Reunião da FAO termina hoje em Roma

Desinteresse pelo sector agrícola apontado como uma das causas da crise

São necessários 15 a 20 mil milhões de dólares por ano para neutralizar os efeitos da crise alimentar resultante do aumento dos preços dos bens essenciais e do petróleo – uma batalha em que “o fracasso é inadmissível”, afirmou ontem o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, no segundo dia de trabalhos da cimeira da FAO, que hoje termina em Roma.

Ban identificou como causas da crise o desinteresse pelo sector agrícola em boa parte do mundo, a ausência de investimento e a escalada dos custos de transporte em resultado do preço do petróleo. Esta conjuntura agravou a situação em mais de duas dezenas de países, importadores de alimentos e combustível, identificados pela FAO como mais vulneráveis aos efeitos da crise, a maioria situada em África.

A “agricultura foi negligenciada nestes últimos anos pelos Governos e instituições internacionais” e isso tem de mudar, afirmou um outro responsável da ONU, John Holmes.

O presidente do Banco Mundial, Robert Zoeelick, anunciou que a questão alimentar e agrícola será uma das prioridades da cimeira do G8, em Julho, no Japão. “Com mais de dois mil milhões de pessoas que lutam todos os dias para terem comida na mesa” não poderia ser de outra forma, referiu Zoeelick.

De Roma saiu já a oferta do Banco Islâmico para o Desenvolvimento, que anunciou a disponibilização de 1,5 mil milhões de dólares para investimentos na agricultura, com o Programa Alimentar Mundial a comprometer 1,2 mil milhões de dólares para programas de assistência imediata a cerca de 75 milhões de pessoas nos países afectados. – Com agências

A política agrícola da UE é responsável pela crise?

Os subsídios directos e indirectos da UE aos agricultores de países como a França, Alemanha, Grã-Bretanha, Itália e Irlanda, entre outros, são apontados como um factor decisivo para a redução do preço dos bens agrícolas europeus, colocando estes a níveis que impossibilitam a concorrência do sector agrícola dos países em desenvolvimento.

O valor anual dos subsídios representa 40% do orçamento total da UE. As políticas comunitárias asseguram ainda ao agricultor europeu preços mínimos garantidos, quotas e apoios à exportação. Esta política de subsídios gera excesso de produção em lacticínios e trigo, entre outros. Os principais beneficiários, segundo documentos da UE, são as grandes explorações agrícolas. Esta política de subsídios apressa, segundo os críticos, o fim da exploração agrícola de subsistência e familiar. Por outro lado, sobrecarrega os contribuintes europeus.

A política agrícola da UE conduz à falência dos países em desenvolvimento?

O resultado desta estratégia europeia, que só deve ter alterações radicais com as reformas previstas para 2013, provocou crises parciais nos sectores agrícolas da América Latina, África e, em menor grau, da Ásia, segundo os pontos de vistas mais críticos. A falta de capacidade de escoamento dos produtos agrícolas destas regiões originou uma diminuição da produção, a retracção dos investimentos, o desemprego e a redução global dos bens agrícolas disponíveis no mercado mundial. Contribuiu também para a distorção dos mecanismos do sistema comercial internacional. Os críticos da política da UE falam da prática de dumping (comercialização abaixo do preço de custo), o que induz a escassez e a inviabilidade do sector agrícola dos países menos desenvolvidos.

Os resultados destas políticas eram sintetizados em 2007, para os Estados Unidos, pelo antigo presidente Jimmy Carter, que os considerava “(…) um estímulo ao excesso de produção e a canalização de vultuosos subsídios oficiais para os grandes produtores agrícolas”. O resultado é a “punição dos pequenos agricultores nos EUA e a destruição de um sem número de famílias em muitos dos locais mais pobres do mundo”.

A liberalização dos mercados é um factor da crise?

As estratégias de liberalização dos mercados mundiais têm como pressuposto a abertura dos mercados nacionais e regionais na América Latina, África e Ásia e o desmantelamento de barreiras protectoras, como taxas alfandegárias e impostos às importações.

O movimento de liberalização estaria a conduzir à “invasão” dos mercados emergentes pelos produtos subsidiados da Europa e América e ao agravamento das desvantagens dos produtores locais. A Índia do século XIX é, muitas vezes, apresentada como exemplo de um caso em que a abertura dos mercados às importações britânicas conduziu ao declínio de sectores inteiros do tecido produtivo local. Para as ONG, as principais vítimas deste processo são os pequenos agricultores dos países menos desenvolvidos, com menos peso político internacional e, deste modo, com menor capacidade negocial no âmbito das organizações internacionais.

Qual foi o papel dos biocombustíveis na presente conjuntura?

Apontada como solução alternativa para o aumento do preço do petróleo, a produção de biocombustíveis está a ser crescentemente contestada. São agora apontadas a sua ineficácia relativa face a biocombustíveis de segunda geração (palha, restos de madeira, resíduos agrícolas) que necessitam de menor área de produção e não influenciam a formação de preço dos bens agrícolas. Mas, para os críticos, a aposta nos biocombustíveis originou a diminuição do espaço útil de produção agrícola; em consequência, contribuiu para a redução da produção de bens agrícolas e para o aumento do seu preço. Em termos ambientais, o seu nível de eficácia é também contestado.

Que medidas vão sair da reunião de Roma?

A “produção alimentar tem de aumentar em 50% até 2030 para corresponder à procura”, disse o secretário-geral da ONU em Roma.

Para concretizar esta meta, a célula de crise para a questão alimentar, criada em final de Abril e que agrupa 15 agências da ONU, o FMI e o Banco Mundial, estabeleceu uma série de objectivos de curto e médio prazo. No imediato, destaca-se a ajuda alimentar de emergência, o fornecimento de sementes e adubos, o fim das restrições às exportações e a redução das subvenções.

A médio e longo prazo, a questão dos biocombustíveis, a criação ou recomposição das redes de segurança social, o acesso ao micro-crédito e os incentivos ao investimento agrícola devem ter um tratamento aprofundado e produzir a elaboração de medidas concretas.

 

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