A identidade e a missão da Universidade Católica

O papa São João Paulo II afirmava que a Universidade católica tem em vista os “grandes problemas da sociedade”, estando em causa o “significado da investigação científica e da tecnologia, da convivência social, da cultura. Porém, mais profundamente ainda, está em causa o próprio significado do homem” (Alocução ao Congresso Internacional sobre as Universidades Católicas, no. 3).

Características da Escola superior católica

A Universidade católica deve-se deixar guiar por suas características identificadoras que são as que se seguem, conforme alguns pontos do documento sobre as universidades católicas, Ex Corde Ecclesiae, do papa São João Paulo II.

Conforme o documento, na Universidade católica,

1. a inspiração cristã deve orientar as pessoas e toda a comunidade universitária;

2. a reflexão sobre o conhecimento humano será iluminada pela fé católica;

3. estará presente a fidelidade ao pensamento cristão, conforme a Igreja o apresenta;

4. haverá a contribuição institucional à comunidade eclesial e à humanidade no caminho ‘rumo ao objetivo transcendente que dá significado à vida”;

5. a investigação deve objetivar a integração do conhecimento, o diálogo entre a fé e a razão, uma preocupação ética e uma perspectiva teológica;

6. os princípios, as atitudes e os ideais católicos são impregnadores e modeladores das “atividades universitárias de acordo com a natureza e a autonomia próprias de tais atividades”;

7. a teologia e a filosofia guiam os “estudiosos universitários” para a determinação da “relativa posição e o significado de cada uma das diversas disciplinas no quadro de um visão da pessoa humana e do mundo iluminada pelo Evangelho e, portanto, pela fé em Cristo, Logos, como centro da criação da história humana”;

8. o empenho da Universidade católica, na causa da verdade, é a sua forma de serviço “à dignidade do homem e à causa da Igreja”, distinguindo-se por “sua livre investigação de toda a verdade acerca da natureza, do homem e de Deus” (I, nos. 8, 13, 15, 14, 16, 4, 27);

9. a Universidade católica tem a obrigação de ser instrumento cada vez mais eficiente do progresso cultural, contribuindo para o estudo e solução dos graves problemas contemporâneos, “reservando especial atenção às suas dimensões éticas e religiosas” e deverá “ter a coragem de proclamar verdades incômodas, verdades que não lisonjeiam a opinião pública, mas que, no entanto são necessárias para salvaguardar o autêntico bem da sociedade”; ela contribuirá para “o diálogo ecumênico” e o “diálogo inter-religioso”.

10. A Universidade católica tem o dever de promover o diálogo entre “o pensamento cristão e as ciências modernas”, o que exige “pessoas particularmente preparadas em cada uma das disciplinas, que sejam dotadas também de adequada formação teológica e capazes de enfrentar as questões epistemológicas no plano das relações entre a fé e a razão”;

11. “o pesquisador cristão deve mostrar como a inteligência humana se enriquece da verdade superior, que deriva do Evangelho”, sendo que, segundo a sua especificidade, a Universidade católica, conforme o papa Paulo VI, “contribui para manifestar a superioridade do espírito, que nunca pode, sem o risco de perder-se, consentir em por-se a serviço de outra coisa que não seja a procura da verdade.” (I, nos. 29, 32, 47, 46);

12. os alunos das universidades e faculdades católicas descubram que “a fé e a razão colaboram para uma só verdade” e “se formem de fato como homens de grande saber, preparados para enfrentarem tarefas de maior responsabilidade na sociedade e para serem no mundo testemunhas da fé.” (Gravissimum Educationis, no. 10);

13. a Universidade católica “goza de autonomia institucional que é necessária para cumprir suas funções com eficácia, e garante aos seus membros a liberdade acadêmica na salvaguarda do indivíduo e da comunidade no âmbito das exigências da verdade e do bem comum.” (I, no. 12);

14. “Os Bispos têm a responsabilidade particular de promover as Universidades Católicas e, especialmente, de segui-las e assisti-las na sustentação e na consolidação da sua identidade católica também no confronto com as autoridades civis. Isto será obtido mais adequadamente, criando e mantendo relações estreitas, pessoais e pastorais, entre a Universidade e as Autoridades eclesiásticas, relações caracterizadas por confiança recíproca, colaboração e leal diálogo contínuo.

