Entrevista com sacerdote médico e professor de teologia moral
ROMA, domingo, 19 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) – Recebeu o prêmio Nobel de medicina este ano o fisiólogo inglês Robert Edwards, pioneiro no procedimento de fertilização in vitro.
Os trabalhos deste biólogo fizeram possível o nascimento da primeira “bebê de proveta”, Louise Joy Brown, no dia 25 de julho de 1978.
Sobre o custo em vidas humanas que este procedimento traz e sobre suas implicações éticas, ZENIT entrevistou Pablo Requena, licenciado em Medicina e Cirurgia, doutor em teologia moral e professor dessa matéria na Universidade Pontifícia da Santa Cruz, em Roma.
ZENIT: Quantos embriões se perdem por cada criança que nasce no procedimento da fecundação in vitro?
Pablo Requena: É impossível saber exatamente. Entre outras coisas, porque depende muito da técnica empregada e dos protocolos que cada país utiliza. Mas certamente são muitos.
Alguns dados nos podem ajudar a entender a magnitude desta perda de seres humanos. Em 2009 se publicou um estudo europeu (referido a 30 países) em que se mencionam 418.111 ciclos de reprodução assistida, com uma taxa de gravidez entre 30,3 e 30,9%.
Se se leva em conta que a prática comum implica a hiperestimulação ovárica em cada ciclo, da qual se obtêm entre 10 e 20 óvulos, muitos dos quais serão fecundados, pode-se facilmente concluir que os embriões que não viram a luz na Europa durante 2005, ano a que se refere o estudo, são vários milhões.
ZENIT: No entanto, hoje, 1 ou 2% das crianças que nascem na Europa ou América do Norte são de proveta. C. Hoog, do comitê do Nobel de medicina, disse que “é um tratamento seguro e efetivo, segue regras estritas; os estudos feitos ao longo desses anos determinam que as crianças de proveta são tão saudáveis como qualquer outra”. Isso é certo? Ou sabemos se há maior risco de contrair enfermidades congênitas as pessoas fecundadas in vitro?
Pablo Requena: Não é de estranhar que as clínicas que se dedicam à reprodução assistida sustentem que a saúde das crianças nascidas da proveta seja igual à das concebidas naturalmente: é muito o dinheiro envolvido (em um artigo científico de 2010 diz-se que os custos na Austrália e Nova Zelândia estão em torno de 27 mil dólares em mulheres entre 30-33 anos e 187 mil em mulheres entre 42 e 45).
Infelizmente, a fecundação assistida converteu-se em um negócio como pode ser o da fabricação de móveis sob medida, com todos as características da produção industrial e os controles de qualidade pertinentes.
Este negócio está-se separando cada vez mais da ideia original, nascida no âmbito clínico, que tentava solucionar um problema de infertilidade.
Segue-se acudindo às clínicas, e a aparelhagem e instrumental continua sendo a própria da medicina; no entanto, a relação não é a tradicional entre médico e paciente, mas a de técnico-vendedor e cliente.
Voltando à pergunta, é claro que os vendedores hão de falar bem de seus “produtos”. Surpreende mais que as pessoas de ciência, que são muito rigorosas em suas análises e apreciações técnicas, façam depois comentários tão pouco “científicos” com a intenção de proteger essas técnicas.
É verdade que a maioria das crianças que nascem da fecundação in vitro são sadias e normais. Mas também é verdade que as crianças nascidas com estas técnicas têm uma possibilidade maior de desenvolver má-formações de todo tipo. Isso não é uma opinião ou uma hipótese teórica, mas uma afirmação que
procede dos dados publicados pela literatura científica.
Três exemplos. Em 2004, publicou-se no Journal of Assisted Reproduction and Genetics uma meta-análise, que recolhia os dados de 19 estudos precedentes, em que se concluía que 29% das crianças procedentes da fecundação in vitro têm algum tipo de má-formação, de maior ou menor gravidade: desde o lábio leporino a má-formações cardíacas importantes.
Outro informe, promovido pelo Ministério da Saúde da Nova Zelândia, em 2005, que recolhe a bibliografia internacional até a data, procedente dos países onde se realiza a fecundação in vitro, assinala que as crianças produzidas através da técnica ICSI (intracytoplasmic sperm injection), uma das mais empregadas atualmente, têm um risco três ou quatro vezes maior que as crianças concebidas naturalmente de apresentar anomalias cromossômicas, em boa parte devido aos problemas genéticos paternos que se transmitem através desta técnica.
O último exemplo procede de um artigo recentemente publicado na revista Human Reproduction. Trata-se de um estudo realizado em uma população de mais de 90 mil crianças. Uma de suas conclusões é que a paralisia cerebral, que normalmente se encontra em 1 a cada 400 nascidos, nas crianças produzidas in vitro se dá em 1 a cada 176.
