Não há santidade sem renúncia e combate espiritual
Todos são chamados à santidade. Essa afirmação está contida no parágrafo 2015 do Catecismo da Igreja Católica, onde retrata sobre a vocação cristã. O concílio Vaticano II, dedicou um capítulo da Exortação apostólica Lumen Gentium para explorar o assunto da santidade na vida da Igreja. <<Nos vários gêneros e ocupações da vida, é sempre a mesma a santidade que é cultivada por aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus e, obedientes à voz do Pai, adorando em espírito e verdade a Deus Pai, seguem a Cristo pobre, humilde, e levando a cruz, a fim de merecerem ser participantes da Sua glória. Cada um, segundo os próprios dons e funções, deve progredir sem desfalecimentos pelo caminho da fé viva, que estimula a esperança e que atua pela caridade>>*¹.
Dando continuidade a missão da Igreja, o bispo de Roma, escreveu no início desde ano uma encíclica sobre a chamada à santidade no mundo atual: Gaudete et exsultate.
Selecionei alguns trechos onde o Papa exorta-nos para a busca da santidade em comunidade.
Fugir do isolamento
É muito difícil lutar contra a própria concupiscência, contra as ciladas e tentações do demônio e do mundo egoísta, se estivermos isolados. A sedução com que nos bombardeiam é tal que, se estivermos demasiado sozinhos, facilmente perdemos o sentido da realidade, a clareza interior, e sucumbimos.
A santificação é um caminho comunitário que se deve fazer dois a dois. Reflexo disso temos em algumas comunidades santas.
Em várias ocasiões, a Igreja canonizou comunidades inteiras, que viveram heroicamente o Evangelho ou ofereceram a Deus a vida de todos os seus membros.
Pensemos, por exemplo, nos sete Santos Fundadores da Ordem dos Servos de Maria; nas sete Beatas religiosas do primeiro mosteiro da Visitação de Madrid; em São Paulo; Míki e companheiros mártires no Japão; em Santo André Taegon e companheiros mártires na Coreia; em São Roque González; Afonso Rodríguez e companheiros mártires na América do Sul. E recordemos, também, o testemunho recente dos monges trapistas de Tibhirine (Argélia) que se prepararam juntos para o martírio.
De igual modo, há muitos casais santos, onde cada cônjuge foi um instrumento para a santificação do outro. Viver e trabalhar com outros é, sem dúvida, um caminho de crescimento espiritual. São João da Cruz dizia a um discípulo: estás a viver com outros «para que te trabalhem e exercitem na virtude»[104].
As celebrações em comunidade
A comunidade é chamada a criar aquele «espaço teologal onde se pode experimentar a presença mística do Senhor Ressuscitado» [105].
Partilhar a Palavra e celebrar juntos a Eucaristia, torna-nos mais irmãos e vai-nos transformando, pouco a pouco, em comunidade santa e missionária. Isso dá origem, também, a autênticas experiências místicas vividas em comunidade, como no caso de São Bento e Santa Escolástica ou daquele sublime encontro espiritual que viveram juntos Santo Agostinho e sua mãe Santa Monica: «próximo já do dia em que ela ia sair desta vida – dia que Vós conhecíeis e nós ignorávamos – sucedeu, segundo acredito, por disposição dos vossos secretos desígnios, que nos encontrássemos sozinhos, ela e eu, apoiados a uma janela, cuja vista dava para o jardim interior da casa onde morávamos (…). Os lábios do nosso coração abriam-se ansiosos para a corrente celeste da vossa fonte, a fonte da Vida, que está em Vós (…). Enquanto assim falávamos, anelantes pela Sabedoria, atingimo-la momentaneamente num ímpeto completo do nosso coração (…). E se a vida eterna fosse semelhante a este vislumbre intuitivo?»[106]
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Pequenos detalhes diários
Contudo, essas experiências não são mais frequentes, nem mais importantes. A vida comunitária, na família, na paróquia, na comunidade religiosa ou em qualquer outra compõe-se de tantos pequenos detalhes diários. Assim acontecia na comunidade santa formada por Jesus, Maria e José, onde se refletiu de forma paradigmática a beleza da comunhão trinitária. E, o mesmo, sucedia na vida comunitária que Jesus transcorreu com os seus discípulos e o povo simples.
Lembremo-nos como Jesus convidava os seus discípulos a prestarem atenção aos detalhes:
o pequeno detalhe do vinho que estava a acabar numa festa;
o pequeno detalhe duma ovelha que faltava;
o pequeno detalhe da viúva que ofereceu as duas moedinhas que tinha;
o pequeno detalhe de ter azeite de reserva para as lâmpadas, caso o noivo se demore;
o pequeno detalhe de pedir aos discípulos que vissem quantos pães tinham;
o pequeno detalhe de ter a fogueira acesa e um peixe na grelha enquanto esperava os discípulos ao amanhecer.
A comunidade que guarda os pequenos detalhes do amor e, na qual, os membros cuidam uns dos outro, formando um espaço aberto e evangelizador, é lugar da presença do Ressuscitado; que a santifica segundo o projeto do Pai.
Consoladoras experiências de Deus
Sucede às vezes, no meio destes pequenos detalhes, que o Senhor, por um dom do seu amor, nos presenteie com consoladoras experiências de Deus: «uma noite de inverno, cumpria, como de costume, o pequeno ofício. (…) De repente, ouvi ao longe o som harmonioso de um instrumento musical. Então imaginei um salão bem iluminado, todo resplandecente de dourados, de donzelas elegantemente vestidas, dirigindo-se mutuamente cumprimentos e cortesias mundanas. A seguir o meu olhar pousou na pobre doente que amparava; em vez de uma melodia, ouvia, de vez em quando, os seus gemidos queixosos (…). Não consigo exprimir o que se passou na minha alma; o que sei é que o Senhor a iluminou com os reflexos da verdade, que ultrapassavam de tal maneira o brilho tenebroso das festas da terra, que não podia acreditar na minha felicidade»[108].
Contra a tendência para o individualismo consumista, que acaba por nos isolar na busca do bem-estar à margem dos outros, o nosso caminho de santificação não pode deixar de nos identificar com aquele desejo de Jesus: «que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti» (Jo 17, 21)*².
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Referências:
*¹ – A vocação de todos à santidade – Lumen Gentium § 41
*²- Em comunidade – Gaudete et exsultate § 140 a 146