Os sapatos que o jornalista iraquiano atirou contra o Presidente Bush ocuparam largo espaço em toda a mídia. Eles se tornaram uma espécie de personagem que todos conhecem muito bem, mas que fica esquecido ou num armário ou então nos pés que os calçam. De repente, seja por um calo, seja por um gesto emocional, os sapatos passaram a ser um referencial obrigatório nos últimos dias.
De fato, ainda que por vezes esquecidos, os sapatos são nossos eternos companheiros, desde o nascimento até à morte. Quando uma criança está para nascer, uma das primeiras preocupações dos pais e padrinhos é tecer sapatinhos de lã; quando as crianças fazem primeira comunhão, ao menos em se tratando de meninas, lá vão as mães à procura de sapatos brancos para compor com o restante das vestimentas; quando o adolescente dispara no processo de crescimento, os pais vão ter que providenciar sapatos novos várias vezes ao ano.
Em meio a tantos tipos de sapatos não podem ser esquecidos os sapatos das noivas, nem os sapatos das mulheres mais vaidosas, que dão mostras de verdadeiras acrobacias para se equilibrarem no alto de uma espécie de Tour Eiffel, tão alta e tão fina que chega a ser um símbolo de como se pode burlar as leis da gravidade.
Mas é claro que quando se fala em sapato, ainda mais no tempo de Natal, também nunca se deixa no esquecimento os sapatos-botas do Papai Noel. São eles que enfeitam lojas e portas e janelas das casas. São eles que lembram histórias de um Papai Noel que, sempre de madrugada, descia pela chaminé para deixar na lareira os esperados presentes das crianças.
E agora vem a pergunta: mas o que têm a ver entre si os sapatos atirados contra o Bush, os sapatinhos das crianças, os sapatos da primeira comunhão, os sapatos dos adolescentes os sapatos das moças vaidosas e as botas do Papai Noel? Tudo a ver, embora sob ângulos diferentes.
No caso Bush tratava-se de manifestar o repúdio por uma invasão criminosa de deixou milhares de mortos e mutilados, física, psíquica e afetivamente; no caso dos recém-nascidos, é a manifestação da expectativa dos pais e parentes de que as crianças comecem logo a andar com suas próprias pernas; no caso dos adolescentes: que se tornem logo homens e mulheres adultos; no caso das moças vaidosas: que não sofram males maiores em suas colunas e não percam seus preciosos sapatos espetados em alguma fresta. E no caso do Papai Noel? Bem o caso aqui é necessário um comentário à parte.
Ainda que o Papai Noel americanizado seja o símbolo do consumismo e dos lucros injustificáveis obtidos às custas de uma exploração mais do que injustificável (daí a barriga enorme) e por isso deva ser desprezado, nada nos impede de tentarmos recuperar as origens do Papai Noel.
Ele nos remete a um santo dos primeiros séculos, São Nicolau, que, ao menos segundo as lendas, carregava sacos de brinquedos para as crianças pobres por ocasião do Natal. Lenda ou não, encontram-se aqui um profundo sentido espiritual e uma chave de leitura para todos os sapatos. Todos eles carregam consigo sonhos de fundamental importância para a humanidade.
Naturalmente estamos falando do sonho de repúdio a todo tipo de violência e o sonho de todo tipo de solidariedade, no sentido do desejo de que todos possam andar com seus próprios pés, para se fazerem presentes (e não só receber presentes) como personagens que contribuam para a construção de uma nova humanidade: de solidariedade, de carinho e de paz.
Naturalmente estamos pressupondo uma realidade aos poucos esquecida: a vinda do Filho de Deus a este mundo, como o sonho mais importante da humanidade: o de poder conviver com o próprio Deus, tendo seu Filho como guia seguro em meio a tantas interrogações e a tantos desafios.
Dr. Frei Antônio Moser
Teólogo