ZENIT: Por que não é aceitável do ponto de vista moral a fecundação in vitro?
Pablo Requena: O problema da infertilidade é muito sério, tem graves repercussões na vida de muitos casais e traz grande sofrimento. Nesse sentido, é lógico que os casais que não conseguem ter filhos procurem ajuda técnica.
O problema moral da fecundação in vitro não está na artificialidade das técnicas, e muito menos na suspeita perante a ciência. É mais, em um importante documento da Santa Sé sobre essas questões, afirma-se que a Igreja “olha com esperança para a investigação científica, esperando que muitos cristãos se dediquem ao progresso da biomedicina e testemunhem a própria fé nesse âmbito” (Dignitas personae, n. 3).
A medicina utiliza continuamente instrumentação artificial, e não dizemos que seja mau. Pense-se, por exemplo, na substituição de uma válvula cardíaca danificada por outra mecânica, que pode salvar a vida de um paciente: não só não dizemos que não apresenta problemas éticos mas que desde o ponto de vista amoral é algo muito bom, e portanto se deve fazer quando for possível.
Qual é a diferença com as técnicas de fecundação artificial? Aqui o problema fundamental é que se considera um ser humano, um filho, como um “produto”, como algo que de alguma forma me pertence e posso programar, selecionar, manipular… e destruir. Mas isso não é adequado para os seres humanos: pode ser para as máquinas, pode ser – em alguns casos – para os animais, mas nunca para o homem. Este é muito importante para ser “fabricado”.
Por isso, dizemos que o único lugar adequado para dar origem a um ser humano é o ato de amor de seus pais. Isso certamente não significa que a dignidade das crianças concebidas in vitro, como as que pudessem proceder de uma violência, seja menor que as dos filhos de um casamento. E é justamente pela grande dignidade que têm que esses modos de “chamá-los à existência” resultam inadequados.
Além disso, não se deve esquecer a grande quantidade de vidas que se perdem pelo caminho, e os inumeráveis embriões congelados que atualmente enchem os depósitos das clínicas de fecundação assistida. Esta razão não é válida somente para a pessoa de fé, mas para todos que quiserem proteger na
sociedade a vida humana em todas as suas formas.
ZENIT: Que tanto influi nisso a ideologia da maternidade e paternidade como direito e não como dom?
Pablo Requena: Na sociedade atual, mudou muito a percepção do filho.
Durante muito tempo, foi considerado como um dom, como um presente. Essa visão está muito unida a uma concepção religiosa da existência, que vê os pais como colaboradores de Deus, e em certo modo como seus ministros na tarefa de cuidar e educar os filhos. Em todo caso, o filho não era visto certamente como um direito, como alguns o consideram agora, porque não pode ser isso. Nenhuma pessoa tem o “direito” de possuir a outra: pode-se possuir uma casa, um carro… mas não uma pessoa. Por esse motivo, a escravidão é um mal, porque nenhum homem pode ser “dono” do outro.
Se se afirmasse que existe um direito ao filho, se estaria dizendo que alguém (a comunidade” tem o dever, a obrigação, de me dar aquilo; e se estaria dizendo ao filho que ele é o “produto” de um direito de seus pais.
Mas isso supõe tirar do filho a dignidade próprio da pessoa e o direito de ser concebido através de um ato de amor.
ZENIT: Como médico, sacerdote e professor, que diria a um casal de esposos que quer ter filhos e não pode de maneira natural?
Pablo Requena: Em primeiro lugar, diria que fossem a um centro de ajuda à procriação, como o que há no hospital Gemelli aqui em Roma, onde possam realizar um estudo a fundo das causas do problema, para ver se existem possibilidade terapêuticas moralmente adequadas para sua situação. Em não poucos casos existem, sem necessidade de fazer a fecundação in vitro. No entanto, em outras ocasiões, os esposos descobrirão que não é possível realizar seu desejo, tão legítimo e bom, de ter filhos. Nesse caso, com a ajuda de toda a comunidade eclesial, podem descobrir que esta impossibilidade não é alheia a seu caminho vocacional cristão. A Igreja sempre ensinou que “os esposos que se encontram nesta dolorosa situação são
chamados a descobrir nela a oportunidade para uma particular participação na cruz do Senhor, fonte de fecundidade espiritual” (Donum vitae, n. 8).
Não se trata certamente de um caminho fácil, mas sabemos bem que “é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida” (Mt 7, 14).
Talvez será necessário um tempo, um tempo longo, para entender o modo de viver o chamado de Deus à paternidade e maternidade de uma maneira diferente, mas não menos eficaz e feliz. Há muitos exemplos de pais que nunca puderam ter filhos e que se sentem muito unidos e muito realizados em seu casamento.
(Carmen Elena Villa)