01. dezembro 2014 · Comentários desativados em O dom da Comunhão e da Comunidade · Categories: Sem categoria

A vida fraterna em comunidade

Membros do Discipulado 2012, Comunidade Canção Nova

Hoje, proponho como reflexão o primeiro capitulo do documento “A Vida Fraterna em Comunidade” publicada pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de vida apostólica, pois em ocasião do Ano da Vida Consagrada, proposto pelo Papa Francisco pra 2015. Esta publicação traz um rápido olhar às mudanças acontecidas nos aspetos que puderam influenciar mais de perto a qualidade da vida fraterna e seu modo de atuação nas várias comunidades religiosas. Boa leitura!


Antes de ser uma construção humana, a comunidade religiosa é um dom do Espírito. De fato, é do amor de Deus difundido nos corações por meio do Espírito que a comunidade religiosa se origina e por ele se constrói como uma verdadeira família reunida no nome do Senhor.

Não se pode compreender, portanto, a comunidade religiosa sem partir do fato de ela ser dom do Alto, de seu mistério e de seu radicar-se no coração mesmo da Trindade santa e santificante, que a quer como parte do mistério da Igreja, para a vida do mundo.

Criando o ser humano à própria imagem e semelhança, Deus o criou para a comunhão. O Deus criador que se revelou como Amor, Trindade, comunhão, chamou o homem a entrar em íntima relação com Ele e à comunhão interpessoal, isto é, à fraternidade universal.

Essa é mais alta vocação do homem: entrar em comunhão com Deus e com os outros homens, seus irmãos. Esse desígnio de Deus foi comprometido pelo pecado que quebrou todo o tipo de relação: entre o gênero humano e Deus, entre o homem e a mulher, entre irmão e irmã, entre os povos, entre a humanidade e a criação.

Em seu grande amor, o Pai mandou seu Filho para que, novo Adão, reconstituísse e levasse toda a criação à plena unidade. Ele, vindo entre nós, constituiu o inicio do novo povo de Deus chamando ao redor de si apóstolos e discípulos, homens e mulheres, parábola viva da família humana reunida em unidade. A eles anunciou a fraternidade universal no Pai que nos fez seus familiares, filhos seus e irmãos entre nós. Assim ensinou a igualdade na fraternidade e a reconciliação no perdão. Inverteu as relações de poder e de domínio, dando ele mesmo exemplo de como servir e colocar-se no último lugar.

Durante a última ceia, confiou-lhes o mandamento novo do amor mútuo: “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; como eu vos tenho amado, assim amai-vos também vós uns aos outros” (Jo 13, 34; Cf. 15, 12); instituiu a Eucaristia que, fando-nos comungar no único pão e no único cálice, alimenta o amor mútuo. Dirigiu-se então ao Pai pedindo, como síntese de seus desejos, a unidade de todos conforme o modelo da unidade trinitária: “Meu Pai, que es estejam em nós, assim como tu estás em mim e eu em ti; que eles sejam um!” (Jo 17, 21).

Entregando-se, depois, à vontade do Pai, no mistério pascal realizou aquela unidade que havia ensinado os discípulos viverem e que havia pedido ao Pai. Com sua morte de cruz destruiu o muro de separação entre povos, reconciliando todos na unidade (Cf. Ef 2, 14-16), ensinando-nos assim que a comunhão e a unidade são o fruto da condivisão de seu mistério de morte.

A vinda do Espírito Santo, primeiro dom aos que têm fé, realizou a unidade querida por Cristo. Efundido sobre os discípulos reunidos no cenáculo com Maria, deu visibilidade à Igreja que, desde o primeiro momento, se caracteriza como fraternidade e comunhão, na unidade de um só coração e de uma só alma (Cf. At 4, 32).

Essa comunhão é o vinculo da caridade que une entre si todos os membros do mesmo Corpo de Cristo, e o Corpo com sua Cabeça. A mesma presença vivificante do Espírito Santo constrói em Cristo a coesão orgânica: Ele unifica a Igreja na comunhão e no ministério; Ele a coordena e rege com diversos dons hierárquicos e carismáticos que se complementam entre si; Ele a embeleza com seus frutos.

Em sua peregrinação por este mundo, a Igreja, una e santa, se caracterizou constantemente por uma tensão, muitas vezes sofrida, rumo à unidade efetiva. Ao longo de seu caminho histórico, tomou sempre maior consciência de ser povo e família de Deus, Corpo de Cristo, Templo do Espírito, Sacramento da intima união do gênero humano, comunhão, ícone da Trindade. O Concílio Vaticano II ressaltou, como talvez nunca antes de então, essa dimensão mistérica e comunional da Igreja.

