Por que este pecado insiste em voltar em minha vida?
Você, certamente, já se deparou com a realidade do pecado a sua frente e, sem que quisesse realmente cometê-lo, não sabendo muito bem nem como explicar, quando percebeu, já tinha caído nesse pecado e escolhido o caminho errado. Agora, diante do erro e da humilhação, só lhe resta suplicar a Deus o perdão dos pecados e erros cometidos e firmar o propósito de mudança. É assim, em geral, o que acontece com cada um de nós.
Com o passar do tempo, vamos percebendo que determinados tipos de pecado que cometemos, ainda que os confessemos, ainda que o nosso propósito de mudança seja real, voltamos a cair nesses mesmos pecados, da mesma forma, como que uma repetição, um replay. Você já se percebeu vivendo essas lutas e quedas constantes?
Nesse momento, eu gostaria que você parasse por um instante a leitura progressiva deste texto e, de modo muito breve, consultasse a sua consciência, o seu coração, fazendo memória das quedas e das fraquezas que você tem vivido. Não a recordação de uma gama de pecados diversos; quero que se atente àqueles pecados que tem feito você cair com frequência, àqueles pecados que já foram dezenas ou centenas de vezes confessados, mas que, passado um breve tempo, você acaba caindo neles novamente. São como que pecados que nos tornam escravos, pois ainda que lutemos, logo nos vemos rendidos e no chão por causa deles, emaranhados de sujeiras e vícios.
Como isso cansa a nossa alma, não é mesmo? Como isso desanima a nossa caminhada cristã! Porque a realidade é que não somos pessoas más, que desejam o erro de maneira deliberada e corrupta, mas também nos vemos sem forças para nos desvincularmos do pecado.
Colocados frente a nós mesmos, sentimos vergonha de tantos compromissos feitos e assumidos diante de Deus e da resolução de que “agora será diferente“. Pura ilusão! Bastou o primeiro passo em falso, e ali estamos nós, chafurdados nos mesmos erros…
E por que não conseguimos vencer, de fato, esses pecados?
A resposta é dura, mas é real: Porque, de certa forma, “amamos” aquele pecado! Santo Agostinho chamará isso de “guerra da vontade“; já São Francisco de Sales chamará isso de “afeto pelo pecado“.
Há uma celebre frase de Santo Agostinho, quando ele ainda estava naquele processo de conversão e de conhecimento de Deus, iluminado pela beleza do que era a castidade – uma vez que viveu uma vida devassa – ele suplica a Deus a respeito da castidade desta forma: “Dai-me a castidade e a continência, mas não me deis já“.
Agostinho ainda afirmava que fazia dessa forma o pedido a Deus, porque temia que Deus o ouvisse logo e o curasse “imediatamente da doença da concupiscência que antes preferia suportar que extinguir“. Entenderam essa confissão de Santo Agostinho? Ele queria se livrar, realmente, daqueles hábitos de pecados, mas, no fundo, não queria se livrar naquele momento; e ele confessa que prefere suportar a dor dos seus pecados e suas consequências a extingui-los de uma vez por todas da sua vida.
O que Agostinho está dizendo indiretamente é: “Senhor, eu O amo, mas ainda amo os meus pecados!“. Em meio a tamanhas lutas, Agostinho tinha a consciência e a resolução do que era o correto a fazer, e dentro dele dizia: “Vai ser agora, agora mesmo“, e querendo livrar-se daquela vida velha, notou algo interessante que acontecia com ele, e novamente diz: “Estava a ponto de cumprir, e não o cumpria. Já não recaia nas antigas paixões, mas estava próximo delas e respirava-as. Ao mesmo tempo, esforçava-me por chegar a uma decisão. Faltava pouco, sim, faltava pouco. Já quase a atingia e segurava. [Mas] simplesmente me mantinha indeciso“.
Santo Agostinho está revelando aquilo que são as nossas próprias lutas, que ninguém está isento desse tipo de “amor” aos próprios pecados! No fundo, Agostinho queria experimentar só mais “um pouquinho” aquelas satisfações carnais antes de as deixar.
Você já se viu vivendo isso? Diante de uma situação de pecado, você diz: “Será só mais essa vez e nunca mais volto a fazer!“. Possivelmente, isso já fez parte da sua biografia. E como nos envergonha lembrarmos que amamos os nossos pecados!
Agora, Agostinho faz uma bela e verdadeira reflexão falando sobre a guerra da nossa vontade. Você precisará ler atentamente para compreender a retórica do santo:
“A alma manda ao corpo, e este imediatamente lhe obedece; a alma dá uma ordem a si mesma, e resiste! Ordena a alma à mão que se mova, e é tão grande a facilidade, que o mandato mal se distingue da execução. E a alma é alma, e a mão é corpo! A alma ordena que a alma queira, e, sendo a mesma alma, não obedece. Por que isso acontece? Qual a razão? Repito: a alma ordena que queira – porque se não quisesse não mandaria – e não executa o que manda!”
