O valor do silêncio no discernimento vocacional

“o discernimento orante exige partir da predisposição para escutar: o Senhor, os outros, a própria realidade”

Uma expressão do discernimento é o esforço por reconhecer a própria vocação. É uma tarefa que requer espaços de solidão e silêncio, porque se trata duma decisão muito pessoal que mais ninguém pode tomar no nosso lugar. «Embora o Senhor nos fale de muitos e variados modos durante o nosso trabalho, através dos outros e a todo o momento, não é possível prescindir do silêncio da oração prolongada para perceber melhor aquela linguagem, para interpretar o significado real das inspirações que julgamos ter recebido, para acalmar ansiedades e recompor o conjunto da própria vida à luz de Deus».

Este silêncio não é uma forma de isolamento, pois devemos lembrar-nos que «o discernimento orante exige partir da predisposição para escutar: o Senhor, os outros, a própria realidade que não cessa de nos interpelar de novas maneiras. Somente quem está disposto a escutar é que tem a liberdade de renunciar ao seu ponto de vista parcial e insuficiente (…). Desta forma, está realmente disponível para acolher uma chamada que quebra as suas seguranças, mas leva-o a uma vida melhor, porque não é suficiente que tudo corra bem, que tudo esteja tranquilo. Pode acontecer que Deus nos esteja a oferecer algo mais e, na nossa cômoda distração, não o reconheçamos».

Foto: cancaonova.com

Qual é o meu lugar nesta terra?

Quando se trata de discernir a própria vocação, há várias perguntas que é preciso colocar-se. Não se deve começar por questionar onde se poderia ganhar mais dinheiro, onde se poderia obter mais fama e prestígio social, mas também não se deveria começar perguntando quais tarefas nos dariam mais prazer. Para não se enganar, é preciso mudar de perspetiva, perguntando: Conheço-me a mim mesmo, para além das aparências ou das minhas sensações? Sei o que alegra ou entristece o meu coração? Quais são os meus pontos fortes e as minhas fragilidades? E, logo a seguir, vêm outras perguntas: Como posso servir melhor e ser mais útil ao mundo e à Igreja? Qual é o meu lugar nesta terra? Que poderia eu oferecer à sociedade? E surgem imediatamente outras muito realistas: Tenho as capacidades necessárias para prestar este serviço? Em caso negativo, poderei adquiri-las e desenvolvê-las?

Estas questões devem-se colocar não tanto em relação a si mesmo e às próprias inclinações, mas em relação aos outros, em ordem a eles, para que o discernimento enquadre a própria vida referida aos outros. Por isso, quero lembrar qual é a grande questão: «Muitas vezes, na vida, perdemos tempo a questionar-nos: “Quem sou eu?” E podes passar a vida inteira a questionar-te, procurando saber quem és. Mas a pergunta que te deves colocar é esta: “Para quem sou eu?”» És para Deus, sem dúvida alguma; mas Ele quis que fosses também para os outros, e colocou em ti muitas qualidades, inclinações, dons e carismas que não são para ti, mas para os outros.

A chamada do Amigo

Para discernir a própria vocação, é preciso reconhecer que a mesma é a chamada dum amigo: Jesus. Aos amigos, quando se dá uma prenda, oferece-se o melhor; isto não significa que seja necessariamente a prenda mais cara ou difícil de conseguir, mas a que – sabemos – dará alegria ao outro. Um amigo tem uma percepção tão clara disto mesmo que consegue visualizar, na sua imaginação, o sorriso do amigo ao abrir o seu presente. Este discernimento de amizade é o que proponho aos jovens como modelo se quiserem compreender qual é a vontade de Deus para a sua vida.

Quero que saibais que o Senhor, quando pensa em alguém, no que gostaria de lhe dar de prenda, vê-o como seu amigo pessoal. E se decidiu presentear-te com uma graça, um carisma que te fará viver plenamente a tua vida transformando-te numa pessoa útil aos outros, em alguém que deixa uma marca na história, será certamente algo que te deixará feliz no mais íntimo de ti mesmo e te entusiasmará mais do que qualquer outra coisa neste mundo. Não, porque o dom concedido seja um carisma extraordinário ou raro, mas porque é precisamente à tua medida, à medida de toda a tua vida.

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Amizade incondicional

O dom da vocação será, sem dúvida, um dom exigente. Os dons de Deus são interativos e, para os desfrutar, é preciso pôr-me em campo, arriscar. Não será a exigência dum dever imposto por outro de fora, mas algo que te estimulará a crescer e a optar por que esse presente amadureça e se transforme em dom para os outros. Quando o Senhor suscita uma vocação, não pensa apenas no que és, mas em tudo o que poderás, juntamente com Ele e os outros, chegar a ser.

A energia da vida e a força da própria personalidade alimentam-se mutuamente, no interior de cada jovem, e impelem-no a ultrapassar todos os limites. A inexperiência permite que isto aconteça, embora bem depressa se transforme em experiência muitas vezes dolorosa. É importante pôr em contacto este desejo do «infinito de quando ainda não se tentou começar» com a amizade incondicional que Jesus nos oferece. Antes de toda a lei e dever, aquilo que Jesus nos propõe escolher é um seguimento como o de amigos que se frequentam, procuram e encontram por pura amizade. Tudo o mais vem depois; e até os fracassos da vida poderão ser uma experiência inestimável de tal amizade que não se rompe jamais.

 

(Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christus Vivit – Papa Francisco – nº 283 a 290) 

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