Será que não estamos “comercializando o Cristo”?
Estamos vivendo tempos estranhos! É claro que isso não diz de toda a nossa fé, mas de determinadas realidades específicas que estão acontecendo, e que estão gerando um certo tipo de divisão e confusão em meio ao povo de Deus, e que tem me feito refletir.
Tempos estes em que falar a verdade incomoda alguns, e se estes sentem-se incomodados, a tática é partir para a agressão verbal, para desmoralização da pessoa; mas jamais parar e refletir se aquilo que estamos falando não é realmente a verdade que precisa ser adotada.
Tempos de extremismos: os “moderninhos” que atacam os conservadores, e os conservadores que querem se sobressair sob a máscara do rigorismo moral!
No meio de tudo isso, de maneira muito sutil, quase que desapercebida, surge uma “ala”, a ala dos mercadores da Fé!
O que seria um mercador?
Por mercador podemos caracterizar um tipo de comerciante, de pessoas de negócios que trabalham com compra e venda em diversas ramificações em meio a sociedade.
Mas esta prática de mercador não é nova, é algo que se pratica há milênios de anos, inclusive tal prática é destacada e rigorosamente combatida nos Evangelhos, quando ela interfere diretamente na fé. Vamos nos recordar:
“Aproxima-se a Páscoa dos judeus, e Jesus subiu à Jerusalém. No templo, encontrou vendedores de bois, ovelhas e pombas, e cambistas instalados ali. Então fez um chicote com cordas e a todos expulsou do templo, juntamente com os bois e as ovelhas; esparramou as moedas dos cambistas e revirou suas mesas, e aos vendedores de pombas disse: “Tirai isso daqui. Não façais da casa de meu Pai um mercado!” Os discípulos se recordaram do que está escrito: ‘O zelo por tua casa me devora’.” (Jo 2, 14-17)
Não é comum vermos Jesus agindo de modo tão drástico, tão impetuoso! Talvez esta seja a única passagem que Jesus se utiliza de um tipo de agressão para expressar toda a sua indignação!
E por que Jesus se ira? Porque estavam fazendo da casa do seu Pai um mercado!
Ai está uma realidade que poucas pessoas tem falado, poucas pessoas tem a coragem de colocar o dedo nesta “ferida”, e é realmente uma ferida; e está acontecendo nos tempos atuais, mais do que grande parte de nós possamos imaginar, que é o “comércio da fé”!
Sei que muitos poderão tentar se justificar dizendo que não é comércio, afirmando que na palavra está escrito que “todo trabalhador é digno do seu salário” e dando outros tipos de justificativas; mas a realidade é que estas justificativas são uma tentativa de aliviar a sua consciência moral, mas que no fundo só serve para eles e para os incautos.
Para mim o grande problema é quando a vida religiosa, a vida missionária, a vida dentro do cristianismo é utilizada para se obter lucros sem fim, fazendo do cristianismo uma ponte para alcançar uma vida bem sucedida financeiramente; tornando-se verdadeiros mercenários!!
Mercenário é aquele que “age ou trabalha somente por dinheiro ou pelas vantagens que lhe são oferecidas; interesseiro.”
Fechar os olhos para estas realidades seria uma tolice da nossa parte, fingir que isso não está acontecendo dentro da Igreja, em nossas paroquias e comunidades, em nada ajudará a sairmos deste vício que adentrou em nosso meio.
O “comércio da fé” já nos é bem familiar quando recordamos todo o estrago que a Teologia da Prosperidade trouxe por meio do protestantismo. Mas me parece que um tipo de pensamento muito parecido tem ganhado força entre alguns Católicos!
Isso tem se sobressaído principalmente entre os cantores Católicos, porque, de certa forma, são estes que acabam se destacando no meio de tantos outros. Mas tem acontecido também entre pregadores de “renome”, pois a lógica do lucro é a mesma.
Já quero deixar bem claro que não estou generalizando todos os cantores ou pregadores, mas estou afirmando que tem acontecido com muitos! Sei também que existem pessoa de boa fé, que tem trabalhado duro, e que tem vivido de maneira muito sóbria, sem luxos, sem lucros exorbitantes!
