Como ler a Bíblia?

Print Friendly

Parte I: A criação como Palavra de Deus

Para a fé cristã a Palavra de Deus não se resume apenas as Sagradas Escrituras. A Palavra de Deus é o Verbo de Deus que se fez carne e habitou entre nós. O prólogo do evangelho segundo João diz que “tudo começou a existir por meio d’Ele, e, sem Ele, nada foi criado” (Jo 1,3), “tudo foi criado por ele e para ele” (1,15). A Palavra de Deus está na criação, a criação não é a Palavra de Deus, mas está imbuída dela. Como diz o salmo: “Os céus proclamam a glória do Senhor e o firmamento a obra de suas mãos” (Sl 19,1).

036

“Deus se revela na criação e na história.” (Galeria/cancaonova.com)

Como a criação revela Deus? A Sagrada Escritura nos convida a conhecer o Criador, observando a criação (cf. Sb 13,5; Rm 1,19-20). Segundo Bento XVI, “a tradição do pensamento cristão soube aprofundar este elemento chave da sinfonia da Palavra, quando por exemplo, São Boaventura que, juntamente com a grande tradição dos Padres Gregos, vê todas as possibilidades da criação no Logos – afirma que ‘cada criatura é palavra de Deus, porque proclama Deus” (Verbum Domini, parágrafo 8). A palavra de Deus é sua revelação. É muito importante compreender o significado católico desse termo e sua relação com a criação.

:: Avivamento em Belo Horizonte

Deus se revela na criação e na história. A Revelação de Deus na história é chamada de história da salvação. O termo revelação vem de ‘revelare’ em latim que significa desvelar, tirar o véu, descobrir, tornar manifesto, público. Deus, estando oculto decide se apresentar à humanidade (Mysterium Salutis I, 211), tornar-se conhecido, acessível a cada um.

Como Deus se revela?

A Igreja Católica durante o Concílio Vaticano I, refletiu sobre o tema e afirmou que Deus se revela de diversas formas. Ele se revela por vias sobrenaturais e naturais. Segundo o Concílio, a revelação natural está na obra da criação como disse o apóstolo Paulo em Rm 1,20: “Com efeito, desde a criação do mundo, as suas perfeições invisíveis, eterno poder e divindade, são visíveis em suas obras, para a inteligência”. Deus, em suas obras, se apresenta como fundamento e fim de todas as coisas (Misterium Salutis, 211).

O conhecimento de Deus é acessível à inteligência. Ou seja, ao analisar a origem de todas as coisas, as formas de cada ser, é possível perceber uma Inteligência suprema, uma realidade viva, onipotente e eterna, a qual pode ser chamada de Deus, o Criador. A natureza não podendo dar origem a si mesma do nada é criatura, necessitada de um Criador. A humanidade sendo imagem e semelhança de Deus o revela de forma muito superior às demais criaturas. A razão, a liberdade, a vontade, a consciência e outros atributos humanos são reflexos do Criador. Conhecer a si mesmo em sua essência, conhecer a essência do ser humano é conhecer por analogia seu Criador. Além disso, dentro do ser humano existe uma lei natural, a qual manifesta à consciência os mandamentos de Deus.

89

“A Palavra é o meio utilizado por ele para falar de seu interior.” (Galeira/cancaonova.com)

Bento XVI afirmou: “Contemplando o universo na perspectiva da história da salvação, somos levados a descobrir a posição única e singular que ocupa o homem na criação: ‘Deus criou o homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher’ (Gn 1,27). Isto permite-nos reconhecer plenamente os dons preciosos recebidos pelo Criador: o valor do próprio corpo, o dom da razão, da liberdade e da consciência. Nisto encontramos também tudo aquilo que a tradição filosófica chama ‘lei natural’. Com efeito ‘todo ser humano que atinge a consciência e a responsabilidade experimenta um chamamento interior para realizar o bem’ e, consequentemente, evitar o mal” (Verbum Domini, parágrafo 9).

Contudo, embora a criação apresente Deus, não o revela totalmente. Por isso, o Concílio Vaticano I afirma que a revelação sobrenatural é necessária para que as coisas divinas sejam conhecidas facilmente (DS 2005).

:: Por que ler a Bíblia?

A revelação sobrenatural não está nas criaturas em geral e nem no homem e não pode ser alcançada pela inteligência humana. Trata-se de algo que ultrapassa a história, o tempo e o espaço. A revelação sobrenatural é a ação de Deus de dar-se a conhecer, é o ato Dele dizer de si mesmo. Portanto, a Palavra é o meio utilizado por ele para falar de seu interior. A criação aponta quem é Deus, a Revelação diz como ele é. Portanto, enquanto a revelação natural está em suas obras, a sobrenatural está em sua Palavra (Misterium Salutis, 213) condensada na pessoa de Jesus Cristo e apresentada nas Sagradas Escrituras.

Amar cada detalhe da criação, amar e contemplar sua beleza, sua ordem, sua harmonia nos permite contemplar a Deus. No Catecismo da Igreja está escrito: “Cremos que o mundo procede da vontade livre de Deus, que quis fazer as criaturas participar de seu ser, de sua sabedoria e de sua bondade” (CIC, 295). A Bíblia deve ser lida como a fonte principal da Revelação divina, mas não como única.

No próximo artigo, falarei sobre a revelação sobrenatural, como Deus se revela nas Sagradas Escrituras.

Até a próxima!

Prof. Leandro César
Mestre em Sagrada Escritura

e-mail: leandrocesarcn@gmail.com
Blog.: professorleandrocesar.blogspot.com
Youtube: Canal Anástasis

Fontes:
BENTO XVI, papa. Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini. Ao episcopado, ao clero, às pessoas consagradas e aos fiéis leigos. Sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2010.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Edição típica vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
FEINER, Johanes – LOHRER, Magnus (dirigentes). Mysterium Salutis. Manual de Teologia como historia de la salvacion. Vol. 1. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1969.

Leia mais: 
:: Atitudes cristãs na sociedade
:
:Onde estão os teus sonhos?
:
: Você é uma pessoa desapegada?

agenda