A Igreja Católica e o Marxismo

Desde 1846 a Igreja vem condenando o marxismo ateu em sua evolução; embora pareça abrandar ultimamente sua sanha anti-religiosa, é sempre ateu e materialista. Semelhante evolução se dá com o socialismo.

Houve – e ainda há – católicos que pretendem conciliar entre si marxismo e Cristianismo. Na verdade, a conciliação é impossível, como tem proclamado a Igreja desde 1846. Quanto à palavra “socialismo”, ela encobre um leque de concepções, das quais algumas pretendem compatibilizar-se com a fé. Percorreremos, a seguir, o histórico da condensação do marxismo e das ideologias derivadas.

1. Não ao marxismo

Já em 1846, antes que se publicassem o Manifesto do Partido Co­munista de Marx a Engels (1848), o Papa Pio IX falava da “execrável doutrina dita do comunismo”. Referia-se assim Pio IX à doutrina que sur­gia no seio do socialismo nascente e que proclamava a revolução do pro­letariado. Em 1849 o mesmo Papa chamava a atenção dos fiéis para o perigo de “conspirar com os sistemas perversos do socialismo e do comunismo”.

Em 1891 o Papa Leão XIII publicou a encíclica Rerum Novarum, em que mencionava o socialismo como sendo “um corpo de doutrinas amplamente inspiradas pelo pensamento marxista”.

o_que_e_doutrina_social_da_igrejaQuarenta anos mais tarde, Pio XI, na Encíclica Quadragésimo Anno, distinguia nitidamente socialismo e marxismo – distinção esta que Leão XII não observara. A razão da diferenciação está no fato de que entre 1891 e 1931 haviam ocorrido duas revoluções: a russa e a mexicana. A primeira havia revolvido o mapa da política de modo notável: Lenine ocasionou a transferência do centro marxista de Berlim para Moscou; em lugar do Partido Social-Democrata alemão proclamou o comunismo marxista; ergueu assim a internacional III em lugar da Internacional II, que ficaria com os Partidos Socialistas e se comprometera com o nacionalismo guerreiro de 1914.

Todavia Pio XI observava que marxismo e socialismo partem de uma fonte comum, embora o comunismo reivindicasse para si a ortodoxia do marxismo. O Papa falava da “índole ímpia e injusta do comunismo” e ao mesmo templo declarava que “socialismo religioso, socialismo cristão são expressões contraditórias; ninguém pode ser simultaneamente católico e autêntico socialista”.

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Será que eu sou marxista?

Em 1937 a guerra civil na Espanha levou Pio XI a escrever a encíclica “Divini Redemptoris” (19/03/37), na qual se lê:

“A doutrina que o comunismo esconde sob aparências perfeitas e sedutoras, tem por fundamento os princípios do materialismo histórico e dialético já propostos por Marx e pelos mestres do bolchevismo, que pre­tendem possuir a única interpretação do marxismo autêntica. Eis o novo Evangelho que o comunismo bolchevista e ateu quer anunciar ao mundo como mensagem de salvação e de redenção. Sistema cheio de erros e de sofismas, oposto tanto à razão quanto à revelação divina; doutrina subver­siva da ordem social porque destrói os fundamentos mesmos dessa or­dem… Pela primeira vez na história assistimos a uma luta friamente dese­jada e sabiamente preparada do homem contra tudo o que é divino. Vigiai, veneráveis irmãos, para que os fiéis não se deixem iludir. O comunismo é intrinsecamente perverso e não se pode admitir de maneira alguma a co­laboração com ele da parte de quem queira salvar a civilização cristã”.

Como se vê, a denúncia é mais explícita e enfática.

Por ocasião do Natal de 1942 Pio XII reiterou a condenação de todo socialismo – comunista ou não – visto que se inspira no marxismo.

Anos depois, o Papa verificou que o marxismo fora implantado em vários países, inclusive em alguns de venerável tradição cristã, atraindo muitos intelectuais. No Natal de 1955 removeu mais uma vez toda possibilidade de compromisso com o marxismo:

“Rejeitamos o comunismo como sistema social inspirado pela fé cristã, devemos afirmar os fundamentos do direito natural. Pelas mes­mas razões rejeitamos a opinião segundo a qual o cristão deveria consi­derar atualmente o comunismo como um fenômeno ou uma etapa no cur­so de história, como um momento necessário da evolução da história e, por conseguinte, devemos aceitá-lo como algo decretado pela Divina Pro­vidência”.

Paulo VI reforçou esses dizeres apontando a “Igreja do Silêncio”:

“Em certo sentido, não somos nós apenas que condenamos os sistemas marxistas, mas são, antes do mais, eles mesmos que se condenam, apresentando regimes que se opõem a nós por suas idéias e nos oprimem por seus atos. Nossa queixa é, antes, um gemido mais do que uma sentença de juízes” (Ene. “Ecclesiam Suam” 105).

