O "STF" não muda o amor

Posicionamento público de um cristão, que também é advogado, sobre decisão do STF a respeito de bebê anencéfalo

“Partindo do tirocínio básico, inerente às condições da vida humana, de que uma escolha pressupõe sempre uma renúncia, a prevalência que o homem moderno dá ao mundo materializado, acaba mortalmente afastando-o do mundo imaterial, do mundo do espírito. Este último, indiscutivelmente existente e objeto de estudo desde a mais remota produção científica no planeta. Como esta é uma tendência muito forte, ela acaba dominando todos os aspectos inerentes à vida humana, afetando, inclusive, a maneira de pensar. Deste esmagamento espiritual não escapam nem alguns daqueles que se dizem ainda resistentes no cultivo desta inafastável dimensão humana.

Forte exemplo dessa realidade foi o recente esforço que a Igreja Católica no Brasil fez no sentido de impedir que os Ministros do Supremo Tribunal Federal descriminalizassem a interrupção voluntária de gravidez de feto anencéfalo. Homilias, pregações, vigílias, orações, utilização dos meios de comunicação e redes sócias, enfim, todos os esforços empreendidos para que, quando o óbvio acontecesse, placar de 8×2 pela legalização do aborto em fetos com anencefalia, uma onda frustrante de decepção invadisse e esmaecesse as forças de muitos cristãos da nação.

A perfeição da obra humana de Deus reside no fato de, apesar de sermos formados por duas dimensões completamente distintas, matéria e espírito, os alimentos necessários a elas, Razão e Amor, necessitam-se mutuamente. O Amor funciona como se fosse o fio condutor que nos liga a inteligência Suprema, e, ao contrário do que muitos pensam, não está dissociada de explicações racionais e científicas. Nem poderia, pois as duas dimensões que fazem o homem, apesar de distintas, formam uma unidade indissociável. O grande problema é quando não há a presença concomitante dos dois alimentos, cada um na sua função. Cada uma dessas dimensões necessita de alimento específico, não podemos querer alimentar nosso corpo com fé, nem muito menos nosso espírito com lagosta. O gerar dessa confusão alimentar, muito comum no homem hodierno que vive apenas na matéria e pensa que ela se presta a completar o seu ser, gera confusão existencial, enfraquece e adoece.

A teologia nos explica que Deus nos dotou de liberdade racional para atingirmos o ideal do Amor espiritual. Se não fossemos dotados de liberdade não teríamos como validar o Amor, que precisa ser escolha e não imposição, ou seja, se Deus fosse ditador não nos conquistaria, mas ter-nos-ia por medo, e o medo não resiste a nossa inata necessidade de realização e felicidade. Ninguém é feliz sentindo medo, e Deus nos criou para sermos portadores de paz profunda e emanadores de felicidade plena. Liberdade foi palavra de ordem utilizada naquele julgamento, acontece que liberdade (Razão) sem propósito de vida (Amor) virá irresponsabilidade.

A missão da Igreja é cuidar do homem na sua plenitude, mas a partir da seara espiritual, sem se distanciar do Amor, sob pena de sucumbir em aventuras no mundo da matéria. O STF pode até ter racionalizado a interrupção de gravidez de feto anencéfalo, mas o Amor é incompatível com a morte e nunca a amparará.

Aliás, Deus não trabalha com leis que, por natureza, prevê comportamento e gera expectativa, e, onde falha, gera decepção, rancor e punição. Deus trabalha com liberdade que não espera, mas crê; que não se decepciona, mas compreende e ama; que não pune, mas cura e liberta.

Destarte, o papel da Igreja é continuar incutindo o Amor no coração da humanidade para que ele se torne difusor da nossa plena vitória. Não houve derrota da vida, o que há é uma convocação de todo o cristianismo em defesa dela. Continuemos na luta!”

Dr. Deywsson Medeiros Gurgel (@medeirosgurgel)