Santo Agostinho tem sido às vezes definido como doutor do desejo de Deus,devido à importância que atribuiu a esse tema e pêlos acentos com que fala dele. “O desejo-diz ele- é o recesso mais íntimo do coração. Quanto mais o desejo nos dilata o coração, tanto mais capazes nos tornamos de acolher Deus.” “Toda a vida de um bom cristão cifra-se num santo desejo… Por meio do desejo, dilatas de tal modo que poderás ser enchido quando chegares à visão… Deus,com a expectativa,amplia o nosso desejo, com o desejo amplia o ânimo,e,dilatando-o,aumenta-lhe a capacidade. Vivamos pois,irmãos,de desejo,já que devemos ser plenificados.”A própria oração é viva na medida em que for vivo o desejo que dentro dela escorre: “o teu desejo é a tua oração; se o desejo for contínuo,contínua será a oração. Se não queres interromper a oração , não cesses nunca de desejar”. “Orar detidamente consiste em suscitar um contínuo e devoto impulso do coração para aquele que invocamos.”Diz uma prece da liturgia. ”Nós brilhamos aos olhos de Deus pelo desejo que temos dele”.
Como se Deus debruçasse do céu e procurasse sobre a terra pontos mais ou menos luminosos conforme a intensidade do desejo que cada um deles tem .
A literatura mística está cheia desse tema do desejo de Deus muitas vezes ligado à frase do Cântico: “À sombra daquele que desejava,assento-me, e doce é o seu fruto ao meu paladar”(Ct 2,3). Desejo de amor,chama-o o autor medieval anônimo que já conhecemos: “Presta pois atenção-diz ele-a esse maravilhoso trabalho da graça em tua alma. Outra coisa não é senão o impulso imprevisto que surge sem prévio aviso e aponta diretamente para Deus com uma fagulha que se destaca do fogo. Golpeia essa espessa nuvem do não-conhecimento com a flecha pontiaguda do desejo de amor e não te movas daí,aconteça o que acontecer.
Assim,pois, como o mar não se cansa de arremessar suas ondas,ora violentas,ora calmas,em direção da praia,assim nós nunca deveremos cansar-nos de impelir para Deus esses impulsos silenciosos do coração. E se,durante essa ocupação,tua mente petulante tenta intrometer-se com perguntas como: “Mas o que é Deus, e como faço para pensar nele?”,responde: “Não sei nada disso e , neste momento, não quero saber de nada a tal respeito. Deus deve ser muito mais do que penso”.
Ademais, o desejo de Deus não é um fator de monta só para a vida ascética e espiritual,mas também para o anúncio. Devo confessar que, às vezes,queixei-me um pouco com Deus, dizendo-lhe: “Senhor, se queres que em minha pregação eu fale tantas vezes aos outros de humildade,caridade,oração,porque não me concedes um pouco dessas coisas, das quais sou tão desprovido?” E a resposta que interiormente senti foi: “Mas quais são as coisas de que se fala com maior ardor:as que já se possuem ou as que se desejam?” As que se desejam,naturalmente!, apressai-me em responder,e logo compreendi que terei de continuar pela vida afora a falar de coisas que não possuo,mas desejo.
Procuro ao menos assimilar o conselho que um Padre antigo dava a quem é forçado a falar e escrever coisas espirituais que ainda dava a quem é forçado a falar e escrever coisas espirituais que ainda não conseguiu com a vida: “Fale delas como alguém que pertence à classe dos discípulos e não com autoridade,depois deter humilhado sua alma e depois de se tornado menor que seu ouvinte.
Rezemos,entoando também nós o “lamento de Adão expulso do paraíso”, tão prezado por tantos ascetas ortodoxos:
“A minha alma tem saudade de ti, Senhor, e com lágrimas te procuro. Vê a minha aflição e ilumina as minhas trevas,a fim de que a minha alma se regozije.
Como poderei esquecer-me de ti? O teu olhar sereno e suave cativou-me a alma,
e o meu espírito se regozijava no paraíso onde eu via o teu rosto”.
por Frei Raniero Cantalamessa,of
Livro Subindo ao Monte Tabor