Agora, Agostinho nos dá a chave do entendimento do porquê isso acontece:
“Mas não quer totalmente. Portanto, não ordena terminantemente. Manda na proporção do querer. Não se executa o que ela ordena enquanto ela não quiser, porque a vontade é que manda que seja vontade. Se não ordena plenamente, logo não é o que manda, pois se a vontade fosse plena, não ordenaria que fosse vontade, porque já o era. Portanto, não é prodígio nenhum, em parte querer e em parte não querer, mas uma doença da alma. Com efeito, esta, sobrecarregada pelo hábito, não levanta totalmente, apesar de socorrida pela verdade. São, pois, duas vontades. Porque uma delas não é completa, encerra o que falta à outra.”
Fiquei surpreendido ao ler esse texto! Para alguns, sei que a linguagem de Agostinho não deixa muito claro ou confunde o que ele quer dizer, mas vou rapidamente simplificar o que ele disse:
A grande verdade é que eu e você não queremos abandonar totalmente alguns pecados. Existem duas vontades em nós, uma quer Deus e a outra quer o pecado; e Agostinho claramente diz que isso é uma doença da alma.
Se nossa alma dá uma ordem para que o nosso braço se levante, sem remediar, o nosso braço se levantará! Faço o teste agora: pense em querer levantar o braço e levante-o agora! Viu? Seu braço foi suspenso, porque sua alma, realmente, o quis. A alma, no entanto, é uma realidade espiritual, e o corpo uma realidade material, mesmo assim, o corpo a obedece prontamente!
Quando, contudo, a alma dá uma ordem a si mesma, para obter a resposta da nossa vontade, ela não obtém o mesmo resultado; e a alma, por vezes, não obedece a sua própria ordem. Isso se dá, porque, na ordem de levantar o braço, a ordem foi dada de modo decidido, e não tem como recuar, mas em relação ao pecado, a alma, no fundo, não ordena terminantemente, porque “não quer totalmente“. Agostinho ainda diz que estamos “sobrecarregados” pelos hábitos, e isso nos impede de nos levantarmos totalmente. Por isso continuamos a cair nos mesmos pecados sempre!
Concluímos, portanto, que nós podemos estar carregando uma doença em nossa alma, e nem sabíamos disso! Isso é muito sério, porque coloca em risco a nossa Salvação!
O problema deste “amor”, deste afeto que trazemos por alguns pecados, é o que São Francisco de Sales diz: “…eles bem quereriam poder pecar sem condenar-se.”
E nisto, se encontra um bom discernimento para nos questionarmos destes “amores perversos”: se isso que praticamos, não nos fosse lançar nas profundezas do inferno, eu pararia de realizá-lo?
São Francisco de Sales faz uma comparação muito clara com estes afetos que carregamos dos nossos pecados com uma “mulher que, tendo detestado os seus amores ilícitos, contudo se compraz em ser procurada e em receber galanteios. Ai! Que essas pessoas estão em grande perigo!”
Para não me delongar mais, finalizo com São Francisco de Sales deixando tudo mais claro ainda:
“Precisas não só deixar o pecado, mas, com todas as forças, de purificar e limpar o teu coração de todos os afetos que dependem do pecado; porque além do perigo que haveria de recair nele, estes miseráveis afetos enfraqueceriam perpetuamente o teu espírito, e a tal extremo o oprimiriam, que ele não poderia fazer as boas obras pronta, diligente e frequentemente, no que sem dúvida consiste a verdadeira essência da devoção. As almas que, saídas do pecado, ainda tem afeições e transgressões, no meu modo de ver, parecem-se com aquelas moças que estão anêmicas e que não estão doentes, mas todas as sua ações são de doença: comem sem gosto, dormem sem descanso, riem sem alegria e mais se arrastam do que andam; da mesma forma, estas almas fazem o bem com fraquezas espirituais tão singulares e notáveis, que tiram toda a graça aos seus bons exercícios, que são poucos em número e pequenos no efeito.”
Quero finalizar esta primeira parte do artigo, pedindo que você faça uma séria reflexão! O objetivo primeiro deste artigo é nos incomodar e, nos levar a uma revisão de vida. Talvez será necessário você ler de novo, com papel e caneta para fazer anotações. Em tempos que tudo precisa de respostas rápidas, tenha a coragem de parar um pouco. O texto delongou, traz uma gramática não tão simples de ser entendida e absorvida. Releia, reze, reflita…
Anote aqueles pecados em que você nota que traz por eles um tipo de afeto.
No próximo artigo, vou oferecer alguns passos para tentarmos nos purificar destes afetos desordenados.
Boa reflexão!
Deus abençoe!
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Danilo Gesualdo é membro da Comunidade Canção Nova e atua junto ao Ministério de Cura e Libertação.
Para contato, envie-me um e-mail para: livresdetodomal@cancaonova.com