Embora não entrem diretamente no governo interno da Universidade, os Bispos “não devem ser considerados agentes externos, mas participantes da vida da Universidade Católica. (I, no. 28).

O Código de Direito Canônico prescreve que “Cabe à autoridade competente, de acordo com os estatutos, o dever de providenciar que nas universidades católicas sejam nomeados professores que sobressaiam, não só pela idoneidade científica e pedagógica, como também pela integridade da doutrina e probidade da vida, de modo que, faltando-lhe esses requisitos, sejam afastados do cargo, observando-se o modo de proceder determinado nos estatutos. As Conferências dos Bispos e os Bispos diocesanos interessados têm o dever e o direito de supervisionar para que nessas universidades se observem fielmente os princípios da doutrina católica.” (Cânon 810, pars. 1-2).

A Sagrada Congregação para a Educação Católica, por sua vez, afirma “que a natureza da revelação judeu-cristã é absolutamente incompatível com qualquer relativismo epistemológico, moral ou metafísico, com qualquer materialismo, panteísmo, imanentismo, subjetivismo ou ateísmo”. (O Ensino da Filosofia nos Seminários, p. 12).

É essencial à identidade institucional da Universidade católica o seu vínculo com a Igreja, originando desta relação a sua fidelidade à “mensagem cristã, o reconhecimento e a adesão à autoridade magisterial da Igreja em matéria de fé e moral”.

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15. Os membros católicos da comunidade universitária são convocados à “fidelidade pessoal à Igreja, com tudo quanto isto comporta” e dos “membros não católicos, enfim, espera-se o respeito do caráter católico da instituição na qual prestam serviço, enquanto a Universidade, por seu lado, respeitará a sua liberdade religiosa.” A Igreja, porque aceita “a legítima autonomia da cultura humana e especialmente das ciências, reconhece a liberdade acadêmica de cada um dos estudiosos na disciplina da sua competência, de acordo com os princípios e os métodos da ciência, a que ela se refere, segundo as exigências da verdade e do bem comum.” (Ex Corde Ecclesiae, I, nos. 4, 27, 29).

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, no documento Diretrizes e normas para as Universidades Católicas segundo a Constituição apostólica “Ex Corde Ecclesiae” (Universidades Católicas), expressa que a Universidade católica constitui uma comunidade acadêmica que, com a inspiração na pessoa e na mensagem de Jesus Cristo e na fidelidade à Igreja, desenvolve refletida, sistemática e criticamente, o ensino, a pesquisa e a extensão e se consagra à evangelização e à formação integral de seus membros – alunos, professores e funcionários – bem como ao serviço qualificado do povo contribuindo para o aumento da cultura, a afirmação ética da solidariedade, a promoção da dignidade transcendente da pessoa humana e ajudando a Igreja em seu anúncio e serviço ao Reino de Deus. (Art. 4. Ex Corde Ecclesiae, I, nos. 5,12, 14, 15, 22-24, 30-32, 43, 48-49).

O documento da CNBB afirma que a Universidade católica tem como missão o serviço à humanidade e à Igreja e, para isto,

1. garanta, perene e institucionalmente, a mensagem de Cristo no universo científico e cultural, desenvolvendo o diálogo entre a razão e a fé, entre o Evangelho e a cultura;

2. contribua, conforme a própria identidade, para a solução dos graves problemas contemporâneos;

3. dedique-se, sem limites, à luz da inteligência e da Revelação, à investigação do universo e da sua relação essencial com Deus, verdade Suprema;

4. contribua para o aprofundamento do conhecimento e valor da pessoa humana;

5. esteja a serviço e ensino da verdade, fundamento da liberdade, justiça e dignidade humana;

