Despedida Dolorosa!

Foto: Wallace Andrade

Um menino cresceu em uma família de 11 irmãos. Mãe de muitos afazeres domésticos e pai de formação rude e trabalho pesado, como varredor de rua, pedreiro e pintor. Um menino cresceu com uma educação severa e não tinha direito de expressar suas ideias mirabolantes, porque ao fazer isso era reprimido com surras e castigo. Um menino cresceu com uma ânsia de sair logo de casa e sofrer menores chibatadas da vida. E o fez quando viu, que suas costas lanhadas já não suportar mais o cinteiro, que fazia o sangue brotar. Um menino viajou quase 300km e foi parar na casa de um tio, que compadecido, ao ver as costas marcadas, acolheu o sobrinho e lamentou a atitude do irmão que perdia o controle assim com o filho. Um menino viajou quase que a vida toda para fugir dos cabrestos do mundo. Foi assaltado, esfaqueado, humilhado e não parou nas armadilhas deste absurdo. Sempre encontrou um jeito de escapar.  Um menino viajou até pousar na quinta noiva e com ela se render a uma vida em família outra vez. Era a chance que tinha de não fazer com os filhos o que tinha recebido na infância. Mas as marcas da história são cicatrizes profundas na carne. Não desaparecem facilmente e sempre que olhamos pra ela lembramos da dor que sofremos, do medo que tivemos e da angústia que vivemos. Mas as marcas da história não permitem o jovem ser um pai menos austero que o seu, menos trabalhador que o seu e menos rude que o seu. Mas as marcas da história não impediram de ver um dos filhos partir para uma viagem rápida e sem volta.  Tanta dor e sofrer, provocaram ruinas irreparáveis no relacionamento e ele se viu sozinho outra vez, sem esposa e filhos, sem família a alegrar a casa. Tanta dor e sofrer provocaram novas viagens para trabalhar e tentar ocupar os vazios do coração. Tanta dor e sofrer provocaram a tão temida solidão que só os que tiveram infância perto de pai e mãe sabem o mal que ela provoca. O peso da idade chegou sorrateiramente e com ela as limitações que são agregadas ao reflexo, ao raciocínio rápido e ao gosto de tudo. O peso da idade chegou inesperadamente para alguém que sempre zelou pelo corpo saudável, como um taxista cuidadoso zela pelo carro de praça para que tenha o melhor motor, estofamento e brilho na lataria.  O peso da idade chegou assustadoramente para alguém que já evitava dirigir para não se confundir e nem se reprimir com as loucuras cada vez maiores do trânsito. O menino agora idoso descobria a cada dia que as pedaladas ajudavam a enxergar melhor a vida que viveu até aqui.  O menino agora idoso descobria a cada dia que o mundo sempre girou como as rodas da bicicleta. Sempre para o mesmo lado e o que passou não vai voltar mais. As limitações da idade revelam em sua história os tombos que levou na estada tão estreita de sua vida. As limitações da idade revelam que as quedas continuam até o fim de sua estadia aqui. E mesmo com todo o cuidado elas acontecem para que tenhamos forças para levantar e prosseguir.  As limitações da idade revelam que algumas quedas são mais dolorosas, nos deixam desacordados e com necessidade de um tempo maior para ser despertado e se reerguer. Mas em tudo que o menino idoso viveu até aqui, nada foi em vão. Mas em tudo que o menino idoso fez, mereceu perdão e ao se sentir perdoado, encontrou alívio e um novo sentido pra viver. Mas em tudo que o menino idoso perdeu, são como troféus e medalhas que Deus entrega a ele, porque só os fortes e filhos amados do Senhor, suportam tanta dor e não desistem de viver.  Ao se despedir daqui, já não tinha mais dor e nem desamor.  Ao se despedir daqui, já não precisava mais ser purificado, tamanha prova que viveu do nascer ao morrer. Ao se despedir daqui, deixou fatos reais que revelam o segredo da vida, onde o marasmo dá lugar a coragem de acreditar que mesmo os maiores obstáculos que surgem na estrada, são para o nosso bem.  O menino não está mais aqui, mas todas as vezes que lembrar dessa história, terei a certeza de que Deus quer e sempre vai querer o nosso bem e por isso não desiste de nós e ouve com carinho nossas súplicas.

Deus abençoe!

Wallace Andrade
Comunidade Canção Nova
wallace.andrade@cancaonova.com


Jornalista, missionário da Comunidade Canção Nova, escritor, casado com Valeria Martins Andrade e pai de Davi Andrade, natural de Campos dos Goytacazes-RJ.