A Comunidade religiosa: expressão da comunhão eclesial

A vida consagrada, desde seu nascimento, compreendeu essa íntima natureza do cristianismo. De fato, a comunidade religiosa se sentiu em continuidade com o grupo daqueles que seguiam a Jesus. Ele os havia chamado pessoalmente, um a um, para viver em comunhão com Ele e com os outros discípulos, para compartilhar sua vida e seu destino (Cf. Mc 3, 13-15), de modo a serem sinal da vida e da comunhão inaugurada por Ele. As primeiras comunidades monásticas olharam para a comunidade dos discípulos que seguiam a Cristo e para a comunidade de Jerusalém como para um ideal de vida. Como a Igreja nascente, tendo um só coração e uma só alma, os monges, reunindo-se entre si ao redor de um guia espiritual, o abade, propuseram-se a viver a radical comunhão dos bens materiais e espirituais e a unidade instaurada por Cristo. Essa comunhão encontra seu arquétipo e seu dinamismo unificante na vida de unidade das Pessoas da Santíssima Trindade.

Nos séculos seguintes surgem múltiplas formas de comunidade sob a ação carismática do Espírito. Ele, que perscruta o coração humano, vai-lhes ao encontro e responde a suas necessidades. Suscita assim homens e mulheres que, iluminados com a luz do Evangelho e sensíveis aos sinais dos tempos, dão vida a novas famílias religiosas e, portanto, a novas maneiras de atuar a única comunhão, na diversidade dos ministérios e das comunidades.

De fato, não se pode falar, de modo unívoco, de comunidade religiosa. A história da vida consagrada testemunha maneiras diferentes de viver a única comunhão, de acordo com a natureza de cada um dos institutos. Assim hoje podemos admirar a «maravilhosa variedade» das famílias religiosas das quais a Igreja é rica e que a tornam preparada para qualquer obra boa e, portanto, podemos admirar a variedade das formas de comunidades religiosas.

No entanto, na variedade de suas formas, a vida fraterna em comum sempre apareceu como uma radicalização do comum espírito fraterno que une todos os cristãos. A comunidade religiosa é visualização da comunhão que funda a Igreja e, ao mesmo tempo, profecia da unidade à qual tende como sua meta final. «Peritos em comunhão, os religiosos são chamados a ser, na comunidade eclesial e no mundo, testemunhas e artífices daquele projeto de comunhão que está no vértice da história do homem segundo Deus. Antes de tudo, com a profissão dos conselhos evangélicos, que liberta de qualquer impedimento o fervor da caridade, eles se tornam comunitariamente sinal profético da íntima união com Deus sumamente amado”.

Além disso, pela cotidiana experiência de uma comunhão de vida, de oração e de apostolado, como componente essencial e distintivo de sua forma de vida consagrada, fazem-se “sinal de comunhão fraterna”. De fato, num mundo muitas vezes tão profundamente dividido e diante de todos os seus irmãos na fé, testemunham a capacidade de comunhão dos bens, do afeto fraterno, do projeto de vida e de atividade. Essa capacidade lhes provém do fato de terem atendido ao convite para seguir mais livremente e mais de perto Cristo Senhor, enviado pelo Pai, a fim de que, primogênito entre muitos irmãos, instituísse, no dom de seu Espírito, uma nova comunhão fraterna».

Isso será tanto mais visível quanto mais eles, não só sintam com e dentro da Igreja, mas também sintam a Igreja, identificando-se com ela em plena comunhão com sua doutrina, sua vida, seus pastores, seus fiéis e sua missão no mundo.

Particularmente significativo é o testemunho dado pelos contemplativos e pelas contemplativas. Para eles a vida fraterna tem dimensões mais vastas e mais profundas, que derivam da exigência fundamental dessa especial vocação, isto é, a busca somente de Deus no silêncio e na oração. Sua contínua atenção a Deus torna mais delicada e respeitosa a atenção aos outros membros da comunidade; a contemplação se torna uma força libertadora de qualquer forma de egoísmo.

A vida fraterna em comum, num mosteiro, é chamada a ser sinal vivo do mistério da Igreja: quanto maior o mistério da graça, tanto mais rico o fruto da salvação.

Assim o Espírito do Senhor que reuniu os primeiros fiéis e que continuamente convoca a Igreja numa única família, convoca e sustenta as famílias religiosas que, através de suas comunidades esparsas por toda a terra, têm a missão de ser sinais particularmente legíveis da íntima comunhão que anima e constitui a Igreja e de ser sustentáculo para a realização do plano de Deus.

Fonte: Congregavit nos in unum Christi amor (Capítulo I)