Sejamos sinceros: Você não acha estranho que para se fazer um “show” de evangelização, na qual o fundamento é fazer com que os fiéis experimentem a Pessoa de Jesus, os valores destes “shows” variem de 7 mil a 130 mil reais?? Isso sem contar os valores que são pagos separadamente dos gastos da viagem/transporte, hospedagem e alimentação.
Vamos exemplificar para ficar mais claro: um show no valor de R$7.000,00 (sete mil reais), onde cada instrumentista(músicos) recebe em torno de R$350,00 por show (valor tabelado pela Ordem dos Músicos do Brasil); tendo um total de 5 instrumentistas.
O gasto que esse “artista católico” terá com seus instrumentistas será de R$ 1.750,00.
O lucro restante será no valor de R$5.250,00 “limpo” para o cantor católico, valor este, que muitos pais de família não ganham com um mês de trabalho árduo!!
Ainda que tenham outros gastos a mais, com outras pessoas, equipe e etc, – o que teoricamente não é essencial – nós estamos falando de apenas 1 (um) único show.
Imaginemos que por final de semana aconteçam dois “shows”, o que para muitos acontece em número muito mais elevado! No final de um mês, este cantor Católico terá obtido um lucro em torno de R$42.000,00 (quarenta e dois mil reais).
É um valor exorbitante ou não é, para alguém que tem UMA MISSÃO de EVANGELIZAR??
Ainda temos aqueles que cobram por noites oracionais, cobram para irem pregar em grupos de oração… Como conceber que isso não se tornou um comércio?
E temos ainda as disputas de “leilões de cachês”…Sabe o que é isso? Você contrata o “Joãozinho” para fazer um “show” e ele cobra o valor de 15 mil reais…O “empresário” do “Pedrinho” fica sabendo, e liga para contratante e baixa o valor do “Pedrinho” para 12 mil reais…
Mas ai o “Joãozinho” fica sabendo, e baixa o valor do seu cachê para 10 mil reais, e por ai vai se desenrolando o leilão, até alguém ceder…
Sem contar pessoas (missionários, padres, leigos) que aderiram a Programas de Desenvolvimento Pessoal, como o Coaching e outras modas de “Empoderamento” que estão aparecendo; que promovem eventos restritos e fechados, para determinados grupos, e cobram uma fortuna para estarem nestes tipos de encontros, dizendo que estão pregando o Evangelho de Jesus Cristo! No fundo estão lá aplicando algumas ferramentas da psicologia, neurociência, gestão de pessoas, recursos humanos, planejamentos estratégicos; e de vez em quando falam algo sobre Jesus e o Evangelho.
A questão é que estas pessoas também estão se tornado afortunadas à custa do Evangelho!
Reafirmo a minha posição pessoal: Não há problemas viver do Evangelho; o problema é querer tirar vantagem do Evangelho!
Estes “artistas” (que na verdade não devem ser chamados de artistas) já tem suas determinações quanto a lugares que vão e que não vão, já determinam a quantidade mínima de pessoas que precisa ter em um evento para que eles possam ir, sempre darão uma negativa a grupos de Oração de pequeno porte, e sempre exigirão como hospedagem bons e confortáveis hotéis! Alguns chegam a fazerem exigências do que deve haver no camarim para comer e beber…
Onde está o problema?
– O primeiro grande problema é o que a própria Palavra nos apresenta:
“Na verdade, a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Por se terem entregues a ele, alguns se desviaram da fé e se afligem com inúmeros sofrimentos.” (ITm 6, 10)
O amor ao dinheiro extraviou o coração de muitos, os cegou, embriagou-lhes a sensatez; entorpeceu-lhes a inteligência!
Recomendo a leitura de ITm 6, 3-16 , é revelador o prejuízo do amor ao dinheiro.
– O segundo problema que vejo é:
As pessoas continuam pagando estes valores exorbitantes para levar estes evangelizadores ao seu evento! É claro que enquanto houver pessoas que paguem valores exorbitantes, haverá pessoas que cobram! É a lógica do comércio!
