Sim, pode. Mas, calma! Leia o artigo todo e entenda os limites morais desta mobilização. Hoje, pela manhã, após assistir a um telejornal que noticiou sobre uma greve em hospitais no Distrito Federal, fiquei com a dúvida: qual o papel do cristão neste contexto? É moralmente correto um cristão associar-se e participar de uma greve? Qual o papel do empregador que se diz cristão? Para fundamentar e esclarecer esses questionamentos, li e compartilho abaixo um trecho do Compêndio da Doutrina Social da Igreja que instrui sobre os Direitos dos Trabalhadores. Boa leitura!
Dignidade dos trabalhadores e respeito dos seus direitos
Os direitos dos trabalhadores, como todos os demais direitos, se baseiam na natureza da pessoa humana e na sua dignidade transcendente. O Magistério social da Igreja houve por bem enumerar alguns deles, auspiciando o seu reconhecimento nos ordenamentos jurídicos:
- o direito a uma justa remuneração;
- o direito ao repouso;
- o direito «a dispor de ambientes de trabalho e de processos de laboração que não causem dano à saúde física dos trabalhadores nem lesem a sua integridade moral »;
- o direito a ver salvaguardada a própria personalidade no lugar de trabalho, « sem serem violados seja de que modo for na própria consciência ou dignidade »;
- o direito a convenientes subvenções indispensáveis para a subsistência dos trabalhadores desempregados e das suas famílias;
- do direito à pensão de aposentadoria ou reforma, ao seguro para a velhice bem como para a doença e ao seguro para os casos de acidentes de trabalho;
- o direito a disposições sociais referentes à maternidade;
- o direito de reunir-se e de associar-se.
Tais direitos são freqüentemente desrespeitados, como confirmam os tristes fenômenos do trabalho sub-remunerado, desprovido de tutela ou não representado de modo adequado. Dá-se com freqüência que as condições de trabalho para homens, mulheres e crianças, especialmente nos países em via de desenvolvimento, sejam tão desumanas que ofendem a sua dignidade e prejudicam a sua saúde.
O direito à remuneração equitativa e distribuição da renda
A remuneração é o instrumento mais importante para realizar a justiça nas relações de trabalho. O “justo salário é o fruto legítimo do trabalho”; comete grave injustiça quem o recusa ou não o dá no tempo devido e em proporção equitativa ao trabalho realizado( cf. Lv 19, 13; Dt 24, 14-15; Tg 5, 4). O salário é o instrumento que permite ao trabalhador aceder aos bens da terra: “o trabalho deve ser remunerado de tal modo que permita ao homem e à família levar uma vida digna, tanto material ou social, como cultural ou espiritual, tendo em conta as funções e a produtividade de cada um, e o bem comum”.
O simples acordo entre empregado e empregador acerca do montante da remuneração não basta para qualificar como “justa” a remuneração concordada, porque ela “não deve ser inferior ao sustento” do trabalhador: a justiça natural é anterior e superior à liberdade do contrato.
O bem-estar econômico de um País não se mede exclusivamente pela quantidade de bens produzidos, mas também levando em conta o modo como são produzidos e o grau de equidade na distribuição das rendas, que a todos deveria consentir ter à disposição o que é necessário para desenvolvimento e o aperfeiçoamento da própria pessoa.
Uma distribuição equitativa da renda deve ser buscada com base em critérios não só de justiça comutativa, mas também de justiça social, ou seja, considerando, além do valor objetivo das prestações de trabalho, a dignidade humana dos sujeitos que as realizam. Um bem-estar econômico autêntico se persegue também através de adequadas políticas sociais de redistribuição da renda que, tendo em conta as condições gerais, considerem oportunamente os méritos e as necessidades de cada cidadão.
O direito de greve
A doutrina social reconhece a legitimidade da greve “quando se apresenta como recurso inevitável, e mesmo necessário, em vista de um benefício proporcionado”, depois de se terem revelado ineficazes todos os outros recursos para a composição dos conflitos.
A greve, uma das conquistas mais penosas do associacionismo sindical, pode ser definida como a recusa coletiva e concertada, por parte dos trabalhadores, de prestar o seu trabalho, com o objetivo de obter, por meio da pressão assim exercida sobre os empregadores, sobre o Estado e sobre a opinião pública, melhores condições de trabalho e da sua situação social.
Também a greve, conquanto se perfile “como … uma espécie de ultimato”, deve ser sempre um método pacífico de reivindicação e de luta pelos próprios direitos; torna-se “moralmente inaceitável quando é acompanhada de violências ou ainda quando se lhe atribuem objetivos não diretamente ligados às condições de trabalho ou contrários ao bem comum”.
Fonte: DSI
Nota: Recomendo também que você pesquise a legislação do seu país sobre esse tema. No Brasil, por exemplo, a Lei Civil que dispõe sobre o exercício do direito de greve pode ser encontrada na Constituição Federal Brasileira – Lei Nº 7.783, 28/06/1989. No campo eclesial, outro excelente referencial teórico é a Carta encíclica Laborem exercens de São João Paulo II sobre o trabalho humano.
Ainda sobre esse assunto, vale a pena saber que é mediante ao trabalho que o homem deve procurar-se o pão quotidiano e contribuir para o progresso contínuo das ciências e da técnica, e sobretudo para a incessante elevação cultural e moral da sociedade, na qual vive em comunidade com os próprios irmãos.
“Quem não trabalha, não deve comer” (cf. IITessalonicenses 6 -11), escreveu o apóstolo São Paulo. Claro que essa “bronca” estava dentro de um contexto, pois alguns membros das comunidades cristãs também daquela época, estavam deixando o trabalho de lado e querendo viver somente as custas das doações, pois acreditavam que a ‘segunda vinda de Jesus’ aconteceria dentro de alguns dias. O que se espera como resultante de uma greve: condições dignas de trabalho ou a manutenção do vício da preguiça? Espera-se pela segunda e definitiva vinda de Jesus para, posteriormente, adorar a Deus no céu ou para dormir num “ócio eterno”? Será que a fuga para o céu é porque você não aguenta seu gestor ou colegas e tem problemas de relacionamento? Seria hoje o “dono da vinha” enquadrado na CLT por assédio moral? Enfim, a realidade escatológica do Céu é a esperança dos cristãos, mas até lá fiquemos com a máxima beneditina: “Ore e trabalhe”; e, se necessário, faça greve.
Até a próxima e que Deus nos abençoe!
Cleber Rodrigues