“Nada é árduo aos que têm por fim somente a honra de Deus e a salvação das almas”. São José de Anchieta
Anchieta nasceu em São Cristóvão, Tenerife, numa ilha do Arquipélago das Canárias, Espanha, a 19 de março de 1534, no dia de São José; por isso recebeu o nome de José de Anchieta. Era de uma família rica e cristã. Seu pai, Juan Lopes de Anchieta, era do País Basco, e se mudou para as Canárias, porque tomou parte na Revolta dos Comuneiros, feita contra o imperador espanhol Carlos V e foi condenado à morte. Foi salvo da morte por intercessão de um parente militar, o capitão espanhol, Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus. Sua mãe foi Dona Mência Dias de Clavijo y Llarena. Seu avô havia sido um dos conquistadores espanhóis.
A vida religiosa de Anchieta começou após uma Missa na igreja da Imaculada Conceição de Tenerife, onde, com dez anos idade ele já guardava o desejo de entregar-se todo à caridade e renunciar às coisas desse mundo para servir aos mais necessitados.
Aos 14 anos, Anchieta iniciou seus estudos na famosa Universidade de Coimbra, criada pela Igreja, no Colégio de Artes em Coimbra, onde esteve durante cinco anos. Recebeu boa formação filosófica e literária, e estudou o latim. Nessa época ajudava os padres na celebração da Missa; até cinco Missas em jejum.
Apesar de seu entusiasmo, o noviço Anchieta tinha uma saúde muito frágil. Por conta de um sério problema na coluna, devido a tuberculose óssea, o rapaz chegou a supor que jamais poderia ser jesuíta.
Por aquela época, liam-se na Universidade de Coimbra as cartas que São Francisco Xavier, jesuíta e amigo de Santo Inácio de Loyola, evangelizador na China e no Japão, e que traziam também insistentes apelos aos jovens estudantes das Universidades europeias para se tornarem missionários. Profundamente impressionado com o que São Francisco Xavier dizia, acerca das carências de tantos povos e países e desejando seguir um exemplo tão eloquente de dedicação à glória de Deus e ao bem dos homens, José de Anchieta resolveu ingressar para a Companhia de Jesus: queria ser missionário!
Então, aos 17 anos de idade ingressou na Companhia de Jesus (1º de maio de 1551), fundada por Santo Inácio de Loyola, em 1539, seu contemporâneo e parente. Nessa idade, ainda estudante, fez seu voto particular de castidade diante do Altar de Nossa Senhora, na Catedral de Coimbra, e decidiu dedicar-se ao serviço de Deus. Adoeceu seriamente no Noviciado. Já neste tempo rezava horas seguidas ajoelhado e em êxtases, esquecido do mundo. Sentia dores na coluna; mas a dor que mais sentia era uma “nostalgia do céu”; era a de não ter um coração mais largo para conter seu amor às coisas de Deus.
Leia também: Quem foi o padre José de Anchieta?
História da Igreja: A Igreja e as Missões
A Evangelização dos Índios no Brasil
Você conhece os Santos brasileiros?
Jovem, cheio de vida, inteligente, alegre por natureza, de coração aberto e amado por todos, brilhante nos estudos da Universidade de Coimbra, José de Anchieta soube granjear a simpatia de seus colegas, que gostavam de ouvi-lo recitar. Por causa do seu timbre de voz, chamavam-no “canarinho”, lembrando assim o canto dos pássaros de sua ilha natal, Tenerife, nas Canárias.
Anchieta chegou a Salvador, Bahia, a 13 de julho de 1553, vindo na armada do segundo Governador-geral do Brasil, Dom Duarte da Costa, com outros seis companheiros, sob a chefia do Pe. Luís da Grã. A cidade ainda não existia. Havia apenas alguns aglomerados de índios. Veio com o único objetivo de conduzir esses a Cristo, transmitindo-lhes a vida de filhos de Deus, destinados à vida eterna. Veio sem exigir nada para si; pelo contrário, disposto a dar a sua vida por eles. Em seguida foi para o Colégio jesuíta de São Vicente, e em 1554, fundou a cidade de São Paulo, no dia 25 de janeiro de 1554, no planalto de Piratininga, onde ficou por dez anos.
Para cumprir a sagrada missão de evangelizar os índios, Anchieta teve que conquistar a sua amizade e aprender o idioma tupi, para podê-los levar a professar a fé cristã. Para isso, estudou a língua deles e escreveu a primeira gramática nesta língua; criou um método de ensino do Evangelho incorporando a cultura indígena, mas sem trair as exigências dos ensinamentos de Cristo. Assim, milhares de índios converteram-se ao cristianismo, e com isso sobreviveram perante as explorações dos colonizadores. Anchieta usava as pregações, os inúmeros poemas, os cantos, e peças teatrais para transmitir conhecimentos aos nativos. Assim ele tocava os corações até dos inimigos. Era uma “nova evangelização”, uma inculturação perfeita do Evangelho na cultura indígena.
