Algumas pessoas têm me perguntado sobre como deve agir o médico no caso de gravidez ectópica ou tubária, quando a mãe corre risco de vida pelo possível rompimento da trompa. Para esclarecer o assunto publicamos abaixo o artigo de D. Estevão Bettencourt sobre a questão, publicado em sua Revista “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” (Nº 492 – Ano 2003 – Pág. 279). Prof. Felipe Aquino – www.cleofas.com.br
Em síntese: A gravidez ectópica há de ser tratada à luz do princípio da causa com duplo efeito: o médico nada faz que mate diretamente a criança, mas extirpa a trompa afetada como extirparia qualquer órgão afetado, independentemente de estar grávido ou não. Visa à saúde da mulher e tolera a perda da criança – o que é diferente do que se dá no caso do aborto (homicídio direto).
A gravidez ectópica ou tubária ocorre quando o feto se localiza não no útero da gestante, mas na trompa de Falópio, causando grave perigo de morte para a mulher.
A propósito escreveu a PR um jovem médico recém-formado:
“O problema é o seguinte: nos casos em que uma gestante tenha algum problema de saúde que coloque sua vida em risco, sei que não é lícito provocar aborto. Sei também que, por outro lado, é lícito em alguns casos tratar a afecção da mãe, mesmo que um efeito colateral não desejado da terapia seja a perda da gestação, por exemplo, extirpar um tumor uterino. Chama-se a isto um ato voluntário indireto.
Entretanto, não sei o que fazer nos casos em que ocorre gestação ectópica tubária. Trata-se de uma situação em que é praticamente impossível a sobrevivência do concepto, e em que existe uma chance enorme de rotura da trompa, com morte tanto deste como da mãe”.
QUE DIZER? O missivista distingue sabiamente o aborto propriamente dito e o que alguns autores chamam “aborto indireto”.
O aborto propriamente dito é algo que visa a matar diretamente a criança. Há vários modos de o fazer, todos condenáveis, porque são homicídio. Todavia existem casos em que um procedimento médico destinado a debelar uma moléstia da mulher grávida redunda em perda da respectiva prole, É o que ocorre com um útero canceroso e grávido; o médico que deseja tratar da gestante, fará o que é costume fazer diante de um câncer: extirpará o órgão canceroso (no caso, o útero), acelerando o efeito indireto ou a morte da criança. – Tal operação é lícita e justificada pelo princípio da causa com duplo efeito, princípio que assim se pode enunciar.
Existem certas ações que produzem dois efeitos: um bom e o outro mau. Ora é lícito praticar tais atos desde que se preencham as seguintes condições:
1) o efeito bom seja diretamente intencionado; o efeito mau seja apenas tolerado;
2) o efeito mau não seja anterior ao efeito bom, pois não se devem cometer males para daí tirar algum bem. O fim não justifica os meios maus;
3) o efeito bom sobrepuje, por seus valores e sua densidade, o efeito mau;
4) não haja outro recurso para obter o efeito bom.
Tal princípio legitima tanto a extração do útero grávido canceroso quanto a extração da trompa ameaçada de fortes hemorragias e ruptura. Em nenhum desses casos o médico realiza algo para matar diretamente a criança, o seu procedimento visa tão somente à mãe e à terapia que, independentemente da gravidez, lhe deveria ser aplicada.
Para maior clareza, notemos bem que este procedimento difere essencialmente daquele outro, em que o médico julga que a presença da criança dificulta o tratamento da mãe cardiopata, turbeculosa, varicosa… e, por isto, mata a criança.
O missivista tinha, pois, razão ao afirmar a liceidade da extração de um tumor no útero grávido. Estenda seu arrazoado ao caso da gravidez e intervenha de consciência tranqüila, extirpando o mal.