A vida de Jesus em Nazaré

Tempo do Natal, depois da Epifania do Senhor.

A vida de Jesus em Nazaré

– O Senhor, que trabalhou na oficina de São José, é nosso modelo no trabalho.

– Como foi o trabalho de Jesus. Como deve ser o nosso.

– Devemos ganhar o céu com o trabalho. Mortificações, detalhes de caridade, competência profissional nas nossas tarefas.

I. QUANDO MEDITAMOS a vida de Jesus, vemos que o Senhor passou a maior parte dos seus dias na obscuridade de um pequeno povoado, praticamente desconhecido dentro da sua própria pátria. Compreendemos que alguns dos seus vizinhos lhe dissessem: Sai daqui para que vejam as obras que fazes; ninguém faz estas coisas em segredo se pretende manifestar-se1. Mas o valor das obras do Senhor foi sempre infinito, e Ele dava a seu Pai a mesma glória quer quando serrava toros de madeira, quer quando ressuscitava um morto ou quando as multidões o seguiam louvando a Deus.

Durante esses trinta anos da vida de Jesus em Nazaré, o mundo presenciou muitos acontecimentos. A paz de Augusto chegava ao fim e as legiões romanas preparavam-se para conter os invasores bárbaros… Na Judéia, Arquelau era desterrado por causa das suas inúmeras arbitrariedades… Em Roma, o Senado divinizava Otávio Augusto…

Mas o Filho de Deus encontrava-se então numa pequena aldeia, a 140 quilômetros de Jerusalém. Vivia numa casa modesta, talvez feita de adobe, como as outras, com a sua Mãe, Maria, pois José já devia ter falecido. O que fazia ali o Deus-Homem? Trabalhava, como os demais homens da aldeia. Não se distinguia deles por nada de chamativo, pois também era um deles. Era perfeito Deus e homem perfeito. E nós não podemos esquecer que a existência terrena do Filho de Deus se compôs não só dos três anos de vida apostólica, mas destes trinta anos de vida oculta.

Quando, depois de iniciada a vida pública, volta um dia a Nazaré, os seus conterrâneos admiram-se da sua sabedoria e dos fatos prodigiosos que se contavam a seu respeito. Conheciam-no pelo seu ofício: Que sabedoria é esta que lhe foi dada?… Não é este o artesão, filho de Maria…?2 E São Mateus nos dirá também, em outro lugar, o que pensavam de Cristo na sua terra: Não é este o filho do carpinteiro? A sua mãe não se chama Maria?3 Tinham-no visto trabalhar durante muitos anos, dia após dia. Por isso traziam agora à baila o seu ofício. Na sua pregação, pode-se notar, além disso, que Jesus conhece bem o mundo do trabalho; conhece-o como alguém que esteve bem metido nele, e é por isso que apresenta muitos exemplos de gente que trabalha.

Com estes anos de vida oculta em Nazaré, o Senhor quis mostrar-nos o valor da vida diária como meio de santificação. “Porque a vida comum e normal, aquela que vivemos entre os demais concidadãos, nossos iguais, não é nenhuma coisa sem altura e sem relevo. É precisamente nessas circunstâncias que o Senhor quer que a imensa maioria dos seus filhos se santifique”4.

Os nossos dias podem ser santificados se se assemelharem aos de Jesus nesses seus anos de vida oculta e simples em Nazaré: se trabalharmos conscienciosamente e nos mantivermos na presença de Deus ao longo das nossas ocupações, se vivermos a caridade com os que estão ao nosso lado, se soubermos aceitar os contratempos sem nos queixarmos, se as relações profissionais e sociais forem para nós ocasião de ajudar os outros e aproximá-los de Deus.

II. SE CONTEMPLARMOS a vida de Jesus ao longo destes anos sem relevo externo, vê-lo-emos trabalhar bem, sem dar “jeitos”, preenchendo as horas com um trabalho intenso. Não nos custa imaginar o Senhor recolhendo os instrumentos de trabalho no fim do dia, deixando as coisas ordenadas, recebendo afavelmente o vizinho que lhe vai encomendar alguma peça, mesmo aquele que é menos simpático e aquele outro de conversa pouco grata. Jesus devia ter o prestígio de quem trabalha bem, pois fez tudo bem feito5, incluídas as coisas materiais. E todos os que se relacionaram com Ele sentiram-se sem dúvida impelidos a ser melhores e receberam os benefícios da sua oração silenciosa.

O ofício do Senhor não foi brilhante, como também não foi cômodo nem de grandes perspectivas humanas. Mas Jesus amou o seu trabalho diário e ensinou-nos a amar o nosso, sem o que é impossível santificá-lo, “pois quando não se ama o trabalho, é impossível encontrar nele qualquer tipo de satisfação, por mais que se mude de tarefa”6.

