Todo ano a Igreja nos convida a entrarmos no deserto juntamente com o povo de Israel (cf. Ex 5,1) e com Jesus (cf. Mt 4,1) e a vivermos nossa Quaresma (quarenta dias) unidos a experiência de deserto, sem medo de deixarmos para trás tudo aquilo que nos pesa e nos atrapalha numa caminhada solitária pelas terras áridas da nossa vida.
Todos nós vamos juntando coisas e situações que nos impedem de caminharmos na liberdade com que Cristo já nos libertou. E a Igreja em sua sabedoria de mãe nos oferece a possibilidade de pararmos e nos revermos a fim de estarmos prontos para entrar na “terra prometida” de uma vida nova que o Senhor tem preparado para nós.
O povo de Israel, que era escravo no Egito, foi libertado por Deus que os conduziu ao deserto para lá eles viverem um tempo de purificação, de conversão. O Egito torna-se assim, figura da escravidão sob o pecado; o deserto corresponde ao itinerário espiritual da conversão; e a terra prometida tem como equivalente o estar com Cristo no tempo presente e no mundo que virá. São Paulo expressa tudo isto nos termos seguintes: “Ele (Deus) nos arrancou do poder das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados“. (cf. Cl 1,13-14)
Foram os quarenta anos de peregrinação pelo deserto que habituaram Israel “a caminhar humildemente com Deus” (cf. Mq 6,8). Caminhar significa levar continuamente consigo, sem deixar para trás, o objeto da própria esperança, crendo que se está sendo conduzido para um país feliz (cf. Dt 8,7.10) e que todos os caminhos de Deus, por mais sinuosos que sejam (cf. Dt 2,1-3), conduzem a ele.
Cristo adota, com toda evidência, o lugar do deserto. Ele se deixou conduzir para esse lugar, para assim encontrar-se com Deus a fim de vencer o mal: “Jesus foi conduzido ao deserto pelo Espírito, para ser posto à prova pelo diabo” (Mt 4,1). O deserto é o lugar onde Deus se torna presente, lugar privilegiado para nos encontrarmos com Deus rompendo toda falsa percepção de Deus. “É lugar verdadeiro onde todas nossas débeis imagens do sagrado caem por terra. Resta-nos apenas Deus em sua essência. Jesus faz com que o deserto seja o símbolo do espaço infinito que separa Deus do homem pecador. Esta distância só é superada através do lento caminho da fé. O deserto, essencialmente transitório, vivido como símbolo ou como realidade física, é escola de absoluto”. (Fiores, Stefano, Goffi, Tullo (org.). Dicionário de Espiritualidade, ed. Paulinas, São Paulo, 1989).
E tudo isso faz com que tenhamos medo do deserto, ele se torna lugar de medo, de frustração, pois é nele que conhecemos nossa verdadeira espiritualidade e se desvenda nosso verdadeiro encontro com Deus. E isso que impõe a todos a espiritualidade do deserto, como disponibilidade para se deixar conduzir pelo Espírito.
Deus nos convida nesta Quaresma a caminharmos com Ele pelo deserto de nossa existência: é o convite para nós adentrarmos a esse lugar de silêncio e recolhimento. Pois, o homem, ao sair de si mesmo e ao se colocar sob a direção de Deus, torna-se capaz de reconstruir a própria existência num âmbito diferente. Assim todos nós somos chamados para a conversão do próprio coração.
As dificuldades do caminho (fome, sede, inimigos) servem para lembrar que a salvação não se consegue permanecendo-se passivo, já que ela traz sempre um aspecto dinâmico. A provação aprofunda a fé, ao mesmo tempo que revela de modo mais evidente a glória de Deus, “sua grandeza, sua força e seu braço estendido” (cf. Dt 11,2).
Nossa meta é a Páscoa de Cristo. Assim há uma profunda consonância entre a espiritualidade do deserto e o mistério pascal de Cristo, que consiste em morrer para si mesmo a fim de viver para o Senhor, despojar-se de tudo para possuir Tudo, para possuir Aquele que é Tudo , com a clara consciência de que um plano de tal estilo não procede da vontade humana, mas da comunhão com Cristo. “Já não sou eu que vivo, é Cristo quem vive em mim” (Gl 2,20).
Não tenhamos medo de nos dirigirmos neste tempo da Quaresma com Jesus ao deserto, de permanecermos lá em sua companhia, a fim de que sejamos purificados e na páscoa do Senhor sejamos criaturas novas, ressuscitadas com Ele.
Unidos. Seu irmão, Diácono Gevanildo Torres
Comunidade Canção Nova
Diácono Gevanildo Torres é missionário da Canção Nova há 8 anos, natural de Piedade (SP). Graduado em Filosofia e Teologia, atualmente auxilia os trabalhos pastorais na paróquia em Lavrinhas -SP.
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