Há muitos bons cristãos, pais e mães de família, que vivem do Evangelho literalmente; mas que estão abertos àquilo que lhes ofertam como ajuda ao ministério…Caso não haja condições de lhe ofertarem uma ajuda financeira, nem por isso eles deixam de ir ou isso se torna critério de decisão para estarem no evento! Eles vão; porque não perderam sua identidade. Vão porque compreendem que o mais importante é o anúncio do Reino de Deus, e confiam que tudo o mais será dado por acréscimo!
Parem de pagar o que eles exigem, e veremos uma realidade sendo transformada! Ninguém precisa passar fome, mas ninguém precisa ficar ostentando carros, viagens, restaurantes, roupas de grifes, relógios e etc…
Papa Francisco e o dinheiro
O nosso querido Papa Francisco desde o começo do seu pontificado, sempre foi muito duro com a relação dinheiro e fé.
Quero destacar aqui alguns dos pensamentos do Papa sobre esta realidade:
“No caminho que Jesus nos indica, o serviço é a regra. O maior é aquele que serve mais, quem está mais ao serviço dos outros, e não aquele que se vangloria, que busca o poder, o dinheiro, a vaidade, o orgulho…Não, esses não são os maiores.”
“Um cristão muito apegado ao dinheiro errou o caminho.”
“Quem acolhe o Espírito Santo no coração terá uma paz sólida e sem fim; ao contrário daqueles que optam por confiar de modo ‘superficial’ na tranquilidade oferecida pelo dinheiro e o poder”.
“É Deus que coloca o limite a este apego ao dinheiro, quando o homem se torna escravo do dinheiro. E esta não é fábula que Jesus inventa: esta é a realidade. É a realidade de hoje. Muitos homens vivem para adorar o dinheiro, para fazer do dinheiro o próprio deus. Tantas pessoas que vivem somente para isto e a vida não tem sentido. ‘Assim faz quem acumula tesouros para si – diz o Senhor – e não se enriquece junto a Deus’: não sabem o que é enriquecer-se junto a Deus”.
“A nossa oração deve ser forte: Senhor, por favor, toca o coração dessas pessoas que adoram o deus, o deus dinheiro. Toca também o meu coração para que eu não caia nisso, que eu saiba ver”.
“Dinheiro e divisões são a arma do diabo para a destruição da Igreja”
“O dinheiro também adoece o pensamento, a fé, e leva para outro caminho.”
“O dinheiro corrompe! Não há saída”
“Não se pode servir a Deus e ao dinheiro. Não dá: ou um ou outro! Isso não é comunismo! Isso é Evangelho puro! Estas são as palavras de Jesus!”
“Mas, Padre, eu leio os Dez Mandamentos e ninguém fala do dinheiro. Contra qual Mandamento se peca quando alguém faz uma ação por dinheiro?’. Contra o primeiro! Pecado de idolatria! Eis o porquê: porque o dinheiro se torna ídolo e é cultuado! E por isso Jesus nos diz que não se pode servir ao ídolo e ao Deus Vivo: um ou outro.”
“O dinheiro é o esterco do diabo. Porque nos faz idolatrar e adoece a nossa mente com o orgulho, e nos torna maníacos de questões ociosas e nos afasta da fé, corrompe”.
“Que o Senhor nos ajude a não cair na armadilha da idolatria do dinheiro.”
“O dinheiro rouba a vida e o prazer leva à solidão.”
O Papa Francisco está trazendo à tona uma realidade que ele sabe que a nossa Igreja está vivendo, e por isso estes alertas todos! Porque no fundo, isso é corrupção, e é um tipo de corrupção que coloca a nossa Salvação em risco.
Perdoem-me se me estendi um pouco no texto, mas achei que era necessário trazermos essa reflexão à luz…
Não quero com esta reflexão causar “alvoroço”entre aqueles que estão vivendo esta prática; mas quero lançar ao meu coração e ao seu, este ponto de reflexão e revisão de vida…
Talvez você tenha uma outra visão sobre essa realidade, e eu gostaria de te ouvir também, e portanto, deixe o seu comentário abaixo…
Deus abençoe você!
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Danilo Gesualdo é membro da Comunidade Canção Nova e atua junto ao Ministério de Cura e Libertação.
Para contato, envie-me um e-mail para: livresdetodomal@cancaonova.com