6. crie condições para o diálogo ecumênico e inter-religioso. (Art. 5º.) As mesmas Diretrizes afirmam, ainda, que as universidades católicas devem;

7. distinguir-se pela excelência organizacional e pelo ensino, pesquisa e extensão, pela qualificação humana, profissional, acadêmica e religiosa da direção, professores e de outros cooperadores;

8. desenvolver um ambiente de amor fraterno e solidariedade, de mútuo respeito e de diálogo;

9. na sua organização e nas suas normas, garantir os meios para “expressão, preservação e promoção da identidade católica” (Art. 23.);

10. explicitar a identidade e os seus princípios essenciais em seus estatutos e que eles sejam publicados na comunidade universitária;

11. estudar a ética cristã em todas as áreas do ensino, em particular na profissional;

12. apresentar a Doutrina social da Igreja e tê-la como o referencial cristão, com os seus valores, para a análise da sociedade e da cultura modernas;

13. ter a Teologia presente, promovendo o diálogo entre fé e razão, e que haja, na Universidade, uma faculdade ou instituto de Teologia, ou, minimamente, disciplinas teológicas”. (CDC, cânon 811, pars. 1-2);

14. contratar os professores de disciplina teológica e afins com “titulação e qualificação acadêmicas equivalentes às exigidas dos demais professores da Universidade” e que “tenham o mandato do Bispo da diocese na qual está a sede jurídica da Universidade.” (Art. 37, CDC, cânon 812);

15. procurar caminhos para o acesso à educação superior dos menos favorecidos e promover a extensão universitária;

16. respeitar a liberdade de consciência e de religião dos membros da comunidade universitária;

17. exigir deles, entretanto, “que igualmente reconheçam e respeitem o caráter católico da Universidade, abstendo-se nela de qualquer atividade ou atitude, em oposição à doutrina, à moral e às diretrizes da Igreja” e que seja “o pessoal adequado e em sua maioria católico, capaz de garantir e promover a identidade da instituição.” (Art. 29, 30; Ex Corde Ecclesiae, II, art. 4, par. 4).

O documento da Congregação para a Educação Católica, Decreto de Reforma dos Estudos Eclesiásticos, afirma que, “Para chegar ao conhecimento rigoroso e coerente do homem, do mundo e de Deus, tal dimensão exige que o ensino da filosofia seja baseado no “patrimônio filosófico perenemente válido, que se desenvolve através da história e, ao mesmo tempo, seja aberto para acolher os contributos que as investigações filosóficas forneceram e continuam a fornecer. Entre aquelas verdades fundamentais, algumas possuem um caráter central e, particularmente atual: a capacidade de alcançar uma verdade objetiva e universal e um válido conhecimento metafísico; a unidade corpo-alma no homem; a dignidade da pessoa humana; as relações entre a natureza e a liberdade; a importância da lei natural e das “fontes da moralidade”, em especial do ato moral; a necessária conformidade da lei civil e da lei moral.” (no. 11; CDC, cânon 251).

O papa Francisco, referindo-se à educação e aos educadores católicos, declara:

1. Valor do diálogo na educação: (…) “Com efeito, as escolas e as Universidades católicas são frequentadas por numerosos estudantes não cristãos, ou até não crentes. Os institutos de educação católicos oferecem a todos uma proposta educacional que visa o desenvolvimento integral da pessoa e que corresponde ao direito de todos, de aceder ao saber e ao conhecimento. Mas igualmente são chamados a oferecer a todos – no pleno respeito pela liberdade de cada um e dos métodos próprios do ambiente escolar – a proposta cristã, ou seja, Jesus Cristo como sentido da vida, do cosmos e da História.” (…)

