Mil clandestinos terão morrido no Mediterrâneo só no ano passado
Todos os anos, entre cem mil e 200 mil imigrantes ilegais atravessam o mar Mediterrâneo para conseguirem chegar à Europa. Fazem-no em embarcações rudimentares, principalmente no Verão, algumas vezes sem ter água ou comida. Muitos são presos quando chegam às costas de Itália, Espanha ou Malta; outros ficam a meio do caminho. Morrem, de fome ou de sede, mas na maioria dos casos por afogamento. Este drama no mar Mediterrâneo é conhecido há décadas, mas só nos últimos anos tem vindo a ser mais mediatizado. Amanhã, em Lampedusa, onde todos os dias dão à costa clandestinos, vivos ou mortos, vai ser inaugurado o primeiro memorial em homenagem a todos quantos perderam a vida nesta arriscada travessia.
O memorial consiste numa porta de cerâmica refractária, com cinco metros de altura e três de largura, da autoria do italiano Mimmo Paladino. Vai receber o nome de Porta de Lampedusa – Porta da Europa e ficará nesta ilha italiana localizada a 205 quilómetros a sul da Sicília. Esta iniciativa partiu da organização não governamental italiana Amani, que tem vários projectos e centros em África, nomeadamente em Nairobi, mas conta com o apoio do gabinete italiano do Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados, o Ministério dos Negócios Estrangeiros italiano e as regiões da Sicília e de Púglia.
“O significado fundamental deste trabalho é consignar a memória destas duas últimas décadas, em que vimos milhares de imigrantes perecer no mar de uma forma desumana, numa tentativa para chegar à Europa”, disse a organização em comunicado, propondo-se a preencher um vazio. Ninguém sabe ao certo quantos imigrantes ilegais morreram até agora no Mediterrâneo, mas algumas fontes apontam para 12 mil, estimando-se que só no ano passado mil clandestinos perderam a vida.
Vítimas de redes de tráfico, que por vezes rebocam as embarcações até alto mar e as largam à deriva, grande parte não sabe nadar. Muitos venderam tudo o que tinham no seu país de origem, terras, gado, para poderem pagar aos traficantes que prometem um acesso ao sonho europeu. Às vezes ficam sem dinheiro e sem documentos, andam anos a caminhar e a viajar clandestinamente por países como a Líbia, antes de conseguirem dar o salto para a outra margem do Mediterrâneo.
Nem as várias operações de dissuasão, realizadas pela agência europeia de fronteiras, conhecida como Frontex, os leva a desistir do seu objectivo. Mas os que conseguem chegar, às Canárias, Ceuta, Melilla, Lampedusa, La Valetta ou, até mesmo, Culatra, como já aconteceu em Dezembro, quando quase duas dezenas de imigrantes ilegais foram presos nesta ilha algarvia, deparam-se com a dura realidade da política europeia: ordem para expulsar e para repatriar. Apesar de ser um dado adquirido que a Europa precisa e vai precisar de imigrantes, aprovou-se, no dia 18, uma polémica directiva que prevê a detenção de ilegais por um período de até 18 meses e a sua expulsão para os países de origem ou para países terceiros.
A União Europeia defende-se das acusações das organizações de defesa dos direitos humanos, como por exemplo a Amnistia Internacional, dizendo que é necessário desencorajar a imigração ilegal e incentivar aquela que é feita legalmente. Neste sentido, a presidência francesa, que lidera os destinos da União Europeia a partir da próxima terça-feira, pretende adoptar um cartão azul. Este permitiria aos imigrantes trabalharem legalmente no espaço europeu. Mas ao contrário do cartão verde que já existe nos Estados Unidos, o imigrante já deve ter emprego antes de pôr os pés em território europeu. Os críticos dizem que estes são passos no sentido de uma Europa-fortaleza.
A organização do memorial que hoje é inaugurado em Lampedusa considera que a União Europeia deve, ao contrário, manter as suas portas abertas para todos quantos têm a vontade e o direito de procurar uma vida melhor.