Por meio da Palavra, Deus fala!
Desde que comecei a viver uma experiência com a palavra de Deus, ela sempre foi um meio de encontro com o Senhor. A vivência com ela é sempre um tempo forte. A Palavra tem som! Por meio dela, é o próprio Deus quem fala comigo, ora me consolando, ora me dando consciência do que preciso; e sempre me colocando no trilho.
Neste tempo, o estudo da palavra tem me conduzido a viver o evangelho de maneira simples, no que é ordinário; ele tem me colocado no hoje, no agora, no que eu já sou e no que eu ainda preciso ser. Uma experiência concreta com a palavra que mudou a minha forma de viver a minha vocação foi quando mais uma vez retomei o evangelho do jovem rico (Mt 19,16-30).
Vendo a figura daquele jovem tão preocupado em cumprir o que lhe era proposto para garantir o seu lugar, Deus foi “falando comigo”. Fui também me enxergando no desejo sempre sincero de responder, de fazer o que é certo. Contudo, ficava claro para mim que, tanto quanto aquele jovem que fazia tudo o que era certo perante a lei, mas ainda não havia se encontrado com o “Autor da lei”, até aqui eu havia me encontrado com a “obra e o amor de Deus”, porém, não com o próprio Deus. Quis segui-Lo, muitas vezes, pelo que Ele fazia (obra) e pelo que Ele dava (amor), mas não por quem Ele era. Entendia o seguimento de Cristo e a minha vocação muito mais como uma caminho de santificação, de “conquista da vida eterna”, do que como um meio para ter o meu coração unido ao de Deus.
Fui vendo o meu seguimento de forma tão egoísta. E, como aquele jovem, eu também estava muito mais preocupada com a minha salvação do que em construir um caminho de união com Deus. E, ali, diante daquela palavra, era como se o Senhor quisesse se revelar a mim como foi com Moisés: “Eu Sou”; Ele quis que eu O visse por quem Ele é e nada mais. É como se até aquele momento, por não conhecê-Lo por quem Ele é, muitas vezes, minha confiança ainda era limitada. Como se, até então, eu confiasse em Deus, contasse com Ele, mas contasse muito mais com as minhas forças. Agora, o pedido que Ele me fazia era para confiar-me a Ele, para viver a partir d’Ele.
.:A Palavra do meu chamado vocacional
Era preciso vender tudo, para segui-Lo!
No convite feito àquele jovem, fui sendo impelida a dar passos na vivência do abandono e do desapego. Era preciso vender tudo, e isso dizia de abrir mão, de esvaziar-me para deixar Deus ocupar o espaço que é d’Ele. Fui deixando que essa realidade se encarnasse no meu dia a dia e muita coisa foi se transformando em mim. A minha forma de rezar mudou, me vejo mais unida a Deus, a minha forma de ler os documentos da Comunidade e de entender a consagração também mudou, é um novo olhar. Vi que tinha uma tendência a querer controlar as coisas, o tempo, a hora em que elas se realizavam, enfim, manter tudo debaixo do meu olhar. Neste caminho de submeter tudo a Deus, fui me deixando ser muitas vezes desprogramada e ver que o que Deus tinha para o meu dia era bem melhor do que o que eu gostaria; e é isso que me santifica.
Ainda hoje, essa voz ecoa dentro de mim me convidando a vender tudo, a dar aos pobres, entendendo aqui o pobre como toda pessoa que carece de algo que eu posso oferecer e a só depois segui-Lo. Sou então, mais uma vez, recordada de que, para segui-lo, preciso escolher não me prender a nada; e, de novo, a transformação acontece, a partir da ruptura com o que ainda me prende. Isso, porque, a Palavra, como diz Bento XVI, não é informativa, ela é performativa, é atuante, acontece em nós cada vez que é proclamada. E enquanto ainda em mim houver apegos, ouvirei o convite que o Verbo me faz: “Vá; vende tudo, dá aos pobres; e, depois, vem e segue-me!”