João XXIII levantou a hipótese de se efetuarem encontros no plano das realizações práticas, encontros que até 1963 foram tidos como ino­portunos, tendo por interlocutores a Igreja e certos movimentos de ordem econômica, social, cultural ou política, mesmo que tais movimentos te­nham em suas origens a inspiração de falsos sistemas filosóficos (ver encíclica “Pacem in Terris” 159-160). Para que o diálogo assim proposto pudesse tornar-se realidade, os mencionados movimentos deveriam ter passado por uma evolução que os afastasse das suas origens e os pu­sesse de acordo com as justas operações da pessoa humana. Por sua parte, os católicos deveriam permanecer fiéis aos princípios do direito natural e às diretrizes das autoridades eclesiásticas. Tais considerações não podiam ter em vista o marxismo como tal, mas um socialismo distan­ciado das suas origens ateias militantes. Com efeito, no ano de 1959 por ocasião do seu Congresso em Bad-Godesberg o Partido Social Democrá­tico alemão renegou formalmente qualquer referência a Karl Marx. É pro­vavelmente a tal movimento que se referia João XXIII em “Pacem in Terris” 159.

Paulo VI contribuiu para o reto entendimento das palavras de João XXIII ao escrever:

“Segundo os continentes e as culturas, o socialismo toma formas diferentes, dando significados diversos ao mesmo vocábulo… Impõe-se atento discernimento. Muitas vezes os cristãos, atraídos pelo socialismo, tendem a idealizá-lo em termos muito generosos como arauto de justiça, solidariedade e igualdade. Não querem reconhecer as marcas dos movi­mentos históricos socialistas que permanecem condicionados pela ideolo­gia de suas origens. Entre os diversos níveis de expressão do socialismo, será preciso fazer distinções que orientarão as opções concretas. Mesmo feitas essas distinções, é necessário não julgar que os diversos níveis do socialismo são completamente separados e independentes uns dos ou­tros… Essa perspicácia permitirá aos cristãos avaliar até que ponto lhes é lícito comprometer-se com tais movimentos, salvaguardados os valores da liberdade, da responsabilidade e da abertura para o plano espiritual, valores que garantem o desabrochamento integral da pessoa humana” (ene. “Octogésima Adveniens” 31).

João Paulo II opôs-se ao uso do marxismo na construção da Teologia da Libertação, muito em voga na América Latina. Em 1991, após a queda do comunismo na Europa, escrevia esse Papa:

“Num passado recente o sincero desejo de estar do lado dos oprimi­dos e de não ficarem alheios ao curso da história levou muitos fiéis a procurarem diversas maneiras de encontrar a possibilidade de um compromisso entre o marxismo e o Cristianismo. O momento presente põe em evidência o que havia de caduco nessas tentativas e incita a reafirmar o caráter posi­tivo de uma autêntica Teologia da Libertação integral do homem. Conside­rados nesta perspectiva, os acontecimentos de 1989 se mostram impor­tantes para os países do Terceiro Mundo, que trilham os caminhos do seu desenvolvimento (ene. “Centesimus Annus” 26).

A rejeição do marxismo por parte dos Papas não procede de um espírito sectário, nem sobre uma visão unilateral do mundo, pois os Papas condenaram também o liberalismo, que, conforme Paulo VI, “é uma afirmação errônea da autonomia do homem” (ene. “Octogésima Adve-niens”35).

João Paulo II observa que o marxismo e sua expansão foram de certo modo, preparados pelas correntes filosóficas racionalistas e ateias dos séculos XVIII e XIX.

teologia_da_libertacao“O ateísmo de que falamos está estritamente ligado ao racionalismo da Filosofia das Luzes (racionalismo do século XVIII), que concebe a realidade humana e social de maneira mecanicista: negam assim a intuição última da verdadeira grandeza do homem e sua transcendência frente ao mundo material; negam a contradição que ele experimenta em seu coração entre o desejo da plenitude de bem e sua incapacidade de obtê-la e, principalmente, a necessidade de salvação que decorre dessa experiência” (ene. “Centesimus Annus” 13).

O conceito de ser humano proclamado pelo racionalismo liberal é descrito por Pio XI em sua Mensagem de Natal (1949) nos seguintes termos:

“A noção de criatura que tem origem e destino em Deus foi substitu­ída pelo falso retrato do homem autônomo em sua consciência, incontrolável legislador dessa consciência, irresponsável frente aos seus semelhantes e a sociedade, sem outro destino fora dos valores deste mun­do, sem outra finalidade senão a de gozar dos bens finitos, sem outra lei que não a dos fatos consumados e a satisfação indisciplinada dos própri­os desejos”

Infeliz caricatura do ser humano, que Deus fez para o Bem Infinito e que só repousa quando se volta para Ele!

D. Estêvão Bettencourt
Revista Pergunte e Responderemos. N.555. 2008.


Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br Twitter: @pfelipeaquino