Por: Geraldo Majella Agnelo * A missão de Paulo, recebida de Cristo, esteve sempre em seu coração de tal modo que nem a prisão, nem as torturas, nem as adversidades de toda ordem puderam sufocar o ímpeto para estar pronto a anunciar o Cristo Jesus morto e ressuscitado. A cena da oração de Paulo no templo de Jerusalém encerra-se com uma ordem do Senhor: “Vá! É para longe, é para os pagãos que eu vou te enviar” (Atos 22,21). Assim, Paulo é encarregado de levar a termo o programa confiado aos discípulos por Jesus ressuscitado antes de sua ascensão aos céus: “para serem minhas testemunhas até os extremos da terra” (Atos 1,8). Paulo não descreve com a palavra conversão o acontecimento extraordinário e vibrante no caminho de Damasco. É chamamento, missão para o resto de sua vida. O que mais caracteriza a vida e a missão de Paulo é a mobilidade, a itinerância. Ele não se instala, não se acomoda, não se fixa por muito tempo num só lugar. Está sempre a caminho. Anuncia o evangelho, cria uma comunidade eclesial, parte sem jamais a esquecer. Parte de novo, vai além, é inquieto, vai para frente, avança, como que “esquecendo-me do que fica para trás e avançando para o que está adiante, prossigo para o alvo” (Filipenses 3,13-14). Exorta as comunidades dos cristãos a progredirem, a crescerem, motiva-as a procurar e realizar o melhor porque a vida cristã é realidade dinâmica e assim deve ser vivida: “E é isto o que peço: que vosso amor cresça cada vez mais” (1,9). “O Senhor vos faça crescer e ser ricos em amor mútuo e para com todos os homens” (1Tessalonicenses 3,12). “Aprendestes pessoalmente de Deus o amar-vos mutuamente, e é o que fazeis muito bem” (4,9-10). A missão brota do coração do Senhor, crucificado e ressuscitado. Não se apóia sobre a eficácia das técnicas humanas, mesmo se, muitas vezes, delas se serve. Ela conta sobre a fecundidade do Amor divino que inspira, penetra e sustenta todas as suas empresas. Não é tanto o que nós fazemos o mais importante, mas o Amor divino pelo qual nós o fazemos. Porque é o Amor divino que faz nascer a vida, mesmo lá onde toda a vida parece impossível. Quem de nós é capaz de engendrar a vida divina? Ninguém! Não está ao nosso alcance! Não é nem fácil, nem difícil, é divino, é de Deus em nossa história! Desde alguns anos, os que freqüentam o centro da cidade de Salvador, começaram a encontrar um “mendigo” estranho. Por vezes como os outros, entretanto todo diferente. A bondade de seu sorriso, algum resto de sotaque francês, uma Bíblia no fundo de sua única sacola, uma vida de fé que o faz comungar todos os dias do Corpo e do Sangue do Senhor. O seu nome Henrique, o Peregrino, Henrique da Trindade. Ele vive segundo a tradição de monges eremitas, peregrinos do Oriente cristão, no meio dos habitantes de ruas, de quem ele partilha as privações, as perseguições contínuas, em poucas palavras, os sofrimentos e as alegrias. Percorrendo quilômetros, ele é o Irmão universal de todo este pequeno povo: crianças, adultos ou velhos que não contam mais senão com Deus e sofrem tanto da parte das demais criaturas humanas. Após vários anos desta vida, o Irmão Henrique veio ter comigo que acabava de assumir o arcebispado de Salvador. Ele me apresentou sua “comunidade” sem igual. A caridade a mais simples, a Regra de Vida. Deus habita neles. Que poderia eu fazer? A Arquidiocese pôs à sua disposição uma igreja desativada próxima do porto marítimo e do mercado de São Joaquim. A igreja tornou-se a sua morada. Por disposição especial da Providência de Deus, esta igreja é chamada, há séculos, igreja da Trindade. Creio que as velhas pedras da sua construção não compreendem bem que somente agora ganharam um nome tão grande! Nenhum meio humano é eficaz para transformar os excluídos de uma sociedade em comunidade à imagem da Santíssima Trindade. É a obra divina da Caridade. Ela se espalha como uma água pura e reúne as pessoas, ultrapassa todas as esperanças humanas, para fazer nascer a obra de Deus. Ela enfrenta mil obstáculos, deve se manifestar desinteressada, perseverante, capaz de perdoar e de recomeçar tantas vezes quanto for necessária. Ela deve purificar, renovar-se. Ela é a Caridade de Cristo Jesus que passa pelo coração de homens e de mulheres que não têm nada mais precioso do que ela nesta terra. * Cardeal Geraldo Majella Agnelo, arcebispo de São Salvador da Bahia, BA.
Fonte: CNBB |