O que sente quando olha para o mar? O que ele te diz?
Sabemos que toda a criação canta as obras do Senhor. A Liturgia exclama: “O Céu e a Terra proclamam a Vossa Glória”, “Tudo o que criastes proclama o Vosso louvor”. São Boaventura explica que “Deus criou todas as coisas não para aumentar a Sua glória, mas para manifestá-la e para comunicá-la”.
Podemos observar nas criaturas um rastro do Criador, tal como uma assinatura, uma marca, na obra de um artista. Logo, o céu, a terra, as montanhas, os rios e matas são como espelhos através dos quais Deus nos mostra um pouco da Sua beleza, grandeza, onipotência, amor, sabedoria, Sua Face. E o mar, podemos assim dizer, também é uma pequena amostra da Imagem Infinita de Deus. Ele é grande e majestoso como um rei, forte como um leão, rico como um tesouro e cheio de vida abundante.
Não é de hoje que o mar “fala”. Podemos perceber que em diversas passagens da Bíblia os autores sagrados usam a figura do mar para louvar a Deus ou para nos ensinar alguma coisa, já percebeu? Veja bem, o salmista já dizia assim: “Deus tem nas mãos as profundezas dos abismos, e as alturas das montanhas lhe pertencem; o mar é dele, pois foi ele quem o fez, e a terra firme suas mãos a modelaram” (Sl 94,4-5). E o Eclesiástico também: “O Senhor, com seu desígnio, aplacou o oceano e nele plantou as ilhas. Os que navegam sobre o mar descrevem seus perigos, e ficamos admirados com o que ouvimos a respeito: há nele coisas estranhas e maravilhosas, animais de toda espécie e monstros marinhos” (Eclo 43,25-27). E ainda essas e mais outras tantas: “Os filhos de Israel serão tão numerosos como a areia do mar, que não se pode medir nem contar. Em lugar de se lhes dizer: Lo-Ami, serão chamados Filhos do Deus vivo” (Os 2,1). “Porém, mais poderoso que a voz das grandes águas, mais poderoso que os vagalhões do mar, mais poderoso é o Senhor nas alturas do céu” (Sl 92,4).
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Olhe para as montanhas e eleve sua alma
Há um sabiá que canta na Catedral…
Veja que bonito ensina nosso Catecismo no parágrafo §1:
“Deus, infinitamente perfeito e bem-aventurado em Si mesmo, num desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para torná-lo participante da sua vida bem-aventurada. Por isso, sempre e em toda a parte, Ele está próximo do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-Lo, a conhecê-Lo e a amá-Lo com todas as suas forças”.
Deus nos criou para o Céu. E enquanto caminhamos como peregrinos nesta Terra, Ele está próximo a nós. Deus quer estar conosco, quer falar conosco; seja pelas situações da vida, pelas pessoas que coloca em nosso caminho, por sua Palavra, pela Eucaristia ou pela natureza. O Senhor não poupa maneiras de falar ao nosso coração. Inclusive foi Ele mesmo que colocou essa sede de Infinito no coração do homem para que O buscasse e O encontrasse. Desde então a humanidade busca preencher um vazio que só pode ser preenchido pelo Criador. Por este motivo, é preciso estar atento aos pequenos detalhes da nossa vida para não correr o risco de não percebermos que Ele está ao nosso lado.
Por exemplo, por uma simples caminhada pela areia da praia podemos aprender muitas lições com o mar. Não podemos nunca nos esquecer de que Deus também fala conosco através de Sua criação e de suas criaturas. Ao beirar o mar pela areia podemos tocar suas ondas macias banhando nossos pés como num gesto de carinho. Através delas o mar nos traz muitas mensagens que só podem ser lidas se as antenas da alma estiveram sintonizadas na frequência da fé. Isto nos faz lembrar o que diz o Salmo “Invitatório”, que recrimina aqueles que sem fé, têm os ouvidos fechados para as mensagens que Deus nos dá pelas criaturas – “Oxalá ouvísseis hoje a sua voz: “Não fecheis os corações como em Meriba, como em Massa, no deserto, aquele dia, em que outrora vossos pais me provocaram, apesar de terem visto as minhas obras” (Sl 94,8-9).
Abrindo os ouvidos e olhos da alma, ao encontrar na areia uma conchinha que toca nossos pés, podemos perceber sua simplicidade e também que ela possui concavidade peculiar feita para acolher uma vida que nela é gerada. E olhando para ela, imaginando além, podemos lembrar que antes de se abrir, aquela conchinha estava fechadinha e possuía duas faces extremamente unidas. Ela trazia em si uma vida que um dia, depois de madura, pôde se abrir e servir de alimento para outras criaturas. Não são lições para nós – de simplicidade, disponibilidade, serviço desinteressado?
Ao observarmos ainda, aquela conchinha aberta perdida ali na areia, com seu pequeno corpo mineral voltado para o Céu como que glorificando ao seu Criador, podemos pensar: Será que meu coração também não precisa se abrir mais para louvar e dar glórias a Deus?
Pense na conchinha, depois de gerar nela uma vida, se abre para dar graças ao Autor de toda a vida. Parecem duas mãos abertas em gesto de louvor silencioso. Jesus, certa vez, não disse que se os homens não O louvassem, as pedras o fariam? Elas são como pedras que louvam o Criador. Não são lições para nós?
“Tudo o que criastes proclama o Vosso louvor!”.
Se não houvesse o mar, aquela conchinha não estaria ali e se não fosse pelo amor e pela vontade de Deus, nada disso existiria. Nem mesmo nós. Não são estes bons motivos para louvar a Deus?
Quantas outras surpresas pode nos trazer o mar! Quanto de Deus ele nos fala…
Certa vez, ao final de uma caminhada pela praia, encontrei o mais enigmático caramujo. Dentro dele também um dia, houve uma vida, para a qual ele serviu de casa e proteção. Depois de hospedar essa criatura, ficou abandonado na praia e foi colhido por mim como uma lembrança do mar para alguém. Aceitou ser esquecido e abandonado na areia…, satisfeito de ter cumprido sua missão como uma criatura inorgânica, dando assim, a seu modo, glória ao Criador. E o bichinho que dali saiu talvez possa nos dizer que o mar da vida é cheio de perigos, e que é preciso viver um tanto escondido e bem protegido pela graça de Deus como o caramujo.
Enfim, o apelo que faço a você neste dia é: abra os ouvidos da alma e ouça a Voz do Criador que fala sem cessar no silêncio do coração. Isto é meditar. Isto é espiritualidade.
Prof. Felipe Aquino