Será mesmo que a Igreja autorizou a benção para casais homossexuais?
Diante de tanto rebuliço das mídias em relação ao Documento publicado hoje pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, Padre José Eduardo, bem conhecido por todos nós, e Doutor em Teologia Moral, deu uma entrevista para realmente esclarecer o documento!
Vamos a entrevista:
Padre, o Documento publicado hoje tem causado reações polarizadas, qual seria, afinal, a finalidade desse tipo de pronunciamento do Magistério em si?
Pe. José Eduardo: Como o próprio Card. Fernández, Prefeito do Dicastério, salientou logo na introdução, o documento é apresentado sob a tipologia de Declaração, que é o tipo mais simples de documentos magisteriais. Diferentemente de uma Instrução, que teria caráter mais normativo, uma Declaração é apenas uma manifestação do Magistério acerca de um tema controverso, mas não com a força de uma definição.
Qual seria o objetivo dessa Declaração?
Pe. José Eduardo: Como o próprio nome indica, “Fiducia supplicans”, “a Confiança Suplicante” com a qual o povo de Deus pede aos seus ministros, especialmente os sacerdotes, uma oração, uma invocação, uma bênção, uma ajuda para uma situação de suas vidas é o tema de fundo do texto, que pretende responder se esse tipo de auxílio pode ser dado a pessoas que não estão em condições moralmente regulares.
Então, o documento não altera a doutrina da Igreja em relação ao matrimônio?
Pe. José Eduardo: De modo algum, se lermos atentamente o texto do documento, e não as notícias veiculadas pela mídia, veremos que o Dicastério para a Doutrina da Fé faz exatamente o contrário: “trata-se de evitar reconhecer-se como matrimônio algo que não o é”, pois o matrimônio é “uma união exclusiva, estável e indissolúvel entre um homem e uma mulher, naturalmente aberta à geração de filhos”… “Esta convicção é fundada sobre a perene doutrina católica do matrimônio. Somente neste contexto as relações sexuais encontram o seu sentido natural, adequado e plenamente humano. A doutrina da Igreja, sob esse ponto, permanece firme” (n. 4).
O n. 4 do documento é claro e contundente, chegando a dizer que “são inadmissíveis ritos e orações que possam criar confusão entre aquilo que é constitutivo do matrimônio”. Portanto, não há nisso nenhuma ambiguidade. Pelo contrário, o Magistério apenas reafirma a sua posição perene.
Isso significa que o documento não traz nenhuma novidade?
Pe. José Eduardo: A Declaração apresenta uma evolução na compreensão teológica das “bênçãos” e, neste sentido, abre uma nova perspectiva. Sem excluir que uma bênção nunca “pode oferecer uma forma de legitimação moral a uma união que se presuma um matrimônio ou a uma práxis sexual extramatrimonial”, o documento afirma que “se deve evitar o risco de reduzir o sentido das bênçãos apenas a este ponto de vista, porque nos levaria a pretender, para uma simples bênção, as mesmas condições morais que se requerem para a recepção dos sacramentos” (nn. 11-12). Deste modo, o Dicastério deixa claro que está excluída qualquer concepção sacramental (matrimônio, confissão, eucaristia etc) relativamente a esses casos. Em outras palavras, é doutrina comum da Igreja que uma pessoa em pecado grave possa receber uma bênção.
Mas abençoar uma pessoa que está claramente em pecado grave não pode ser um escândalo para os outros fiéis? E isso não seria espiritualmente inútil?
Pe. José Eduardo: O Documento concretiza as circunstâncias em que tais “bênçãos” possam eventualmente acontecer: nunca dentro de uma celebração litúrgica, nunca dentro ou no contexto da celebração de algum sacramento (n. 24), nunca com um formulário litúrgico (nn. 32 e 35), sempre de forma privada (n. 40), sob o juízo cautelar do sacerdote ad casum (n.40), e sempre como uma oração espontânea pelos que pedem a bênção (n. 33), acompanhada de uma súplica para que façam a vontade de Deus (n. 20) e como meio de lhes pregar o querigma, a fim de que se convertam (n. 44).
A Declaração, ainda, afirma que “esta bênção nunca será dada no contexto de ritos de união civil e outros que estejam relacionais com esses. Nem com as vestes nupciais, os gestos ou as palavras próprios de um matrimônio. O mesmo vale quando a bênção é solicitada por uma dupla do mesmo sexo” (n. 39).
Em outras palavras, a Declaração apenas diz que nós, padres, em situações muito restritivas, podemos rezar por pessoas que estejam nessa situação. E isso, francamente, não me parece uma grande novidade. A novidade se dá na explicitação do alcance não litúrgico de uma simples bênção.
Mas, estando essas pessoas em pecado mortal, a tal bênção não seria inútil?
Pe. José Eduardo: A Igreja sempre ensinou que aqueles que estão em pecado mortal não estão em estado de graça habitual, mas podem receber aquilo que chamamos de graça atual, ou seja, um impulso sobrenatural que dispõe o homem ao arrependimento, à conversão e à recuperação da graça santificante. Neste sentido, rezamos pela conversão dos pecadores e podemos dar-lhes a bênção como um estímulo a que se aproximem mais do Senhor (Catecismo da Igreja Católica, n. 2000).
Portanto, a Igreja não estaria aprovando essas uniões nem incentivando as pessoas a assumir um estilo de vida contraditório com o matrimônio?
Pe. José Eduardo: Exatamente. Trata-se, na verdade, do contrário: a Igreja estende o seu braço materno na direção de todos os homens, fazendo o máximo que pode ser feito sem ferir os mandamentos de Deus. Não podendo dar os sacramentos nem podendo confirmar as escolhas intrinsecamente ilícitas dos seus filhos, a Igreja intercede por eles, invocando a bênção divina para que possam progredir no seu processo de conversão.
Esse documento tem a aprovação do Papa Francisco?
Pe. José Eduardo: Sim. Pertence aos documentos publicados ex audientia Sanctissimi, ou seja, são documentos do magistério papal, embora não sejam emanados diretamente por ele.
Como um fiel que vive a castidade pode entender que a Igreja abençoe pessoas que estão vivendo em situação oposta à que eles vivem, às vezes com muito sacrifício?
Pe. José Eduardo: A Declaração cita, no n. 27, um lindo texto do Santo Padre, em que ele faz uma breve teologia da bênção. Ali, ele afirma, no fundo, que Deus não desiste de nós, ainda quando estamos em pecado. Essa atitude é muito afinada com a eclesiologia do Papa Francisco, em que a Igreja sai ao encontro dos homens e das mulheres que estão do lado de fora, procurando cativá-los para que, progressivamente, adiram ao Evangelho. Creio que qualquer pessoa que esteja lutando para viver a conversão diária possa facilmente entender que outros precisem de um impulso para chegar ao seu mesmo nível de formação da consciência, ao seu mesmo comprometimento com a vida moral cristã.
Deus abençoe você!
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