UM CAMINHO E DOIS PRESENTES

Minha primeira infância foi marcada por visitas constantes à Barra do Jacaré, em São João da Barra-RJ. Ali havia um lugarejo chamado Pipeiras, onde minha avó paterna vivia com seu segundo marido. Eulália, carinhosamente chamada por todos de Lalita e Inácio, tinham um adolescente em casa chamado Joel.  Joel era parente do vô Inácio e viva como um filho, tanto de minha avó como de meu avô “postiço”. Joel era um grande amigo de minha infância. Ele não conseguia se expressar muito bem. Ele as vezes não conseguia segurar a saliva que acabava escorrendo pela boca. Mas ele era muito atencioso com minha avó e muito obediente ao meu avô.   Dona Lalita contava com ele pra cuidar das galinhas, pegar água na cacimba e até mesmo acender o fogão a lenha. E eu sabia que ao chegar na roça com meu pai, minha mãe e minha irmã, teria um fim de semana repleto de brincadeiras diferentes. Joel era tão criativo que usava fibra da bananeira para fazer cordinhas que ajudavam a puxar meu caminhãozinho. Isso sem falar que ele pegava uma daquelas folhas verdinhas do bananal e fazia dela seu próprio brinquedo.  Era muito legal saber que toda vez que íamos lá, encontraríamos o Joel pra brincar, subir no cajueiro e no ingazeiro pra comer fruta fresquinha.  Os anos passaram e na minha adolescência, Joel, dona Lalita e “Seo” Inácio vieram morar na cidade. Minha vovozinha e o vô Inácio estavam bem idosos e o fiel escudeiro, Joel, continuava firme ali. Teve que trocar a terra preta da chacrinha, pelo cimento cinza do quintal da nova moradia. Mas superou as adaptações até que seus pais de criação morreram e ele teve que ir morar com outros parentes. Nunca mais tive notícias do meu amigo de infância. Hoje na feirinha da roça que costumo ir em Cachoeira Paulista-SP, fui ao encontro de um idoso cadeirante, que toda sexta-feira está lá a pedir uma ajuda. Isso foi depois de passar por ele no exato momento em que dizia que estava com fome. Parei meu carrinho e entrei naquele mundo que todo dia de feira se abria a minha frente e eu sempre me esquivava.  Dei uma fruta pra amenizar a fome dele e o pouco dinheiro que tinha. Seu olhar foi tão profundo e agradecido que não me contive. A minha vida parou por alguns minutos e finalmente entrei naquele mundo tão sofrido e cheio de dificuldades. O nome daquela criatura? Joel!!. “Meu filho, muito obrigado por me ouvir. Estou sem gás em casa desde ontem e sou eu que sustento minha casa, onde moram eu e minha filha.”  Esse Joel tinha marcas da vida no rosto. Dores do desprezo nos olhos esverdeados. Força nas mãos calejadas e cansadas de fazer as rodas da cadeira girar. Eram como garras de águia a segurar sua presa. Ali entendi que no fundo, no fundo, aquela força era de agonia, de alguém quem quase nunca tem um outro pra se segurar.  Assim como o Joel de minha infância, o Joel cadeirante transmitia uma certeza no semblante e que poucos conseguem enxergar. A certeza de que mesmo sendo visto como alguém desconectado da realidade que a sociedade exige, ele não perdia a conexão com as coisas do alto. Depois desse encontro, já com os olhos molhados e voltando pro carro, percebi uma grandeza do Senhor em minha vida. Percebi que tanto o Joel da roça, como o Joel da feira da roça, foram visitas do Senhor em minha vida. Entendi que pessoas assim, Deus coloca nos caminhos de nossas vidas, para serem sinais de alerta, como grandes faróis amarelos a dizer: “PARE E APROVEITE, PORQUE CRISTO QUER TE VISITAR NO PRÓXIMO!”.

Deus abençoe!

Wallace Andrade
Comunidade Canção Nova
@Wallace.Andrade9


Jornalista, missionário da Comunidade Canção Nova, escritor, casado com Valeria Martins Andrade e pai de Davi Andrade, natural de Campos dos Goytacazes-RJ.