Jesus conheceu também o cansaço e a fadiga da faina diária, e experimentou a monotonia dos dias sem relevo e aparentemente sem história. E aí está outro grande benefício para nós, pois “o suor e a fadiga – que o trabalho necessariamente comporta na condição atual da humanidade – oferecem ao cristão e a cada homem, que foi chamado a seguir a Cristo, a possibilidade de participar no amor à obra que Cristo veio realizar. Esta obra de salvação realizou-se precisamente através do sofrimento e da morte na Cruz. Suportando a fadiga do trabalho em união com Cristo crucificado por nós, o homem colabora de certo modo com o Filho de Deus na redenção da humanidade. Mostra-se verdadeiro discípulo de Jesus, levando por sua vez a cruz de cada dia na atividade que foi chamado a realizar”7.

Jesus, durante os seus trinta anos de vida oculta, é o modelo que devemos imitar na nossa vida de homens comuns que trabalham diariamente. Contemplando a figura do Senhor, compreendemos com maior profundidade a obrigação que temos de trabalhar bem: não podemos pretender santificar um trabalho mal feito. Devemos aprender a encontrar a Deus nas nossas ocupações humanas, a ajudar os nossos concidadãos e a contribuir para elevar o nível de toda a sociedade e da criação8. Um mau profissional, um estudante que não estuda, um mau sapateiro…, se não mudam e melhoram, não podem alcançar a santidade no meio do mundo.

III. COM O TRABALHO HABITUAL, temos que ganhar o céu. Para isso devemos procurar imitar Jesus, “que deu ao trabalho uma dignidade enorme, trabalhando com as suas próprias mãos”9.

Devemos, pois, ter presente que “todo o trabalho humano honesto, intelectual ou manual, deve ser realizado pelo cristão com a maior perfeição possível: com perfeição humana (competência profissional) e com perfeição cristã (por amor à vontade de Deus e a serviço dos homens). Porque, feito assim, esse trabalho humano, por mais humilde e insignificante que pareça, contribui para a ordenação cristã das realidades temporais – para a manifestação da sua dimensão divina – e é assumido e integrado na obra prodigiosa da Criação e da Redenção do mundo: eleva-se assim o trabalho à ordem da graça, santifica-se, converte-se em obra de Deus…”10

No trabalho santificado – tal como o de Jesus – encontramos um campo abundante de pequenos sacrifícios que se traduzem na atenção que pomos naquilo que estamos fazendo, no cuidado e na ordem dos instrumentos que utilizamos, na pontualidade, na maneira como tratamos os outros, no cansaço que ultrapassamos, nas contrariedades que procuramos enfrentar da melhor maneira possível, sem queixas estéreis.

Os deveres profissionais abrir-nos-ão muitas possibilidades de retificar a intenção para que realmente sejam uma obra oferecida a Deus e não uma ocasião de nos procurarmos a nós mesmos. Desta maneira, nem os fracassos nos encherão de pessimismo, nem os êxitos nos afastarão de Deus. A retidão de intenção – que nos leva a executar o trabalho de olhos postos em Deus – dar-nos-á essa estabilidade de ânimo própria das pessoas que estão habitualmente na presença do Senhor.

Podemos perguntar-nos hoje, na nossa oração pessoal, se no nosso trabalho procuramos imitar os anos de vida oculta de Jesus. Sou competente e tenho prestígio profissional entre as pessoas da minha profissão? Cumpro acabadamente os meus deveres profissionais? Pratico as virtudes humanas e as sobrenaturais na minha tarefa diária? O meu trabalho serve para que os meus amigos se aproximem mais de Deus? Falo-lhes da doutrina da Igreja a propósito das verdades sobre as quais há mais ignorância ou confusão no momento atual?

Olhamos para o trabalho de Jesus ao mesmo tempo que examinamos o nosso. E pedimos-lhe: “Senhor, concede-nos a tua graça. Abre-nos a porta da oficina de Nazaré, para que aprendamos a contemplar-te, com a tua Mãe Santa Maria e com o Santo Patriarca José […], dedicados os três a uma vida de trabalho santo. Comover-se-ão os nossos pobres corações, iremos à tua procura e te encontraremos no trabalho cotidiano, que Tu desejas que convertamos em obra de Deus, em obra de Amor”11.

(1) Jo 7, 3-4; (2) cfr. Mc 6, 2-3; (3) Mt 13, 55; (4) Bem-aventurado Josemaría Escrivá,É Cristo que passa, n. 110; (5) Mc 7, 37; (6) Federico Suárez, José, esposo de Maria, pág. 268; (7) João Paulo II, Encíclica Laborem exercens, 14-IX-1981, 27; (8) cfr. Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 41; (9) Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes, 67; (10) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Questões atuais do cristianismo, n. 10; (11) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 72.

Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.

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