O Pe. Simão de Vasconcelos, um dos seus biógrafos, o chamava de “o novo Adão”, por sua inocência e santidade. Sua vida, até a morte aqui no Brasil, foi uma entrega absoluta à causa cristã e ao serviço do Reino de Deus pela catequese. Sua força sobre-humana vinha de sua permanente comunhão com Deus na oração e na penitência.
Anchieta soube tão bem unir a vida ativa a mais sublime contemplação, em contínua oração e milagres. Sempre intimamente unido com Deus, na contemplação, “parecia fazer milagres por brinquedo”, disse Charles Sainte-foy, em seu livro sobre o Santo. Dóceis à sua voz, obedeciam-lhe os peixes, os animais, as feras, e as aves; os ventos emudeciam; cessavam as tempestades; a uma só palavra sua cediam às doenças mais rebeldes; e o futuro para ele era como um presente eterno no seio de Deus, onde repousava o coração. A natureza parecia se regozijar e achar nele o homem que a libertava da vaidade e servidão, de que falava São Paulo aos romanos (Rm 8,22).
De sua aparência física, eis o retrato que nos pintou o Pe. Simão de Vasconcelos, um dos seus biógrafos: “Foi o Pe. José de Anchieta de estatura medíocre, diminuto em carnes, em vigor do espírito robusto; em cor trigueiro, os olhos parte azulados, testa larga, nariz comprido, barba rala, mas no semblante inteiro, alegre e amável” (Vida do Venerável).
Anchieta foi amigo do Governador Mem de Sá, e escreveu, em 1561, o poema “Feitos de Mem de Sá”, a quem admirava por sua fé católica e serviço à evangelização dos índios. Em 1562, Anchieta escreveu o seu primeiro auto: “Pregação universal”, que usava na catequese com os índios.
Em 1563, Anchieta e Pe. Nóbrega chegaram a Iperoig (Ubatuba-SP), para negociar o importantíssimo “Armistício de Iperoig”, com os tamoios, que, insuflados pelos franceses, inimigos dos portugueses e dos jesuítas, atacavam as aldeias dos jesuítas. Nessas conversas quase foram martirizados. Em 21 de julho de 1563, Pe. Nóbrega regressou a São Vicente para continuar as conversações de paz com os chefes tamoios (Cunhambebe, Aimberê, Coaquira, Pindobuçu). Tendo Anchieta permanecido refém dos tamoios durante quatro meses em Iperoig. Nesse tempo ele escreveu nas areias o grande Poema à Virgem Maria, com 5.876 versos, colocando-os depois no papel, em São Vicente.
Em 27 de janeiro de 1565, Anchieta partiu na expedição de Estácio de Sá, para a conquista do Rio de Janeiro, na mão dos invasores franceses, inimigos dos jesuítas. Em 1º de março desembarcou na Praia Vermelha e assistiu a fundação da cidade do Rio de Janeiro. Em 31 de março partiu para a Bahia de Todos os Santos na esquadra de João Andrada, onde foi ordenado sacerdote aos 32 anos de idade, depois esteve alguns meses no Espírito Santo.
Em 1566 foi nomeado superior em São Vicente e esteve com o Visitador jesuíta no Brasil, o Pe. Inácio de Azevedo, que depois morreu mártir com seus 39 companheiros, pelos calvinistas franceses, no mar, em 1574, quando estavam a caminho do Brasil. Em 1569, fundou a povoação de Reritiba (ou Iriritiba), atual Anchieta, no Espírito Santo. No Colégio dos jesuítas, no Rio de Janeiro, esteve por três anos: de 1570 a 1573.
Depois disso, Anchieta esteve até 1578 na reitoria de São Vicente, ao ser eleito Provincial no Brasil. Com ele residiam em São Vicente cinco padres e dois irmãos. Ensinavam a ler, escrever, pregar, confessar, dar assistência aos soldados da fortaleza, construída no alto da ilha Guaíbe. Algumas vezes Anchieta ia a São Paulo. Narra Simão de Vasconcelos que numa dessas viagens, que durou três dias, tendo acabado o vinho que tomavam nas refeições, Anchieta teria transformado água em vinho.
Anchieta nunca deixou o Brasil; amou nossos índios e deu a vida por eles. Sua primeira Missa foi celebrada com todo zelo. Após a primeira missa se seguiriam muitas outras, rezadas nos mais remotos locais. A vida extraordinária de São José de Anchieta está marcada por seu amor à Eucaristia, seu ardor missionário, e sua nobre luta para guardar a castidade.
