O Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone, veio a público defender Pio XII, o Papa que guiou a Igreja Católica durante a II Guerra Mundial, frisando que o mesmo não foi “anti-semita”, mas sim “prudente”.Em texto publicado pelo jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano, o Cardeal Bertone assegura que perante o Holocausto, o Papa Eugénio Pacelli “não foi silencioso nem anti-semita, mas sim prudente”.
O artigo surge após declarações do grão-rabino de Haifa (Israel), que – após ter sido o primeiro não cristão a falar no Sínodo dos Bispos – manifestou a sua oposição à beatificação de Pio XII.
Para o Secretário de Estado do Vaticano, se o Papa Pacelli “tivesse intervindo publicamente teria colocado em perigo a vida de milhares de judeus que, a seu pedido, foram escondidos em 155 conventos e mosteiros da cidade de Roma”.
O texto agora tornado público é o prefácio de um livro sobre a figura de Pio XII durante a II Guerra Mundial, um estudo histórico de Mary Margaret Marchionne publicado nos últimos dias pela editora do Vaticano.
“É profundamente injusto estender um véu de opróbrio sobre a obra de Pio XII durante a Guerra, esquecendo não só o contexto histórico como também a sua imensa obra caritativa” defende o Cardeal Bertone.
O texto de D. Bertone cita uma circular da Secretaria de Estado, com data 25 de Outubro de 1943, com as iniciais de Pio XII, nas quais dava ordens às instituições religiosas e todas da Igreja Católica para salvar o maior número possível de judeus.
O Secretário de Estado do Vaticano lembrou que “muitas vezes durante a II Guerra Mundial o Governo fascista se encarregou de cortar a electricidade para que a Rádio Vaticano não pudesse transmitir” e a voz do Papa não pudesse ser escutada.
Pio XII, 50 anos depois
Assinalam-se em 2008 os 50 anos da morte de Pio XII (09-10-1958), o Papa que guiou a Igreja Católica durante o período dramático da II Guerra Mundial. Eugénio Pacelli, nascido a 2 de Março de 1876, é ainda hoje uma figura rodeada por polémicas, mitos e preconceitos que tendem a obscurecer a análise do seu pontificado.
Eleito como Papa a 2 de Março de 1939, após um percurso diplomático que o levara a ser Núncio na Alemanha e Secretário de Estado do Vaticano, assumiu desde o início a sua preocupação com os tempos que se viviam no Velho Continente, que viriam a desembocar – apesar dos vários esforços em sentido contrário – numa segunda Grande Guerra.
Neste período atribulado e difícil – que lhe chegou a valer o título de “Papa da humanidade sofredora” – Pio XII dedicou-se a várias tarefas pastorais, tendo publicado inúmeras encíclicas e vários outros documentos pontifícios.
Num gesto simbólico, pouco depois do final da II Guerra Mundial, criou 32 Cardeais de várias partes do mundo, incluindo a China.
Particularmente devoto de Nossa Senhora, durante o Ano Santo de 1950 definiu como dogma de fé a Assunção da Virgem Maria ao céu, em corpo e alma, com a constituição apostólica “Munificentissimus Deus”, de 1 de Novembro.
Em resposta aos pedidos de Nossa Senhora em Fátima, este Papa consagrou o mundo e a Igreja ao Imaculado Coração de Maria, em Outubro de 1942, e renovou a consagração em 8 de Outubro desse ano. Consagrou a Rússia em 1952.
Pio XII e os judeus
A ideia negativa sobre o Papa Pio XII começou a consolidar-aw desde a obra teatral “O Vigário” escrita em 1963 por Ralf Hoch Hunt, que lançou as bases para uma visão particular de Eugénio Pacelli. Em 1999, John Cornwell publicou “O Papa de Hitler” e Daniel Goldhagen, em 2002, apresentou o livro “A Moral Reckoning”, ambos com visões negativas sobre o papel desempenhado por este Papa na II Guerra Mundial – supostamente por ser apoiante de Hitler e não ter mostrado compaixão perante o sofrimento do povo judaico.
Na altura da sua morte, contudo, Pio XII era muito admirado. O escritor Graham Greene disse sobre Pio XII que foi “um Papa que muitos de nós acreditam será classificado entre os maiores de sempre”.
O diplomata israelita Pinchas Lapide escreveu em 1967 que Pio XII foi providencial para salvar “pelo menos 700 mil Judeus, provavelmente até 860 mil, das mãos dos nazis”.
Recentemente, Bento XVI saiu em defesa de Pio XII, considerando que o mesmo “não poupou esforços” para ajudar “directamente” os judeus e pedindo que sejam superados os “preconceitos” em relação a esta figura.
O actual Papa lembrou a acção desenvolvida através de católicos, a título individual, e das instituições da Igreja, para salvar os judeus da perseguição nazi.
“Sabemos que o Servo de Deus não poupou esforços, sempre que possível, para intervir em defesa dos judeus. De facto, as suas intervenções, muitas vezes secretas e silenciosas, foram inúmeras”, indicou.
Bento XVI falou das “não poucas intervenções” realizadas secretamente por Pio XII, dada a situação concreta num “complexo momento histórico”, de forma a evitar o pior e “salvar o maior número possível de judeus”.
Portugal
Documentação reunida pela Fundação «Pave the Way», dos EUA, mostra que o Papa Pacelli interveio tanto pública quanto secretamente para salvar judeus, além de pedir a entidades católicas de todo o mundo que os protegessem. Entre os documentos, há telegramas e testemunhos de pessoas que agradecem a mediação papal.
Uma dos testemunhos é do Arcebispo Giovanni Ferrofino (96 anos), secretário do então núncio no Haiti, D. Maurílio Silvani, de 1939 a 1946. D. Ferrofino fala sobre os telegramas que recebia do Papa Pio XII duas vezes por ano, para conseguir os vistos necessários aos judeus que escapavam da Europa ocupada pelos nazis.
Cada vez que recebia o telegrama, D. Giovanni Ferrofino visitava o presidente da República Dominicana, General Trujillo, para pedir, em nome do Papa, 800 vistos. Este procedimento acontecia duas vezes por ano, entre 1939 até 1945. Isso significa que, graças a Pio XII, cerca de 11 mil judeus terão embarcado em Portugal e ficado a salvo na República Dominicana.