Paulo o Irreprimível Apóstolo

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A conversão no caminho de Damasco 

O propósito da viagem de Saulo a Damasco é defender a causa de Deus, guardar a pureza da revelação. A situação explodira anos antes em Jerusalém, numa das sinagogas de judeus de língua grega.

Saulo recorda bem a cena: as palavras arriscadas de Estevão contra a Lei e o templo; a acusação, a sentença, a lapidação. Ele esteve presente. Como um tumor, a heresia dos “discípulos do Caminho”, depois chamados “cristãos”, havia se difundido, criando “desordens” entre o povo. As autoridades intervinham de modo drástico. Os mesmos problemas verificavam-se além dos confins da Judéia.

O Sinédrio de Jerusalém, com autoridade moral sobre as sinagogas espalhadas pelo império, enviava emissários para conter a situação. Saulo é um deles. Um Messias crucificado.. que imbecilidade! Pessoas inteligentes podem chegar a tanto?

Saulo antevê os muros de Damasco. As energias perdidas no caminho se renovam, o ânimo se acende, o espírito se prepara para o encontro com as autoridades da sinagoga local. A luz do dia é forte: meio dia, faltam poucos quilômetros, mas, improvisamente a viagem é truncada. O sol se apaga. Um incidente? Não. Uma emboscada? Um violento choque na encruzilhada? Um terrível impacto? Sim. Uma ruptura interior? Sobretudo.

Saulo tentará explicar o que lhe sucedera: luz, voz, queda, cegueira, revelação, graça… Uma coisa é clara: Saulo foi raptado interiormente. Uma experiência que muda violentamente o centro de orientação da sua vida.

Não existe outro Evangelho! Para Paulo o Evangelho é uma pessoa viva dentro de si: Jesus de Nazaré. A boa notícia não é tanto o que decorre do estupor confuso, diante de um túmulo vazio, na manhã daquele primeiro dia da semana depois do sábado da Páscoa do ano 30 d.C., mas a experiência do Cristo vivo em seu coração, que de dentro repete o seu anúncio e revive o seu mistério pascal. O Evangelho é Ele, Mestre interior e Pastor incansável, que se serve da mente, da vontade, do coração, das forças físicas dos fiéis para pensar, querer, amar, agir. Uma força interior que dilata todas as dimensões da personalidade.

Não existe outro Evangelho. Este é o grande fruto da experiência de Damasco que revolucionou o mundo interior de Paulo. Tudo mais é nada: ser hebreu, pertencente à tríbu de Benjamim, circuncidado, a formação farisaica…  Nada pode ser equiparado ao conhecimento de Jesus Cristo, à experiência de ter sido por ele arrebatado, preso, conquistado.

Escrevendo aos irmãos gálatas, 1, 8, o apóstolo é ainda mais drástico e declara: “Se nós mesmos ou um anjo do céu vos pregasse Evangelho diverso daquele que vos pregamos, seja anátema. Não existe outro Evangelho”.

A identidade cristã deve gratidão a Paulo pela sua firmeza, quando “os discípulos do Caminho” foram tentados a identificar-se como nova corrente religiosa do judaísmo do primeiro século. Paulo os liberta de seus medos, tira-os de suas seguranças, desmascara compromissos aninhados em seus pensamentos. Não existe outro Evangelho.

O suporte da existência não pode ser substituído nem com a observância da Lei, nem com a prática da circuncisão: no centro está Cristo, somente Ele. E se está Cristo, existem dois braços estendidos, à direita e à esquerda: aos judeus e aos pagãos, aos escravos e aos cidadãos livres, aos homens e às mulheres. O universalismo de Paulo, verdadeiro, fecundo, nasce aqui, não em Tarso. Em Cristo, com Cristo, por Cristo. Não existe outro Evangelho.

Com o exemplo de Paulo e das primeiras comunidades, é urgente desenvolver as ocasiões de diálogo com nossos contemporâneos, sobretudo onde se joga o futuro do homem e da humanidade. Os areópagos que solicitam hoje o testemunho dos cristãos são numerosos; eu vos encorajo a estar presentes no mundo. Como o profeta Isaias, os cristãos são colocados quais sentinelas em cima da muralha, para discernir os desafios humanos das situações presentes, para perceber na sociedade os germes de esperança e para mostrar ao mundo a luz da Páscoa, que ilumina com um novo dia todas as realidades humanas” (João Paulo II, 5 de maio de 2001).

Fonte: CNBB – por Dom Geraldo M. Agnelo, cardeal Arcebispo de Salvador

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