2. Preparação qualificada dos formadores: “Nas escolas católicas, o educador deve ser antes de tudo muito competente, qualificado e, ao mesmo tempo, rico de humanidade, capaz de permanecer no meio dos jovens com um estilo pedagógico, para promover o seu crescimento humano e espiritual. Os jovens têm necessidade de qualidade de ensino e igualmente de valores, não apenas enunciados, mas testemunhados. A coerência é um fator indispensável na educação dos jovens. Coerência! Não se pode fazer crescer, não se pode educar, sem coerência: coerência e testemunho. (…) Portanto, é preciso investir a fim de que professores e dirigentes possam manter alto o seu profissionalismo e também a sua fé e a força das suas motivações espirituais. E, ainda nesta formação permanente, tomo a liberdade de sugerir a necessidade de retiros e de Exercícios espirituais para os educadores. É preciso promover cursos sobre esta temática, mas também é necessário fazer cursos de Exercícios espirituais e retiros para rezar, pois a coerência é um esforço, mas principalmente uma dádiva e uma graça. E devemos pedi-la! (…).”

3. O areópago das culturas atuais: “O cinquentenário da Declaração conciliar, no 25º. Aniversário da Ex Corde Ecclesiae e a atualização da Sapientia christiana impelem-nos a meditar seriamente sobre as numerosas instituições de formação espalhadas pelo mundo inteiro e sobre a sua responsabilidade de manifestar uma presença viva do Evangelho nos campos da educação, da ciência e da cultura. É necessário que as instituições acadêmicas católicas não se isolem do mundo, mas saibam entrar intrepidamente no areópago das culturas contemporâneas e estabelecer um diálogo, conscientes do dom que podem oferecer a todos.” (Discurso na Plenária da Congregação para a Educação Católica, 13/2/2014). O papa Francisco, aos membros do Parlamento europeu de Estrasburgo, afirma que Ao lado da família, temos as instituições educativas: escolas e universidades. A educação não se pode limitar a fornecer um conjunto de conhecimentos técnicos, mas deve favorecer o processo mais complexo do crescimento da pessoa humana na sua totalidade. Os jovens de hoje pedem para ter uma formação adequada e completa, a fim de olharem o futuro com esperança e não com desilusão. (Discurso ao Parlamento europeu, 25/11/2015).

O Documento de Aparecida afirma que 1. “A Escola católica é chamada a uma profunda renovação. Devemos resgatar a identidade católica de nossos centros educativos por meio de um impulso missionário corajoso e audaz, de modo que chegue a ser uma opção profética plasmada em uma pastoral participativa. Tais projetos devem promover a formação integral da pessoa, tendo seu fundamento em Cristo, com identidade eclesial e cultural, e com excelência acadêmica. Além disso, há de gerar solidariedade e caridade para com os mais pobres. O acompanhamento dos processos educativos, a participação dos pais de família neles e a formação de docentes, são tarefas prioritárias da pastoral educativa. (no. 337) 2. “As atividades fundamentais de uma universidade católica deverão vincular-se e harmonizar-se com a missão evangelizadora da Igreja. Elas se realizam através de uma pesquisa realizada à luz da mensagem cristã, que colocam os novos descobrimentos humanos a serviço das pessoas e da sociedade”; 3. As universidades católicas possuem “responsabilidades evangélicas” que são, entre outras, “o diálogo entre fé e razão, fé e cultura, e a formação de professores, alunos e pessoal administrativo através da Doutrina Social e Moral da Igreja, para que sejam capazes de compromisso solidário com a dignidade humana, de serem solidários com a comunidade e de mostrarem profeticamente a novidade que representa o cristianismo na vida das sociedades latino-americanas e caribenhas. Para isso, é indispensável que se cuide do perfil humano, acadêmico e cristão dos que são os principais responsáveis pela pesquisa e docência.” (no. 342) 4.

“É necessária uma pastoral universitária que acompanha a vida e o caminhar de todos os membros da comunidade universitária, promovendo um encontro pessoal e comprometido com Jesus Cristo e múltiplas iniciativas solidárias e missionárias. Também se deve procurar uma presença próxima e dialogante com membros de outras universidades públicas e centros de estudo.” (no. 343).

