Na caminhada do humano o perdão tem sido uma das realidades mais esquecidas e menos valorizadas. Estruturas são criadas, análises construídas, fenômenos descobertos e as pessoas continuam inflamadas pela mágoa, aniquiladas pelo rancor e doentes, literalmente, acamadas por não conseguirem perdoar. Meu Deus, quantas situações não resolvidas e quanto ódio nos corações! Devido à ausência de perdão a vida vai se tornando amarga e a existência assume o viés da frustração.Não só em nível teórico, mas, sobretudo, em nível prático, o perdão nos transforma em agentes da liberdade. Perdoando, nos reconciliamos e nos reconciliando, perdoamos. Esse pequeno trocadilho confere cor e sabor de santidade à nossa vida. Trata-se de uma lei natural: aquele que se sente incapaz de perdoar acaba sofrendo até a fase terminal do existir. E aqui nos cabe questionar: quem é que sofre mais, quem odeia ou quem é odiado? Quem odeia. Que é que se amargura mais, aquele que magoou ou aquele que foi magoado? O que magoou. A pessoa que denigre, briga, amaldiçoa e fere sai mais prejudicada que o denegrido, o brigado, o amaldiçoado e o ferido. Anulados pelo ódio, perdemos a nossa identidade no amor.
O perdão é muito maior que imaginamos. Em primeiro lugar precisamos nos reconciliar com a nossa história. Por mais que houve sofrimentos e perdas, ao ponto de criar traumas, temos a necessidade de assumir nosso modo de viver. Muitas vezes somos calejados pela dor e, ao mesmo tempo, redimidos em Deus. “Somente o que é assumido, é redimido” (Santo Irineu). Ao não aceitarmos a existência como dom e o sofrimento como acidente de percurso, nos tornamos escravos do passado. Diante da maturidade psicológica o passado influencia, mas não pode determinar o nosso presente. A crise, as palavras torpes, as pesadas discussões não podem funcionar como um pântano inconsciente, no qual estamos imersos. Justamente por isso, urge a tarefa de reconciliar-se consigo. O perdão nos faz maduros e adultos. Não perdoando nos infantilizamos.
O itinerário do perdão pressupõe a reconciliação com os pais, irmãos e demais parentes, professores, patrões e amigos. Às vezes, ruminamos fatos momentâneos e mal entendidos por tudo uma vida. Por outro lado, há situações que perduram por longa data. Mulheres que foram violentadas, oprimidas pelo marido, massacradas por humilhações e detonadas pela embriaguês do cônjuge. O mesmo também serve para os esposos que foram traídos ou abandonados pela mulher. Eis situações que carecem de perdão.
Não podemos nos esquecer de que muitos casos de dependência química (drogas alucinógenas, entorpecentes, maconha e narcóticos) e alcoólica, prostituição, doenças psicológicas, depressão e até câncer são provocados pela omissão no perdão. É quase uma fórmula matemática da condição existencial: a ferida não cuidada e cultivada pelo tempo torna-se doença fria e purulenta.
Por mais que não concordemos, Deus precisa ser perdoado. Teologicamente tal afirmativa não possui nenhum cabimento, pelo contrário, beira à heresia. Contudo, não raras vezes culpabilizamos Deus pelas catástrofes que acontecem em nossa vida. O Pai Eterno não envia e muito menos ratifica algum tipo de mal. Mesmo assim, temos o péssimo costume de atribuir a Ele tudo o que nos acontece. Infelizmente, nos esquecemos de que nem tudo o que nos ocorre é fruto da vontade Divina.
Defronte a morte de alguém querido, perante a perda de imóveis ou bens pessoais, diante de danos irreparáveis surgem tais indagações: Porque isso foi acontecer comigo? O que foi que eu fiz para merecer isso? Ante quando, meu Deus? Porque Deus permitiu? Isso é justo? Nos momentos de desespero aquilo que acreditamos vem à tona e as razões da nossa fé são reveladas.
Nestes casos precisamos perdoar a imagem que fizemos de Deus e não a Deus diretamente. Reconciliar-se com aquilo que imaginamos de Deus e deixar de culpabilizá-lo é perdoar a origem do nosso ser. Desta forma, resgatamos o sentido maior da nossa vida, que a partir de então, ganha um norte de perdão e uma esperança de reconciliação.
Não nos é lícito perdoar de modo superficial ou não nos abrir ao perdão. Aquele que não perdoa é enfermo e escravo de si mesmo. O ódio é uma ferida que se alimenta do nosso fracasso. Quanto mais nos fechamos à reconciliação, mais fracos e desestimulados ficamos. Só quem é livre, liberta. Somente o amado é capaz de amar. Apenas o perdoado é apto a perdoar e perdoar verdadeiramente. Permitamos, portanto, que o Pai Eterno nos ensine a perdoar.
Perdoemos e nos reconciliemos e livres seremos!
Pe. Robson de Oliveira Pereira, C.Ss.R.
Missionário Redentorista, Reitor da Basílica de Trindade e Mestre em Teologia Moral pela Universidade do Vaticano.