Quais os problemas que geraram a Inquisição?

Não é fácil, mas todos precisamos entender o que foi e porquê aconteceu a Inquisição, para que possamos explicar as pessoas essa história que não é contada nas escolas…

Os pecados dos filhos da Igreja nos séculos IX a XIII, foram um “meio de cultura” para o crescimento da fortíssima heresia dos cátaros, que acabou dando início à Inquisição. Isso os ajudou a fazer muitos adeptos entre o povo e o clero, como também aconteceu com o protestantismo cerca de três séculos depois. Uma heresia nunca surge sem motivo.

A história universal e a da Igreja mostram que os grandes erros foram precedidos por outros, assim como foi o comunismo, o nazismo, e também com a grande heresia cátara.

Sabemos que a Igreja sofreu muito por causa dos maus exemplos de muitos dos seus filhos (luxo,corrupção, simonia, investidura leiga, vida devassa de alguns clérigos, nicolaísmo (padres vivendo no concubinato); isso deu alimento aos hereges. O poder temporal da Igreja com o advento do Estado Pontifício a partir do século VIII, bem como a difícil situação do feudalismo, prejudicou muito a vida e a conduta do clero. Ainda hoje os maus exemplos continuam sendo o pior inimigo da fé católica.

Os grandes papas, bispos e monges reformadores, sentiram o risco que a Igreja corria; entre eles o Papa Gregório VII (1073-1085), São Bernardo, São Francisco de Assis, São Domingos de Gusmão, que com uma firme decisão trabalharam para a salvação da Igreja, sem sair do seu coração, e sem deixarem de lhes ser fiel apesar dos pecados dos seus filhos.

No entanto, outros espíritos fracos e exaltados, até mesmo com fama de santidade, rejeitaram a disciplina e a obediência à Igreja, e quiseram reformá-la sem o devido respeito, caindo nas heresias. Esses não souberam separar a Igreja, santa, de seus filhos pecadores, e acabaram rejeitando-a, com outros erros.

Por causa do mau comportamento e luxo por parte do clero, uma intensa onda de contestação surgiu dentro e fora da Igreja; tanto assim que os melhores papas e santos buscaram fazer a “reforma” que a Igreja precisava. Cristo prometeu que o Espírito Santo ensinaria à Igreja toda a verdade (cf. Jo 16,13), isto é, ela é infalível quando ensina a “sã doutrina” (cf. Tt 1,9; 2,1; 1Tm 1,10); mas não prometeu à Igreja impecabilidade para seus filhos, nem mesmo para o Papa. Infalibilidade não quer dizer impecabilidade. E a Igreja sentiu o peso da fraqueza humana de seus filhos nos difíceis séculos.

A riqueza e o poder da Igreja e de muitos leigos nos séculos XII e XIII eram motivos para que os hereges a acusassem, o que despertou em almas santas, como São Francisco, São Domingos, Joaquim de Fiori, Norberto de Xanten, Roberto de Arbissel e muitos outros, o desejo de viver mais plenamente a pobreza evangélica e a pregação ambulante.

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História da Igreja: A Inquisição (Parte 1)

História da Igreja: A Inquisição (Parte 2)

A origem da Inquisição

Por outro lado, a Igreja, tendo o imenso Estado Pontifício reconhecido por Carlos Magno (†814), com cerca de 40.000 km2, cobrava taxas e impostos pesados nas suas cidades. Tudo isso deu margem ao aparecimento de muitos pregadores itinerantes, espalhando ideias revolucionárias contra a Igreja, contra o Papa, contra os dogmas, contra a hierarquia e contra os sacramentos. Foi um movimento herético que atingiu clérigos e leigos e teve apoio de nobres e de governantes. Foram os gnósticos cátaros que se espalharam por quase toda a Europa. Chegaram a constituir uma “anti-igreja” que ameaçava a Igreja verdadeira.

O concílio regional de Trosly disse com toda razão: “Os maus padres, que apodrecem na esterqueira da luxúria, contaminam com a sua conduta todos aqueles que são castos, pois os fiéis sentem-se inclinados a dizer: ‘são assim os padres da Igreja!’” (Rops, Vol. II, p. 553).

Nos séculos X e XI houve papas despreparados, impostos pelos nobres ou pelos imperadores. De 896 a 960 o papado esteve nas mãos dos Teofilactos, rica e ambiciosa família toscana. Depois disso o trono de São Pedro passou a ser disputado entre a nobreza romana e o imperador germânico. Diz Daniel Rops que “reapareceram os conflitos sangrentos, em que papas sobre papas desaparecem misteriosamente, e que surgem antipapas – a certa altura a Igreja chegou a ter três papas eleitos ao mesmo tempo” (Roma, Pisa e Avinhão) e as famílias poderosas digladiavam-se para fazer o papa. O último papa dessa série foi “Bento IX (1033-1045), que, sagrado aos doze anos e já cheio de vícios, acumulou tantos escândalos que o povo romano acabou por revoltar-se contra ele e o pôs a correr” (Rops, Vol. II, p. 545). Se a Igreja não fosse divina teria naufragado.