O Código de Direito Canônico estabelece que “O Bispo Diocesano tenha grande cuidado pastoral com os estudantes, até mesmo criando uma paróquia, ou pelo menos mediante sacerdotes estavelmente indicados para isso; providencie que junto às universidades, mesmo não-católicas, haja centros universitários católicos que sejam de ajuda, sobretudo espiritual, à juventude.” (Cânon 813). O Código estabelece, ainda, que “As prescrições estabelecidas para as universidades aplicam-se, com igual razão, aos demais institutos de estudos superiores.”(Cânon 814).

O Departamento de Cultura e Educação do Conselho Episcopal Latino-americano apresenta um texto, cujo título é Ide e ensinai… A identidade e missão da escola católica diante dos desafios atuais à luz do Documento de Aparecida. A publicação é coordenada pelo Secretário Geral da Conferência Episcopal colombiana, dom Juan Vicente Córdoba Villota, bispo auxiliar de Bucaramanga. Dom Juan Córdoba declara que “O livro tem o objetivo de promover nos centros educacionais católicos autênticos discípulos missionários para reforçar e manter a identidade e a missão da escola católica”.

Observa-se que os documentos, que expressam a identidade e a missão da Universidade católica, têm, como pressuposto antropológico, a concepção do ser humano como pessoa. O conceito de pessoa, fundamentado na fé e na razão, exprime, necessariamente, uma concepção integral, includente e dialógica da criatura humana. A compreensão do ser humano como pessoa, entre outras referências, é essencial para a compreensão e a missão das universidades católicas e pode constituir, também, um ponto comum e orientador do diálogo interdisciplinar, dos projetos acadêmicos e administrativos da comunidade educacional.

Sinais de corrupção da identidade da Escola superior católica

Dado o que identifica, essencialmente, a Escola católica de nível superior, tendo-se em vista o bem para as pessoas vinculadas à escola e para a sociedade, deve-se observar alguns sinais, entre outros, que indicam a corrupção da Universidade, para se prevenir ou para se restaurar a identidade da instituição.

1. Pessoas, não qualificadas conforme a identidade e a missão da instituição, presentes em funções magisteriais, de coordenação, direção e administrativas. Estas pessoas, de forma mais ou menos consciente e, por vezes, verdadeiros militantes, transformam a natureza das instituições católicas de ensino em instrumentos adversos à fé e à moral da Igreja. Por outro lado, ao contratado e aos alunos e alunas não se expõem qual é a missão e a identidade da Escola e o compromisso que elas incidem sobre as pessoas vinculadas à instituição.

2. Ideologias infiltradas nas aulas, reuniões, nos eventos, nos diversos ambientes da escola por agentes travestidos de educadores que são, na verdade, manipuladores de consciências a serviço de uma causa. São pessoas, por vezes, também já instrumentalizadas e conduzidas por uma mentalidade processada no ambiente de que procedem. Propagação da ditadura do relativismo, na expressão do papa Bento XVI. Relativismos, no plural, como o gnosiológico, o ético, o religioso com repercussões, especialmente, na consciência dos valores da pessoa humana e da pessoa como valor quanto à sua constituição, dignidade, origem e fim último. Manifestam-se a dissociação e o conflito entre “verdade” e “liberdade”. O papa São João Paulo II afirma que, “Uma vez que se privou o homem da verdade, é pura ilusão pretender torná-lo livre. Verdade e liberdade, com efeito, ou caminham juntas, ou juntas miseravelmente perecem.” (Fides et ratio, 91). A confusão sobre a identidade do ser humano reflete-se, inevitavelmente, nas concepções dos direitos e deveres humanos. O que é “humano” para ser direito e dever? E os direitos de Deus? O papa Francisco, ao membros do Conselho da Europa, declara que Além disso, é preciso ter presente que, sem esta busca da verdade, cada um torna-se a medida de si mesmo e do seu próprio agir, abrindo a estrada à afirmação subjetivista dos direitos, de tal modo que o conceito de direito humano, que de per si tem valência universal, é substituído pela ideia de direito individualista.(Discurso ao Conselho da Europa, 25/11/2014).

