Pode haver milagres fora da Igreja Católica?

D. Estevão Bettencourt, osb, monge beneditino falecido, respondeu essa pergunta em um dos seus artigos da Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” (Nº 6, Ano 1958, Página 223). Aqui coloco um resumo do seu artigo.

Ele explica que o milagre propriamente dito “é um fenômeno estranho ao curso natural das coisas, fenômeno que Deus produz como sinal da sua presença e ação neste mundo. É sempre um testemunho que Deus dá em favor de uma verdade ou de uma pessoa. Em consequência, escapam à qualificação de “milagre” certos fatos que, embora sejam admiráveis, não têm significado religioso, não elevam a Deus, mas, ao contrário, só servem para satisfazer ao capricho ou à vaidade de alguém. Quando Deus efetua prodígios o faz sempre a fim de chamar a atenção do homem para algum dos atributos divinos”.

“Os teólogos afirmam que o milagre pode ocorrer tanto dentro da Igreja (entre os fiéis católicos) como fora desta (entre não católicos; hereges, cismáticos, pagãos), embora seja raro. Quando o milagre acontece fora da Igreja Católica – é sempre Deus quem o produz – o seu testemunho não redunda em abono dos erros do paganismo ou da heresia, mas em favor da verdade, verdade que em plenitude é possuída pela Igreja Católica; o milagre produzido fora desta adquire assim um valor construtivo, é sinal da autêntica revelação e tende a levar à única Igreja de Cristo”, diz Dom Estevão.

Ele cita São Tomaz (De potentia 6,5 ad 5), por exemplo, quando ensina que “Deus pode realizar um milagre para confirmar simplesmente uma verdade da religião natural (ou seja, uma verdade religiosa que o homem por sua inteligência natural reconhece) ou para atestar o valor da virtude praticada sinceramente por quem de boa fé vive fora do Catolicismo; e cita o caso, narrado por S. Agostinho (De civ. Dei 10,26), conforme o qual uma vestal de Roma (virgem consagrada ao serviço da divindade), para comprovar a conservação de sua pureza, havia conseguido carregar água do rio Tibre num vaso perfurado… São Tomas assim comenta tal notícia: “Não está excluído que, para exaltar a castidade, o Deus verdadeiro, por meio de seus anjos, tenha realizado o milagre de deter as águas; pois, se floresceu alguma virtude entre os gentios, floresceu por dom de Deus”.”

Isto significa que quem fora da Igreja procura sinceramente a Deus, seguindo a sua consciência com toda a boa fé, encontra a Deus, o único Deus da Revelação cristã. Este então, caso julgue oportuno, pode, por meio de um milagre, dar testemunho público das sinceras disposições de tal servo seu.

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Os milagres de Cristo são reais ou apenas simbólicos?

Qual o sentido dos milagres?

Dom Estevão chama a atenção para não se confundir milagre com causas naturais que podem ser forças latentes na alma, poderes naturais ainda pouco conhecidos e exploradas pela Psicologia; os fenômenos chamados paranormais como a telepatia, a radiestesia, a transmissão de pensamento, a clarividência do passado e do presente, as curas por sugestão… Às vezes estes fenômenos são tidos como milagres e atribuídos a mensageiros do Além erroneamente.

Ele chama a atenção também para os casos da intervenção de anjos ou demônios (que só se verifica por especial permissão de Deus), “os fenômenos são chamados preternaturais (além dos naturais) por exemplo, a descrição de acontecimentos futuros previsíveis, a indicação de formulas farmacêuticas e terapêuticas que excedem os conhecimentos da ciência humana, a transposição de objetos e pessoas de um lugar para outro… Tais efeitos estão certamente ao alcance dos anjos bons e maus, que, possuindo inteligência superior à do homem, podem, melhor do que nós, penetrar nos segredos da natureza; possuem também raio de ação mais amplo que o do homem”.

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“Os fenômenos preternaturais podem-se verificar, por permissão do Senhor, tanto dentro como fora da Igreja Católica. Não há dúvida, ocorrem em alguns processos do espiritualismo; ocorrem também em formas de curandeirismo, que invoca explicitamente os espíritos maus e usa da magia negra. Jesus mesmo predisse que “surgiriam falsos Cristo e falsos profetas, os quais fariam grandes sinais e prodígios de modo a seduzir, se fosse possível, até os eleitos” (cf. Mt 24,24); São Paulo atribui semelhantes poderes ao Homem Iníquo por excelência, que se manifestara no fim dos tempos:

“Então o tal ímpio se manifestará. Mas o Senhor Jesus o destruirá com o sopro de sua boca e o aniquilará com o resplendor da sua vinda. A manifestação do ímpio será acompanhada, graças ao poder de Satanás, de toda a sorte de portentos, sinais e prodígios enganadores. Ele usará de todas as seduções do mal com aqueles que se perdem, por não terem cultivado o amor à verdade que os teria podido salvar.” (2Tes 2,8-10).

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Dom Estevão explica ainda que “se Deus permite a realização de portentos (não milagres no sentido estrito) por parte dos anjos maus ou demônios, Ele a permite para comprovar e purificar a fé dos homens. Deus nunca poderia permitir que o homem seja, por obra dos espíritos maus, invencivelmente levado ao erro no tocante à religião e à salvação eterna. Entre os principais critérios de discernimento, enumeram-se os seguintes: os prodígios realizados pelo demônio são geralmente cercados de ritos e praticas supersticiosas, fórmulas e receitas evocadoras; o conteúdo das respectivas mensagens não leva a Deus e a Cristo… A procura de tais portentos deixa geralmente a pessoa perturbada, inquieta… Ao contrário, os prodígios realizados por Deus e pelos anjos bons são geralmente imprevistos; acontecem sem evocação nem provocação alguma, sem ostentação, como os de Fátima, Lourdes, La Salette, etc.” É, sem dúvida, pelos frutos que se reconhece à árvore!”Acrescento aqui o que disse o Concílio Vaticano II, nos documentos “Unitatis redintegratio” e na “Lumen gentium”:

Além disso, “muitos elementos de santificação e de verdade (LG 8) existem fora dos limites visíveis da Igreja católica”: “A palavra escrita de Deus, a vida da graça, a fé, a esperança, a caridade, outros dons interiores do Espírito Santo e outros elementos visíveis” (UR,3; LG,15). O Espírito de Cristo serve-se dessas igrejas [ortodoxas] e comunidades eclesiais [protestantes] como meios de salvação cuja força vem da plenitude de graça e de verdade que Cristo confiou à Igreja católica. Todos esses bens provêm de Cristo e levam a Ele e chamam, por eles mesmos, para a “unidade católica”(LG 8). (Cat. n. 819)


Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br Twitter: @pfelipeaquino