A ditadura da cultura do corpo

De nada vale ter um corpo de atleta se a alma está em frangalhos. Atualmente, há a ditadura da “cultura do corpo”. Os pais precisam estar atentos a essa doentia “cultura”, que hoje domina o mundo e se estabeleceu na sociedade com o objetivo de consumo de produtos e de serviços voltados para a beleza. 

Uma verdadeira ditadura

Muitos jovens sofrem, porque não têm aquele corpinho de “top model” ou porque não têm “aquela” musculatura especial. A mídia colocou na cabeça, especialmente das mulheres, que o “mais importante” é ser bonita de corpo, ser esbelta e magra, segundo os “padrões de beleza” dos que ditam a moda para os outros.

A propaganda emplacou uma grande mentira: se você não tiver aquela calça “da moda” ou aquela camisa “da marca”, então você não será feliz. Os comerciais de TV e as novelas ensinam para os jovens uma coisa perversa: se você não for sexy, você não poderá ser feliz e não terá um namorado (a). Será rejeitado (a). Os pais têm de criar um antídoto contra essa insanidade.

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Antídoto contra essa insanidade

Por causa dessa “cultura do corpo”, que hoje ocupou o lugar da “cultura do espírito”, muitos jovens estão angustiados e até mesmo “escravizados”, porque não conseguem atingir esse “padrão de beleza”.

Ora, saiba mostrar a seus filhos que a felicidade construída em cima desses valores é efêmera, vai acabar muito cedo e deixar o jovem no vazio. A moda pode até ser boa se for equilibrada, se for um meio, mas não um fim.

Os pais precisam despertar os filhos para a verdadeira beleza que está na alma, no interior, “invisível aos olhos”, que não acaba, que o tempo não envelhece.

Deus seria injusto se a nossa felicidade dependesse da cor da nossa pele, do perfil do nosso corpo ou da ondulação do cabelo, pois tudo isso é genético e não conseguimos mudar.

Quanto mais o jovem construir a sua felicidade em cima de valores espirituais, tanto mais ele será, de fato, um homem e uma mulher como Deus quer.

Supervalorização do corpo

É dificílimo, hoje, para o jovem, fugir dessa onda de supervalorização do corpo, por isso é muito importante a educação neste sentido, para ele não se tornar um escravo [do corpo]. E os pais têm de mostrar isso a eles de maneira convincente.

Saiba mostrar a seu filho que Deus o ama por aquilo que ele é, e do jeito que ele é. Que, diante do Senhor, não se é avaliado pelo que se vê, mas pelo que se faz. Ensine o jovem a atirar para longe esse complexo de inferioridade, e faça-o olhar menos para o espelho e mais para a sua alma.

Ajude-o a cultivar o seu saber, a fé, a espiritualidade, seus amigos e amigas, sua família, seu trabalho, sua profissão e seu Deus, muito mais do que o seu corpo. Ensine-o a gastar mais o seu tempo e seu dinheiro em coisas e atividades que o fazem crescer naquilo que não passa e o tempo não destrói.

Michel Quoist, grande padre francês, dizia aos jovens que, para ser belo, é melhor parar ‘cinco minutos diante do espelho, dez diante de si mesmo e quinze diante de Deus”. Não deixe que o seu filho inverta essa ordem, para que não caminhe de cabeça para baixo.

Infelizmente, a cultura de hoje valoriza mais a roupa, a comida, o carro, a casa, as viagens, as festas, o celular, em vez do “ser” mais e melhor. Não estou falando de desprezar as coisas boas que nos ajudam a viver, mas de não as tomar um fim.

Redução dos valores humanos 

Hoje, temos edifícios altos, mas homens pequenos; estradas longas e largas, mas almas curtas; pessoas ricas, mas gente pobre. As casas são grandes, mas as famílias são pequenas. Temos muitos compromissos, mas pouco tempo; gastamos muito, mas desfrutamos pouco. Multiplicamos os nossos bens, mas reduzimos os valores humanos. Falamos muito, mas amamos pouco e odiamos demais.