3. Planos, projetos, ementas, referências e eventos conflitam com o projeto educativo da Intituição católica de ensino. As disciplinas e a prática educativa se opõem à identidade dos respectivos cursos se eles, nos seus objetivos, conteúdos e métodos, são coerentes com a identidade da instituição que, por sua vez, corresponde ao que a Igreja convoca quanto à educação integral da pessoa humana. A educação integral compreende a síntese dinâmica entre a fé e a razão. Esta síntese conduz à reflexão sobre fé e cultura que abrange, entre outros temas, fé e política, fé e ciência, fé e técnica, fé e arte. Não basta, entretanto, observar somente o que está expresso em planos e projetos. A experiência existencial humana cotidiana é que revela, mais profunda e extensamente, a realidade da instituição.

4. Presença de pseudofilosofias e as filo ideologias, disfarçadas de filosofia, reducionismos deformadores de toda ordem como o imanentismo, o gnosticismo, o fideísmo, o individualismo, o coletivismo, o tecnicismo, o cientificismo, incluindo o positivismo, o culturalismo, o psicologismo, o historicismo, o sociologismo, o economicismo. O papa Francisco declara que o gnosticismo é “uma fé fechada no subjetivismo (…), que enclausura a pessoa na imanência da sua própria razão ou dos seus sentimentos, e o neo pelagianismo autorreferencial e prometeico de quem, no fundo, só confia nas próprias forças” de diferentes tipos. (Evangelii Gaudium, 94). Confundem-se autonomia com soberania, secularização com secularismo, pluralidade com pluralismo. Não se conhece a diferença entre inovar por aprofundamento e por substituição, o que pode levar a tragédias pessoais e sociais.

5. Há agravantes quando a corrupção da identidade da escola superior católica chega aos cursos de filosofia e teologia. A desconsideração e, inclusive, a constestação das orientações e normas da Igreja, com fundamentos na razão e na fé, comprometem a qualidade da formação do futuro clero e dos discentes não seminaristas. Elementos, entre outros, imanentista, relativista, subjetivista, empirista, agnóstico, gnóstico, ateu ou idólatra e niilista são introduzidos com sofismas e linguagem sedutora. O papa São João Paulo Paulo II afirma que “O niilismo, antes mesmo de estar em contraste com as exigências e os conteúdos próprios da palavra de Deus, é negação da humanidade do homem e também de sua identidade. De fato, é preciso ter em conta que olvidar o ser implica inevitavelmente a perda de contato com a verdade objetiva e, consequentemente, com o fundamento sobre o qual se apóia a dignidade do homem.” (Fides et ratio, no. 91). No mesmo documento, ele afirma que “Esta (a fé), enquanto virtude teologal, liberta a razão da presunção – uma típica tentação a que os filósofos facilmente estão sujeitos.” (no.76). Confundem-se pensar e conhecer. As questões de sentido último da vida humana e do mundo passam para um segundo plano ou são ignoradas ou negadas. A razão humana se reduz à experimentação e ao fenômeno. Ela não vai do parecer ao ser. A filosofia do ser é a matriz filosófica estabelecida pelo magistério. (Fides et ratio, no. 76).

6. Não se tem consciência da intrínseca relação entre a filosofia e a teologia (Fides et ratio, nos.75-8), o que pode resultar no comprometimento das vocações e, inclusive, na formação discente em geral. Propagam-se o fideísmo, que pode levar para os fundamentalismos de todo tipo, inclusive, o político, e os relativismos noético e ético. Não se promovem o discernimento e a consciência entre a falsidade e a verdade, na abordagem das diversas correntes do pensamento filosófico e de seus representantes, Afinal, conforme o subjetivismo, tudo não é uma questão de opinião, de ponto de vista?

