Sétimo Dia

 

O que conta mesmo é o amor. De qualquer modo, só o amor importa. Feliz daquele que pode morrer tendo ao seu lado alguém que o ama a lhe fazer massagem. Ah! O amor e seus milagres.

Escrevo um dia depois de participar de uma celebração de sétimo dia de falecimento. Quando criança em Lavras, Minas Gerais, sempre ouvia pela única rádio da cidade os comunicados de falecimento e os convites para a missa de “sétimo dia de passamento”. Aprendi na catequese católica e também com o meu povo simples a importância do sétimo dia.

Biblicamente o sete diz muito. Número que nos remete à completude, inteireza, perfeição. Afinal, não é à toa que Deus fez o mundo em seis dias e no sétimo descansou, não é mesmo? São várias as listas de sete. Para lembrar, temos os sete sacramentos, os sete dons do Espírito Santo e até mesmo sete pecados capitais.

Ainda nas memórias de criança em Lavras ressoa em minha mente a missa em “sufrágio pela alma” e pela remissão dos pecados do falecido. Hoje sabemos. Não precisa necessariamente ser no sétimo. O importante são nossos rituais de oração e referencia àqueles que amamos e sentimos saudades. Celebrar missa de sétimo dia carrega em seu simbolismo a esperança viva de ressurreição e vida eterna.

Já presidi muitas missas de “sétimo dia”, mas confesso que a de ontem, foi muito especial. Primeiro, pelo fato de seu Santo – esse era o nome do amigo, realmente deixa saudades. Segundo, por poder testemunhar uma linda experiência de fé no coração de uma família e de uma comunidade.

Santo Costa Neto faleceu no dia 26 de janeiro à 00h05, vitimado por um violento câncer que atingiu principalmente o fígado. Natural da pequena e italianíssima Botuverá/SC viveu 53 intensos anos exercitando a arte de relacionar-se. Todos que se aproximavam de Santo, gostavam logo dele. Quantas histórias! Ouso dizer: santo no nome dado pelos pais no batismo, santo no corpo purificado pelo sofrimento do qual nunca reclamou, santo na alma forjada na fé, nos valores, na família.

Enquanto a missa seguia serena e os gestos sacramentais iam imortalizando aquela memória, eu mesmo fazia lembrança destes sete dias tão intensos ao lado da família de seu Santo. Olhava para seus pais, Nono e Nona e me encantava com o casal de velhinhos ardorosos em sua oração pelo filho. Olhava para a filha Elida e me lembrava de seu Santo dizendo do casamento da filha que ele não levará ao altar, mas que abençoou no profundo amor de pai que quer o melhor para os que gerou. Olhava, com carinho para o filho Elinton, para muitos, Italiano, e dizia: “seu Santo, falta pouco, mais uns meses e ele será padre e em todas as missas que ele celebrar você estará lá, ressuscitado com Cristo. Você o encontrará sempre na Eucaristia. É a Eucaristia, o melhor lugar para encontrarmos os que amamos”. Olhava para a Esposa, agora viúva, D. Dete e agradecia a Deus a força do amor. Recordava-me do que testemunhei no hospital. Seu Santo imóvel em seu sofrimento. D. Dete ao seu lado constantemente massageando o abdômen inchado do marido. A cena passaria desapercebida se eu mesmo não tivesse presenciado o seguinte: quando outra pessoa fazia o mesmo gesto, mesmo seu filho Italiano, ele sempre sinalizava a presença de dor. Mas quando a esposa era quem fazia ele silenciosamente vivia aquele momento. Pus-me a pensar, das duas uma: ou o amor de D. Dete por ele era tanto que o amor contagiava as mãos e por isso impedia a dor e de fato ele estava imunizado a ela, ou o amor de seu Santo era tanto que mesmo sentindo dor, a suportava simplesmente pelo prazer e a alegria de ter por aquele espaço de tempo que lhe restava a esposa que amou e escolheu como companheira pela vida “até que a morte os separe”.Bem. Não importa. O que conta mesmo é o amor. De qualquer modo, só o amor importa. Feliz daquele que pode morrer tendo ao seu lado alguém que o ama a lhe fazer massagem. Ah! O amor e seus milagres.

Olhava para aquele povo e ia recompondo ao longo da semana todos os dias de terço rezados com a família. Todos os dias, no mesmo horário até a missa de sétimo dia estavam lá na casa do seu Santo, familiares e amigos, junto da família em sua saudade.

Feliz daquele que quando morre tem amigos e se encontra cercado de relacionamentos significativos. Perguntei-me: “Padre, se você morresse hoje, quem choraria por você?
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Obrigado seu Santo. Missão cumprida! Sentiremos saudades! Até o reencontro definitivo!
Por hora, “àqueles a quem a dor da saudade entristece, a certeza da ressurreição consola”.

Fique na paz de Deus!

Pe.Vicente,scj
Comunidade Bethânia