A transparência é um dos mais valiosos pontos de equilíbrio e de referência nos desdobramentos de processos institucionais e no estabelecimento sadio de relações interpessoais. Em âmbito internacional, institucional, nos processos de controladoria e na prática das auditorias, fica claro o quanto é ouro a transparência. Comprometida a transparência, qual seja o nível, os prejuízos são enormes. Entre os maiores comprometimentos está a conduta pessoal não-transparente no manuseio de coisas, no estabelecimento dos relacionamentos e no exercício de responsabilidades. Trata-se de um comprometimento tão grave que não poupa nenhuma das instituições – políticas, governamentais, privadas ou religiosas – de grandes dificuldades, levando-as ao fracasso ou à incompetência no atendimento de seus propósitos, finalidades e missão.
Considerando-se a pessoa, sua autoridade, o desenvolvimento de seu potencial de liderança e o bem que pode fazer, tudo é proporcional à capacidade de ser transparente. No entanto, não é tão simples. O descartável da configuração contemporânea está temperando o desafio de ser transparente, aportando riscos sempre mais graves para o presente e futuro da sociedade e da humanidade. Há sempre um comprometimento da transparência, seja pela fluidez na personalidade, por comprometimentos na estrutura do próprio caráter, por conveniências e, mais grave, por perversidades que nascem do desejo de poder e do apego ao dinheiro.
É triste observar o que está se tornando configuração cultural pela prática da mentira. Esta tem sido um forte contraponto, minando a grandeza e a nobreza da transparência, qualidades estas que se conquistam com um permanente exercício e por meio de disciplina, que diariamente deve corrigir vícios e relativizações perigosas quanto à palavra pronunciada, ações efetivadas e sinceridade em todos os atos, sem deixar de considerar aqueles de menor monta social e política, os domésticos e rotineiros. A preciosidade da transparência é uma construção e uma conquista. Não é um produto pronto, disponível em lojas e supermercados. Seu lugar é a interioridade, a personalidade, o caráter, a capacidade de participar de processos com lisura e dignidade. O apóstolo Paulo, dirigindo-se em Carta aos Romanos, conhecedor deste desafio que aflige a humanidade e envenena o seu percurso, recomenda a sinceridade no amor: “O amor seja sincero. Detestai o mal, apegai-vos ao bem” (Rm 12,9). O amor sincero é apreço pela verdade.
Há um compromisso prioritário e irrenunciável que é não comprometer a verdade por uma visão interesseira ou adulterada. Há um poder, com o uso da palavra, que está ao alcance de todos. O controle mais eficaz é a própria consciência e o uso adequado da liberdade. É comum a adulteração da verdade no uso da palavra, quando se espalha uma leitura distorcida da realidade e se avalia de maneira estreitada uma circunstância ou uma conduta. Hoje, é sempre maior o risco de comprometimentos da verdade e, consequentemente, do amor sincero, em razão da necessidade de assegurar, nas questões maiores ou rotineiras, um voto para si, especialmente quando se trata de cuidar da própria imagem. Compreendeu-se que a tentativa de manipulação da verdade é mais rentável. Está sendo travada uma luta insana em se tratando da apropriação autoritária e uniforme da palavra. É uma clara pretensão de poder que precisa ser permanentemente desmontada sob pena de totalitarismos, manipulações e prejuízos grandes para a vida da humanidade.
A liberdade do uso da palavra tem recebido balizamentos nas legislações exatamente para que se tenha clareza a respeito dos limites e implicações do seu uso. Do contrário, as sociedades continuarão reféns dos poderosos, dos ditadores, dos iconoclastas e dos mentirosos. Por isso, toda consciência amante da verdade é chamada à dupla tarefa de vigilância e denúncia crítica. Este é um compromisso determinante da consciência cristã. Paulo apóstolo também recorda, escrevendo aos Gálatas, que ‘para a liberdade Cristo nos libertou’. É a liberdade da verdade que liberta e que põe o cristão em alerta diante de qualquer concessão ativa ou passiva à mentira.
Cada cidadão tem uma grande responsabilidade não só pela palavra contrária ao pensamento, mas também por todo poder da palavra – que não serve à verdade para maior comunhão na comunidade e no relacionamento cotidiano. O comprometimento da verdade, em qualquer circunstância ou grau, afeta o amor sincero que se deve a cada pessoa. Isto prejudica a própria dignidade, gerando degradação moral e pessoal. No exercício para a conquista da transparência ajuda um provérbio árabe: “Somos senhores das palavras que não pronunciamos, mas escravos das que nos escapam”.
Por:Dom Walmor Oliveira de Azevedo