7. A unidade, a verdade, o bem e a beleza, constituintes e expressões do ser, não são os fundamentos das decisões e procedimentos, particularmente da ação magisterial. O papa São João Paulo II refere-se, na Fides et ratio, trezentas e cinquenta vezes à verdade. São Paulo declara que “vai chegar um tempo em os homens não suportarão a sã doutrina, mas, sentido cócegas nos ouvidos, reunirão em volta de si mestres conforme suas paixões. Deixando de ouvir a verdade, eles se voltarão para fábulas.” (2 Tm 4,7).

8. Resistências e dificuldades quanto ao diálogo interdisciplinar. Subestimação e exclusão das disciplinas e iniciativas que refletem sobre os valores fundamentais e de sentido da existência humana, desencaminhando-se para utilitarismos e hedonismos. Os discentes chegam egoístas por limites e inclinação pessoais e saem, em geral, egocêntricos e egoístas por inclinação e princípio.

9. Procedimentos antipersonalistas, nos processos de ensino e aprendizagem, que contribuem para dificultar o desenvolvimento do ser pessoal dos discentes, da sua consciência quanto aos valores da existência, de sua forma de pensar e agir. Os alunos e alunas são conformados a uma sociedade em retrocesso civilizatório, em vários aspectos, e são contestados quanto às próprias convicções verdadeiramente axiológicas e sofrem a perda da consciência de valores que trouxeram de sua educação, inclusive, familiar.

10. Formação condicionada pelo mercado e reduzida à futura profissão. Os alunos e alunas são considerados, ainda que inconscientemente, mais como produtos do que pessoas em processo educacional. O formando não desenvolve uma consciência discernidora da realidade e do valor do mundo, do homem e de Deus. Concepções antropológicas individualista e coletivista, como referências, resultam no obscurecimento e confusão da consciência quanto aos valores éticos, políticos que, de fato, visem o bem integral e comum, o que compromete a realização pessoal, social e profissional dos alunos e alunas, inclusive de professores. O papa Francisco afirma que “A crise financeira que atravessamos nos faz esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criamos novos ídolos.” (Evangelii Gaudium, no. 55).

11. Qualidade do ensino e aprendizagem aquém do que deveria e poderia ser. Facilitação aos discentes para se manter e ampliar a quantidade dos alunos. A qualidade sobrepõe-se à qualidade.

12. Inexistência de uma pastoral abrangente e profunda que trabalhe com a fé e a razão, inclusive com os docentes, e ausência do serviço religioso católico a todos os membros da comunidade educativa, particularmente aos discentes. Ausência de sinais da fé católica. Dificuldades e distorções do verdadeiro diálogo e anúncio ecumênicos e inter-religiosos.

13. A verdadeira motivação é substituída pelo interesse e temor, o que leva à dissimulação, ao fingimento, a narcisismos. Ambiente em que se encontram o carreirismo, a competição por cargos e status, ameaças ostensivas ou veladas, injustiças nos relacionamentos e nos procedimentos administrativos, assédio moral, feudos, nepotismo, relacionamentos afetivos e sexuais ontoantropoaxiologicamente impróprios entre as pessoas do ambiente escolar. Além de outras consequências, processam-se uma corrupção da consciência ética das pessoas, enfermidades físicas e psíquicas, progressivas frustrações pessoal e profissional e esterilização do processo educativo verdadeiro e integral.

14. Não investimento na formação permanente dos agentes pedagógicos, especialmente dos docentes, conforme a fé e a razão, incluindo o aperfeiçoamento profissional. A razão, entretanto, compreendida de forma integral e, não, setorizada, reducionista, e a fé também integral, portanto, católica. Hostilidades, resistências explícitas ou disfarçadas dos destinatários dessa formação.

