A luz da fé (II)

Parte II


Queridos irmãos e irmãs!

A fé em Jesus Cristo, a fé da Igreja, a fé que é luz para o nosso caminho, faz de nossa existência uma nova criação. “Aquele que acredita, ao aceitar o dom da fé, é transformado numa nova criatura, recebe um novo ser, um ser filial, torna-se filho no Filho” (Lumen fidei, 19). Este dom da fé nos coloca diante da ação de Deus, que antecede a nossa própria existência. Deus nos dá o seu amor e a sua graça. Ele vem ao nosso encontro. Este é um “dom originário e radical que está na base da existência do homem” (id. 19). Nós somos chamados a abrir-nos a este dom originário e deixar que a salvação atue em nós e torne a nossa vida fecunda, cheia de frutos bons.

A abertura ao dom originário se dá pela fé em Cristo. Ele nos salva, porque é nele que a vida se abre a um Amor que nos precede e transforma a partir de dentro, que age em nós e conosco. A fé, manifestação desta abertura, é o reconhecimento de que Deus se tornou próximo de nós, que habita em nós. Esta interiorização da fé é necessária para que a nossa existência crente seja de fato uma convicção que leva à conformação de nossa vida ao Amor. Para isso, necessitamos do Espírito Santo. É Ele quem nos faz participantes do Amor, e fora de sua presença não conseguiremos confessar a fé em Jesus Cristo, Senhor do universo e de nossa vida (cf. Lumen fidei, 20).

Mas a salvação pela fé, trazida por Cristo e na ação do Espírito Santo, não nos leva a uma existência privativa e isolada. Justamente na abertura ao dom de Deus, em Cristo e no Espírito, a vida do fiel torna-se existência eclesial. Existe, pois, a forma eclesial da fé. Ela consiste no reconhecimento de que fazemos parte do corpo de Cristo, pois a fé nos introduz em Cristo. Ter fé em Cristo e viver em Cristo é a mesma coisa. Ninguém pode acreditar nele se não vive nele. “O crente aprende a ver-se a si mesmo a partir da fé que professa. A figura de Cristo é o espelho em que descobre realizada a sua própria imagem” (Lumen fidei, 22).

O Papa Francisco argumenta, contra aqueles que dizem ter fé, mas não vivem a forma eclesial, que a imagem do corpo, usada por São Paulo, “não reduz o crente a simples parte de um todo anônimo, a mero elemento de uma grande engrenagem. Ela sublinha, justamente, a união vital de Cristo com os crentes e de todos os crentes entre si” (id., 22). É esta união com Cristo, dom originário e radical, que realiza a comunhão eclesial. De sorte que, quem vive na Igreja, assume um serviço pastoral ou um ministério ordenado, deve reconhecer que sem esta união vital com Cristo não pode viver e o seu trabalho pastoral não dá frutos. É necessário insistir neste ponto. Diz o Papa Francisco: “fora deste corpo, desta unidade da Igreja em Cristo, ela que é a portadora histórica do olhar global de Cristo sobre o mundo, como bem se expressou Romano Guardini, a fé perde a sua medida, já não encontra o seu equilíbrio” (id., 22).

Dom Jaime Vieira Rocha – Arcebispo Metropolitano de Natal – RN