Adotar embriões congeladosDr. FRANCESCO SCAVOLINI – FRANCESCO SCAVOLINI, 51, doutor em jurisprudência pela Universidade de Urbino (Itália), é especialista em direito canônico.
Usar embriões humanos para supostamente curar equivale a matar idosos doentes para aproveitar seus órgãos em favor de jovens
OS CASAIS espanhóis, italianos e americanos que há pouco mais de dois anos adotaram embriões congelados destinados à destruição são hoje pais felizes por terem salvo vidas humanas. O primeiro “floco de neve” que veio à luz se chama Gerard. Sua história traz importantes ensinamentos.
Quando foi implantado no ventre de Eva Tarrida, mulher espanhola de 41 anos, Gerard era um embrião congelado havia sete anos. A salvação de Gerard foi um projeto da clínica Marqués (Barcelona, Espanha), que visa unir mulheres que desejam ter filhos com embriões produzidos a mais em processos de fertilização in vitro e rejeitados pelos pais “naturais” -logo, destinados à destruição e à morte.
No Brasil, vários cientistas, em suas declarações na mídia, não se cansam de definir os embriões congelados como “material inviável” que deveria ser sacrificado nas pesquisas para a suposta obtenção das “milagrosas” células-tronco embrionárias (células cuja aplicação só produziu, no mundo inteiro, teratomas, isto é, tumores).
Gostaria de ver um eventual encontro desses cientistas com Eva Tarrida e o ex-embrião Gerard, congelado por sete anos, para ver se teriam coragem de chamá-lo de “material inviável”!
Talvez tais cientistas ignorem que um dos mais ferrenhos defensores da pesquisa com embriões, o cientista Robin Lovell-Badge, teve de admitir que o único modo de averiguar a morte e, portanto, a inviabilidade de um embrião, é transferi-lo para seu ambiente ideal, o útero, pois já ocorreu que embriões julgados inviáveis em laboratório se desenvolvessem no ventre materno e nascessem. A imprensa internacional relatou, inclusive, nascimentos fruto de embriões congelados por mais de 11 anos!
Na verdade, usar -portanto, matar- os embriões humanos para supostamente curar doentes equivale a matar idosos doentes com a justificativa de aproveitar seus órgãos para curar doentes jovens (uma lógica digna do pior pensamento nazista!). Por isso, esperamos que o Supremo Tribunal Federal julgue inconstitucional o artigo 5º da Lei de Biossegurança, que autoriza o uso e a destruição de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, acolhendo o “grito” de seres humanos inocentes -os embriões- levado à nossa Suprema Corte pelo então procurador-geral da República Claudio Fonteles.
De fato, nossa Constituição, em seu artigo 5º, garante “a inviolabilidade do direito à vida”. Essa norma é uma das cláusulas pétreas da nossa ordem jurídica, fundamentando inclusive o artigo 2º do novo Código Civil, o qual afirma que “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
É urgente que as competentes autoridades permitam a adoção dos embriões congelados e rejeitados pelos pais “naturais”. Ao mesmo tempo, é preciso que o poder público reconsidere a fertilização in vitro de óvulos humanos, vetando-a, pois a possibilidade de fazer nascer embriões congelados não pode absolutamente ser uma justificativa para continuar ou, pior, para incentivar a “produção” ou a “fabricação” de seres humanos.
A vida humana pertence exclusivamente a Deus, e os esposos são chamados a viver como fiéis intérpretes do Seu desígnio, sabendo que a vida dos seres humanos e a missão de transmiti-la não se confinam ao tempo presente nem se podem medir ou entender só por esse tempo, mas estão relacionadas com o destino eterno de cada homem e de cada mulher.
A ciência e a técnica são dons de Deus à humanidade, para que esta possa melhorar a qualidade da vida e torná-la mais humana, respeitando os limites éticos e morais, sem os quais corre o risco de aniquilar a si mesma e à própria natureza.
Recentemente, um dos mais importantes e respeitados jornais da Itália publicou uma reportagem assustadora sobre a incidência de algumas formas de doença -especialmente o autismo- nas crianças fruto da inseminação in vitro (“Corriere della Sera”, 14/8/06).
Tudo isso representa um sinal evidente de que o ser humano, feito à imagem e semelhança de Deus, não pode ser reduzido a objeto. Dizia o saudoso papa João Paulo 2º que “o caminho ensinado por Cristo é aquele do respeito pelo ser humano”. Certamente, para o cristão, o mistério de ser humano e de tudo o que existe é tão profundo que se torna inesgotável para a investigação humana.
Ao contrário, quando o homem, como um novo Prometeu, constituindo-se presunçosamente em único juiz do bem e do mal, faz do progresso o seu ideal absoluto, acaba sendo esmagado pelo mesmo progresso. O século que acaba de se encerrar, por meio das ideologias que marcaram tristemente sua história e das guerras que o feriram profundamente, está diante dos olhos de todos para mostrar qual é o resultado dessa presunção.