Os historiadores cristãos são unânimes em afirmar que a maior prova de que a Igreja Católica é divina, é o fato de não ter sucumbido nesta época, mais do que no período da perseguição romana. A Barca de Pedro estava à deriva; não fosse a Promessa do Senhor – as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela (Mt 16,18) – teria sucumbido.

É claro que uma situação assim abre as portas para todo tipo de revoltas contra a Igreja. Foi num quadro deste que surgiu a pior heresia como uma reação contra a Igreja e o clero decadente. O fato mais grave se deu em Orleans, na França, em 1022, na qual a heresia cátara maniqueísta se organizou em seita; padres, cônegos, professores e até o confessor da rainha lhe deram a sua adesão. Passou-se então a ensinar uma fé que continha uma rebelião contra a Igreja estabelecida, com a recusa dos dogmas e dos mistérios cristãos, especialmente a negação da Encarnação, da Paixão, da Ressurreição, abandono do culto, da hierarquia, das imagens. Foi uma subversão contra a ordem e a doutrina estabelecidas há séculos.

Naturalmente isso provocou uma forte reação dos imperadores cristãos e da Igreja. Mas é importante dizer que os grandes homens e mulheres da Igreja souberam reconduzi-la aos poucos ao bom caminho. Houve grandes homens e mulheres que levantaram a Igreja. Nunca faltaram monges, bispos e papas santos que a restauraram.

Foi exatamente nesses tempos difíceis de Inocêncio III (1198-1216), onde a heresia cátara se espalhou violentamente no sul da França, e que surgiram os gigantes São Francisco de Assis, São Domingos de Gusmão, Santo Antônio, e tanto outros santos.

Infelizmente muitos de fé imatura não conseguem separar a “Pessoa” Santa da Igreja, das “pessoas” pecadoras, que também pertencem à Igreja, e acabam rejeitando a santa Mãe. É como aquela estória de alguém que encontra uma criança em uma água suja dentro de uma bacia e, querendo se livrar da água suja acaba jogando fora a água com a criança! Isso aconteceu muito na história da Igreja.

Lutero revoltou-se contra a Igreja também por causa dos pecados dos seus filhos; e o mesmo se deu com muitos outros. Ao contrário, por exemplo, de uma Santa Catarina de Sena (1347-1380), que nunca deixou de se submeter à Igreja e ao Papa, mas soube dizer ao Papa Gregório XI (1370-1378), em Avinhão, na França que voltasse a Roma, porque “sentia o cheiro fétido do inferno em sua corte”.

Por isso João Paulo II afirmou um dia: “A Igreja não precisa de reformadores, mas de santos”; eles foram os verdadeiros reformadores da Igreja, sem a desprezar. Os outros a apedrejaram. O Papa Bento XVI em um artigo contra a Teologia da Libertação [marxista], deixou claro que toda heresia traz dentro de si um “núcleo de verdade”, envolvida por uma camada espessa de mentira, e quanto mais forte é este “núcleo de verdade”, tanto mais difícil será vencê-la.

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No caso da Teologia da Libertação, este núcleo de verdade é a importância de defender o pobre e o oprimido, mas a espessa camada de mentira é realizar essa obra por meio do marxismo ateu, da luta de classes, da violência, do maquiavelismo e do ódio entre os irmãos de classes diferentes. É o desprezo da vida espiritual em face da luta social. Os meios não justificam os fins e a moral católica não admite que se faça o bem por meios maus.

As pessoas que não possuem uma formação religiosa adequada, ou que se acham mais “doutas” que o Sagrado Magistério da Igreja acabam “encantados” com o “núcleo de verdade” das heresias – e que se torna o seu motor propulsor – e não veem a mentira e a falsidade que a envolve. Desta forma agem segundo o perigoso princípio de que “os fins justificam os meios”, o que a Igreja sempre condenou. No fundo é o pecado do orgulho espiritual que se sobrepõe à Igreja.

Para compreender melhor este assunto sugerimos a leitura:

De maneira simples e objetiva: Você sabe o que foi a Inquisição?

Um estudo mais aprofundado: Para Entender a Inquisição

Retirado do livro: “Você sabe o que foi a Inquisição?”. Prof. Felipe Aquino. Ed. Cléofas.


Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br Twitter: @pfelipeaquino