantos HOJE ainda terá, pois o desfecho terrestre é de data incerta (1Ts5,1). O tempo quantitativo exige ser também tempo qualitativo, exige qualidades correspondentes; o cristão deve crescer não somente em número de anos passageiros, mas também em méritos e valores definitivos.
O passado não nos pertence mais, o futuro não está ao alcance de nossas mãos; apenas o Presente é nosso, está à nossa disposição.
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Que tal fazer um balanço de sua própria vida?
O tempo é como uma antessala da vida plena, de tal modo que na terra aprontamos nossa veste nupcial para a ceia da vida eterna (cf. Ap 21,2). É um se preparar suado e trabalhoso, atribulado, pois nada de grande se faz sem fadiga. Mas, lembra-nos o Apóstolo: “as passageiras tribulações desta vida não têm proporção com o peso de glória que elas nos preparam para a pátria definitiva” (Ef. 5,16, Rm 8,11; 2Cor 4,17).
O tempo lembra-nos que estamos no exílio, que deve despertar no cristão o anseio da mansão definitiva, pois vivemos da fé, e não da visão face-a-face da Beleza Infinita (2Cor 5,6s). A paciência de Deus nos concede tempo para uma conversão sempre mais perfeita (Rm 2,4; 2Pd 3,9). Deus conhece a nossa fragilidade humana e diariamente nos renova a sua graça e misericórdia, a fim de que hoje possamos viver melhor ainda do que ontem.
Estas ideias voltam à mente dos cristãos especialmente no início de um Ano Novo. É o Apóstolo quem escreve: “Exortamo-vos a que não recebais a graça de Deus em vão…” (2 Cor 6,1s). Um Ano Novo é um tempo novo, na graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, como dizia-se antigamente. O cristão deve saber aproveitar, cada vez mais conscientemente, o chamado de Deus, lembrando-se de que o Senhor não quer corações tristes e constrangidos.
Fim e começo de Ano lembram sempre a passagem do tempo. “Como voa!”, costuma-se dizer. Segundo Ap 10, 6, um anjo proclamará certa vez: “Já não haverá mais tempo!” – Estes dizeres poderão trazer alegria a quem, lutando sem cessar, preencheu santamente os seus dias. Mas poderá despertar com susto e dissabor quem for colhido de surpresa e despreparado.
Muitas vezes só apreciamos os valores que temos, depois que desaparecem, e tomamos consciência de haver lidado com grandes bens sem se dar plena conta disto. Assim também é o tempo; pode parecer insignificante, mas, uma vez perdido, aparece com todo o seu valor.
O começo de novo Ano sugere uma reflexão sobre estes fatos, a fim de que não se repitam. O tempo vale no plano da fé; sim, é o tempo resgatado pelo sangue de Cristo, “o tempo oportuno, os dias da salvação” (2Cor 6, 2). E por que tão importante? Porque nas 24 horas de cada dia já se iniciou o Reino de Deus. Consciente disto, dizia São Paulo: “O tempo se fez breve” (1Cor 8, 29). O tempo do cristão é enriquecido pela presença do Eterno dentro da fragilidade do mundo. Aliás, “passa a figura deste mundo” (1Cor 7,31).
Estas verdades se tornam ainda mais significativas no começo de novo Ano. Com efeito; ressoa então mais vivamente a advertência do Apóstolo: “A nossa salvação está agora mais próxima do que quando começamos a acreditar ou a viver a nossa fé” (Rm 13, 11). E continua o Apóstolo: “A noite vai adiantada, o dia se aproxima”; na verdade, para quem sofre de insônia, a noite é tanto mais penosa quanto mais adiantada: mas este sofrimento especial é garantia de término próximo.
Assim é a vida do cristão: passada na penumbra ou mesmo na noite da fé, quanto mais avançada em anos ela é, tanto mais penosa pode ser, mas também tanto mais penetrada pelos raios do dia que vai despontando e aos poucos dissipará as trevas.
Importa, pois, a todo discípulo de Cristo levar cada vez mais a sério a exortação do Senhor: “Vigiai, pois não sabeis nem o dia nem a hora” (Lc 12, 35-40). Qualquer momento pode ser o último e há de ser intensamente vivido na presença do Eterno.
Que o novo Ano signifique para todos os nossos leitores uma aproximação ainda mais consciente da luz do Dia sem ocaso!
Prof. Felipe Aquino