Fomos à lua, mas ainda não atravessamos a rua para conhecer o vizinho. Temos mais conhecimentos, mas pouco discernimento. Temos muita pressa e pouca perfeição. Temos mais dinheiro, mas menos moral e menos paz. Temos mais bens, mas menos caráter. Temos casas mais lindas, porém, mais famílias destruídas. Conquistamos o espaço exterior, mas perdemos o espaço interior. Temos mais prazer, porém, menos alegria.

Lembro-me de Edith Piaf, uma cantora lírica francesa, pequenina e “feinha”, mas muito simpática. Quando começava a cantar, a plateia a ovacionava, parecia um anjo a cantar. Muito mais se pode dizer de Madre Teresa de Calcutá, Edith Stein e tantas outras.

Se a beleza física fosse sinônimo de garantia de felicidade, não encontraríamos tantos artistas frustrados, buscando fugir de suas angústias nas drogas, muitas vezes. Quantas moças e rapazes lindos já morreram numa overdose de cocaína!

Garantia de felicidade 

Se o dinheiro fosse, sozinho, garantia de felicidade, não encontraríamos tantos ricos angustiados nem tantos ídolos que acabam com a própria vida no suicídio.

Ensine seu filho a construir a vida naquilo que os olhos não veem, mas que é essencial: honra, saber, moral, caridade, bondade, mansidão, força de vontade, humildade, desapego, pureza, paciência, disponibilidade. Esses são valores que nos mantêm verdadeiramente de pé!

De nada vale um jovem ter um corpo de atleta ou de modelo se a sua alma está em frangalhos e o seu espírito geme sob o peso da matéria e da carne. Será um escravo que poderá, um dia, buscar compensação até nas drogas, para fugir do vazio existencial.

Se você bater num tambor cheio de água, ele não fará barulho; mas se você bater num tambor vazio, vai fazer um barulhão. Os homens também são assim, fazem muito barulho quando estão vazios. Se a hierarquia de valores que os pais transmitem aos filhos for invertida, a grandeza deles ficará comprometida.

Quando você permite que as paixões do corpo sufoquem o espírito, não há mais homem ou uma mulher, mas uma “caricatura” de homem ou de mulher.

Relação com Deus 

Se o seu filho se frustrar biologicamente, porque possui algum defeito físico, ele poderá sublimar essa frustração e ser feliz realizando-se num nível mais alto, o da cultura e do saber. Se ele não pode se realizar no nível racional, poderá fazê-lo no nível espiritual, que é o mais elevado, numa relação íntima com Deus. Mas se ele desprezar o nível espiritual, não poderá se realizar plenamente, porque acima deste não há outro onde possa buscar a compensação.

O grande poeta francês Exupèry dizia que “o essencial é invisível aos olhos”. A razão é simples: tudo que é visível e material passa e acaba; o invisível, o espiritual, fica para sempre.

Todos os seres criados voltam ao seu nada, voltam ao pó da terra, porque a força que os mantêm vivos está em cada um, mas não lhes pertence. O poder de ser uma rosa está na rosa, mas não é da rosa.

De que vale viver bem se não posso viver sempre?

Quando você vê uma bela flor murchar, é como se ela estivesse lhe dizendo: “A beleza estava em mim, mas não me pertencia; Deus a tinha me emprestado”. O poder de ser um cavalo está no cavalo, mas não é dele. Se fosse dele, jamais ele morreria. Ele foi criado por Alguém, que o mantém vivo. Quando uma bela artista envelhece, e surgem as rugas, ela está dizendo que a beleza estava nela, mas não era propriedade sua.

Se o seu filho ficar cultivando apenas o seu corpo e se esquecer da sua alma, amanhã estará amargurado, pois, do mesmo jeito que a rosa murchou, o seu corpo também envelhecerá; e isso é inexorável.

O seu filho não foi criado apenas para esta vida transitória e passageira, na qual tudo fica velho e se acaba, ele foi feito para a eternidade, para uma vida que nunca acaba.

O jovem fogoso que foi Santo Agostinho, um dia chegou a esta conclusão: “De que vale viver bem se não posso viver sempre?”.

Prof. Felipe Aquino

 


Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br Twitter: @pfelipeaquino