Mortificação

A mortificação no processo de Libertação - Parte 3

A mortificação e os apegos às criaturas, e a renúncia àquilo que nos é lícito.

Um dos grandes problemas da atualidade é que as pessoas fogem a todo custo da dor! Mas ao fugir da dor, elas buscam algo que lhes sacie o prazer: seja o prazer no comer, no beber, no sexo, na diversão, não importa; o que elas querem é experimentar um pouco de alívio nesta vida, por meio de qualquer coisa que lhes gere um tipo de “boa sensação”.
Para estas pessoas, a mortificação se torna um caminho doloroso e desnecessário, uma vez que mortificar-se é escolher um tipo de “sofrimento”.

Eu já afirmei nos artigos anteriores que a mortificação tem como finalidade nos unir a Deus. Todavia, é necessário compreender que unir-se a Deus de forma intensa, é fruto de um desapegar-se das criaturas. Não há como amar verdadeiramente a Deus e estar apegado as criaturas. Calma! Não significa deixar de amar as pessoas, deixar de estar com elas e etc…Mas significa passar por uma purificação dos afetos, como dirá São João da Cruz:

O afeto e o apego da alma à criatura a torna semelhante a esta mesma criatura. Quanto maior a afeição, maior a identidade e semelhança, porque é próprio do amor fazer o que ama semelhante ao amado.
Assim, o que ama a criatura desce ao mesmo nível que ela, e desce de algum modo, ainda mais baixo, porque o amor não somente iguala, mas ainda submete o amante ao objeto do seu amor. Deste modo, quando a alma ama alguma coisa fora de Deus, torna-se incapaz de se transformar nele e de se unir a ele. A baixeza da criatura é infinitamente mais afastada da soberania do criador do que as trevas o são da luz“.

Tanquerey, vai dizer que: “A alma que não se mortifica em pouco tempo apega-se desordenadamente às criaturas“.

O pecado original, ao romper a nossa amizade plena com Deus, criou em nós um tipo de desajuste, na qual somos muito facilmente arrastados pelo “canto das sereias”, que seriam os prazeres e os apegos aquilo que é carnal.
Precisamos nos libertar de tudo aquilo que nos torna escravos e que não é Deus, para que isso seja preenchido com a presença de Deus que nos faz homens livres! Quanto mais Deus ocupar os nossos vazios, mais livres Ele nos faz para O escolhermos, e mais libertos vamos nos tornando dos pesos que carregávamos do que é da carne e do mundo.

Nesta luta, de um lado, temos toda a graça que o nosso Batismo nos concedeu, que permite sermos inseridos numa vida espiritual plena com Cristo e desenvolvê-la. Por outro lado, temos a própria vida de Cristo que precisamos imita-lá, e por isso, não podemos nos esquecer da vida austera e de renuncias vividas por Cristo, sua abnegação de si mesmo, seus sofrimento e sua morte dolorosa.
Faz parte da vida de todo cristão essa união ao sofrimento de Cristo, e é por isso que a mortificação faz parte de nossa vida, porque também nos ajuda a “morrermos”com Cristo.

Essa luta em nós é real: o impulso para uma vida plena em Cristo, e o desejo de se apegar ao prazer, às criaturas! É nessa luta que você precisa compreender que a mortificação te ajudará a matar o que em você tende para as paixões desordenadas e para as criaturas!
Você compreendeu até aqui que não é possível caminhar para Deus sem que tudo o que é da carne e do mundo, perca sua força dentro de você? Sem isso, é como querer correr tendo os pés atados com grandes bolas de ferro; não dá!

NECESSIDADE DA MORTIFICAÇÃO

A mortificação se torna portanto um meio de perseverarmos neste caminho de libertação plena e ao mesmo tempo nos preserva de cairmos em pecados graves, como expus no artigo anterior.
No inicio deste artigo, eu afirmei que as pessoas atualmente buscam o prazer e fogem da dor e do sofrimento. Mas quando por meio da mortificação, nós negamos aquilo que para nós seria até mesmo prazeres lícitos, fortalecemos assim a nossa vontade para resistir aos prazeres ilícitos! Esse caminho sendo repetido, vai nos fortalecendo para quando a sensualidade “bater a nossa porta”, conseguirmos dizer um NÃO!
Mas quem não está acostumado a dizer NÃOS com certa constância, não conseguirá dizer NÃO quando realmente precisar desta força!
Não é difícil de entender isso, se pensarmos naquelas pessoas que hoje fazem por exemplo, musculação. Elas não precisam em situações rotineiras, ficarem levantando objetos de 50 quilos por exemplo. Mas quando estão na academia, vão condicionando os seus corpos a aguentar cada vez mais uma carga maior de peso e assim vão ficando mais fortes. Quando surgir uma situação que exija realmente deles a capacidade de levantar uma carga pesada, eles farão com maior facilidade do que aqueles que não estavam fortalecendo os seus corpos. Estes estarão fracos e provavelmente falharão.
Assim também é o caminho da mortificação! Vamos nos fortalecendo, fazendo morrer as nossas vontades e a nossa sensualidade pelos NÃOS que livremente vamos dando com constância. Quando um dia as nossas paixões ‘gritarem’, ou o diabo investir contra nós, estaremos fortes e preparados para dizer os NÃOs necessários.

Creia: dizer NÃO àquilo que é errado e ilícito é mais fácil do que dizer NÃO àquilo que é lícito. Mas serão os NÃOs treinados naquilo é lícito, que nos fortalecerão quanto à necessidade dos NÃOs às coisas ilícitas!
A própria Palavra de Deus ensina que os atletas se esforçam e se privam de tantas coisas lícitas para conquistar uma coroa corruptível; quanto mais nós, cristãos, devemos nos esforçar para alcançar a coroa incorruptível! (I Cor 9, 25)

Mais uma vez, Tanquerey vem nos iluminar:

Devemos convencer-nos, portanto, que não há possibilidade de perfeição, nem de virtude, sem mortificação.
Como ser casto sem mortificar o apetite sensual que inclina tão fortemente para os prazeres perigosos e perversos? Como ter temperança, sem reprimir a gula? Como praticar a pobreza e até mesmo a justiça, sem combater a cobiça? Como ser humilde, manso e caridoso, sem dominar as paixões do orgulho, da ira, da inveja e do ciúme, que estão latentes na profundeza de cada coração humano? Não há uma só virtude, no estado de natureza decaída, que possamos colocar em prática por muito tempo sem esforço, sem luta e, portanto, sem mortificação“.

Podemos dizer, como Mons. Tronson, que “assim como a falta de mortificação é a origem de todos os vícios e a causa de todos os nossos males, a mortificação é o fundamento de todas as virtudes e fonte de todos os bens“.

Desapegar-se das criaturas e dos prazeres terrenos, mortificando-nos das coisas lícitas é o caminho mais seguro para que nossa mortificação gere bons frutos.

Deus abençoe você!

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