Anchieta e o Pe. Manoel de Nóbrega são considerados os fundadores da cidade de São Paulo. Anchieta trabalhou dez anos como superior do Colégio fundado, no “Pátio do Colégio”, e depois outros dez anos foi nomeado Provincial dos jesuítas no Brasil. Anchieta não só trabalhou como catequista, mas também foi dramaturgo, poeta, gramático, linguista e historiador.
O padre Luís de Grã, sucessor de Nóbrega como Provincial, falava com Nóbrega a respeito dos dotes sobrenaturais de Anchieta. Dizia que ele nem parecia humano, mesmo doente dos ossos fazia maravilhas: “Vive a caminhar descalço por léguas pelo sertão afora em busca de almas para salvar. Dorme no chão ou fica a noite inteira ajoelhado em oração. Conta-se que é capaz de curar doentes com suas orações. Falavam de suas levitações e previsões do futuro que conhecia através de sonhos”. Ele era chamado de “Xavier da América” e “Taumaturgo do mundo”.
Em 1578, nomeado Provincial da Companhia de Jesus no Brasil, com 43 anos e 24 passados no Brasil, administrou os Colégios Jesuítas do país, viajou para várias cidades, entre elas, Olinda, Reritiba (Anchieta) no Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santos e São Paulo. Foram 10 anos de visitas; viajava perigosamente por todo o litoral do Brasil em seu barquinho, “Santa Úrsula”, sofrendo tempestades e naufrágios.
Anchieta foi substituído em 1587, na função de Provincial, a seu próprio pedido. Retirou-se para Reritiba, mas teve ainda de dirigir o Colégio dos Jesuítas em Vitória, no Espírito Santo. Em 1587 fixou ali residência, a fim de concluir o Colégio de São Tiago e a igreja de Reritiba (Anchieta). Deixando de ser Provincial, ficou na Vila de Vitória como Superior. De 1592 a 1594 foi nomeado Visitador das casas do Sul. Em 1594 retornou ao Espírito Santo para trabalhar como superior das Casas de Vitória, Reritiba, Guarapari, Reis Magos e Carapina. Em 1596 foi governador e conselheiro da Casa de Vitória. Em seguida obteve dispensa dessas funções e conseguiu retirar-se definitivamente para Reritiba, onde veio a falecer em 9 de julho, assistido por cinco dos seus companheiros. Foi sepultado em Vitória, levado pelos índios, entre prantos e lamentos.
O padre Gaspar Ferreira, que foi aluno de Anchieta no Espírito Santo, entre 1587 e 1588, atestou: “Anchieta era tão dado à oração que tinha calos nos joelhos de orar de dia e de noite. E era coisa espantosa a devoção que tinha a Virgem Nossa Senhora (Viotti, p. 103).
Um dos biógrafos de Anchieta, assim o descreveu: “Era um José na castidade, um Abraão na obediência, um Moisés nos segredos do céu, um Jó na paciência, um Elias no zelo e um Davi na humildade”.
Às vezes, para batizar ou confessar um escravo, tinha Anchieta que caminhar cerca de seis, sete, léguas (24 km) a pé, passando fome e sede.
Assista também: Quem foi São José de Anchieta?
Anchieta escreveu muitas Cartas a seus superiores em Roma, relatando, em alto nível, e com detalhes, os acontecimentos da evangelização que realizavam no Brasil, o comportamento dos índios, seus terríveis costumes de matar os inimigos e comê-los, suas conversões, e muitos mais. Suas Cartas iam até Santo Inácio de Loyola, o fundador da Companhia, relatando com detalhes os feitos.
O Pe. Leonel França disse que a história da literatura brasileira se abre com Anchieta. Afrânio Peixoto afirma: “até o seu tempo, nenhum o excedeu, descrevendo o Brasil e os brasis (índios)” (Thomas, p. 184). Podemos dizer que Anchieta foi de fato o primeiro e grande historiador do Brasil. Ler as Cartas de Anchieta é conhecer a realidade brasileira no seu início. Ali ele fala da fauna, da flora, dos animais, dos escravos etc.
Embora a campanha para a sua beatificação tenha sido iniciada na Capitania da Bahia em 1617, Anchieta só foi beatificado em junho de 1980 pelo Papa João Paulo II. A perseguição do marquês de Pombal aos jesuítas havia impedido, até então, o trâmite do processo iniciado no século XVII. Os jesuítas foram expulsos do Brasil em 1749 e, em 1773, o Papa Clemente XIV, pressionado pelas Cortes Bourbônicas, suprimiu a Ordem dos jesuítas, que foi restaurada pelo Papa Pio VII, em 1814.
Em 04 de abril de 2014, Pe. Anchieta foi canonizado pelo Papa Francisco, na Igreja de Santo Inácio de Loyola, em Roma.
Retirado do livro: “São José de Anchieta – O Apóstolo do Brasil -“. Prof. Felipe Aquino. Ed. Cléofas.