15. Contratuação de docentes com menor titulação para se reduzirem gastos. Agentes sem liderança e autoritários que se identificam por controle e cobrança. Procedimentos de admissão e demissão incompatíveis com as características católicas fundamentais da instituição. O tempo e o exercício pedagógicos prejudicados por autoritarismo e excessos burocráticos. Ao inverso, desleixo administrativo. Estruturas e meios são, indevidamente, reduzidos. Inconsciência de que a gestão e a administração devem estar a serviço dos objetivos da identidade da escola católica. Redução de custos a todo custo. O Prefeito da Congregação para os Consagrados, Cardeal João Braz Aviz, declara que “(…) Além disso, é necessário que determinados critérios de administração evoluam dentro da Igreja, porque a gestão não pode ser do tipo capitalista, mas evangélica.” (Entrevista, L’osservatore Romano).

16. As pessoas conscientes e que mantêm a fidelidade à identidade da instituição escolar católica, por vezes já minoria, sofrem variadas formas de procedimentos coativos e, inclusive, assédio moral. O espaço para a pessoa cristã fica cada vez mais reduzido. À título de “não impor”, contestam-se e até se proíbem o “expor” e o “propor” identificadores da instituição. Quem pensa e age conforme a identidade e missão da escola é acuado e considerado “diferente”. A sua avaliação se pauta, prioritária e negativamente, por sua convicção e adesão à identidade.

17. Inconsciência, debilidade, omissão, incompetência, conivência ou cumplicidade daquelas pessoas, inclusive do ministério ordenado, que deveriam, por princípio, direito e obrigação, garantir e promover a identidade da instituição escolar católica.

18. Desconsideração e insensibilidade às expectativas das famílias dos discentes.
Qual a realidade atual das escolas católicas, a começar dos anos iniciais? O que corresponde, de fato, aos seus princípios e normas? O que fazer? Constituir grupos e associações que contribuam para que as nossas Escolas católicas, particularmente as de ensino superior, recuperem, quando for o caso, e aprofundem a consciência de sua identidade e realizem a missão para a qual são fundadas?

O agir não se motive pela convenção, conveniência, coerção e não seja conforme a letra sem espírito. As ações procedam da convicção com fundamento na fé e na razão, “como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade sobre si próprio”. (Fides et ratio, Preâmbulo). É Ele quem doa, aumenta a fé e ilumina a razão.

REFERÊNCIAS

Cardeal João Braz Aviz. L’osservatore Romano, 7-14/8/ 2014, nos. 32-33, p. 6

CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, trad. Oficial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, São Paulo: Loyola, 1983

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes e Normas para as Universidades Católicas segundo a constituição apostólica “Ex Corde Ecclesiae” – Decreto Geral. Documentos da CNBB 64, São Paulo: Ed. Paulinas, 2000

CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA (Dos seminários e dos Institutos de estudos). Decreto de reforma dos estudos eclesiásticos de filosofia. Documentos da Igreja. CNBB, 2011

O Ensino da Filosofia nos Seminários, Roma, Typis Polyglotti Vaticanis, 1979.

CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Documento de Aparecida- Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, 2ª. ed., Brasília: CNBB; São Paulo: Paulus, Paulinas, 2007 Gravissimum Educationis. Compêndio do Vaticano II – Constituições, decretos, declarações, 7ª. ed., Petrópolis (RJ): Vozes, 1968

João Paulo II. Fides et ratio. São Paulo: Loyola, 1998

Constituição apostólica sobre as Universidades Católicas (Ex Corde Ecclesiae), São Paulo: Paulinas, 1990

Alocução ao Congresso Internacional sobre as Universidades Católicas, 25 de abril de 1989, n. 3 AAS (1989), p. 1218, in Constituição apostólica sobre as universidades católicas, I, 7

Papa Francisco. Evangelii Gaudium – A alegria do Evangelho. Documentos pontifícios 17, Ed. CNBB, 2013
Discurso ao Parlamento europeu, L’Osservatore Romano, no. 48, 27/11/2015, p. 11

Discurso ao Conselho da Europa, L’Osservatore Romano, no. 48, 27/11/2015, p. 12

Prof. Dr. Paulo Cesar da Silva
Graduação em Letras, Filosofia, Teologia, mestrado e doutorado em Filosofia. Livros, capítulos e artigos publicados. Professor universitário.


Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br Twitter: @pfelipeaquino