A Virgem Maria foi formada no sofrimento para estar de pé junto à cruz de Cristo.
A Virgem Maria passa por vários sofrimentos, é tratada com dureza por seu Filho Jesus Cristo, numa constante iniciação à fé pura e formada para estar de pé junto à cruz. Junto desta, esteve com Jesus “não sem desígnio de Deus (cf. Jo 19, 25), sofrendo com o seu Filho único, e associando-se com coração de mãe ao Seu sacrifício, consentindo com amor no sacrifício da vítima por ela mesma gerada. Finalmente, pelo próprio Cristo Jesus moribundo na cruz foi dada como mãe ao discípulo com estas palavras: Mulher, eis aí o teu filho (cf. Jo 19, 26-27)” (Constituição Dogmática Lumen Gentium, 58).
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Ficamos surpresos, sem saber a razão do tratamento de Jesus para com a sua Mãe, tanto nas Bodas de Caná como no Calvário (cf. Jo 2, 4; 19, 26), nos quais Maria é tratada por “mulher”. “É ele o primeiro a empunhar a espada que a deve trespassar” (Hans Urs Von Balthasar, Maria Primeira Igreja, p. 107). Maria estava sendo preparada, desde a profecia de Simeão (cf. Lc 2, 35), passando pela forma dura com a qual Jesus tratou Maria em Caná (cf. Jo 2, 4) e em outras narrativas bíblicas, para o momento decisivo junto à cruz (cf. Jo 19, 25). A providência divina usou dessa pedagogia com a Virgem Maria para o seu amadurecimento na fé, para que ela estivesse de pé junto à cruz de Cristo (cf. Jo 19, 25).
No Calvário, manifesta-se o aparente fracasso do Filho e o seu abandono pelo Pai (cf. Mt 27, 46), aos quais a Mãe precisa dizer “sim”, pois ela aceitou todo o destino de seu Filho (cf. Lc 1, 31-33; 2, 34-35). “E como para encher totalmente o cálice amargo, o Filho, ao morrer, abandona explicitamente sua mãe, na medida em que se lhe retira e lhe atribui um outro filho: ‘Mulher, eis o teu filho’ (Jo 19, 26)” (Idem, p. 108). Nesta passagem, vemos o cuidado de Jesus com a sobrevivência de sua Mãe, e se “torna evidente que Maria manifestamente não tinha outros filhos segundo a carne, pois, se não, a sua entrega ao discípulo amado seria supérflua e inadmissível” (Idem, ibidem). Entretanto, há um outro motivo para esta passagem, que não deve passar desapercebido: “tal como o Filho é abandonado pelo Pai, também Ele abandona sua mãe, de forma que ambos estão unidos no mesmo abandono. Só assim ela está intimamente preparada para assumir a maternidade eclesial relativamente a todos os novos irmãos e irmãs de Jesus” (Idem, ibidem).
A obediência da Mãe do Salvador, a sua abertura à vontade do Pai, a fez livre para assumir esta maternidade espiritual dos crentes. O engrandecer Deus (cf. Lc 1, 45), que está presente em Maria, significa tornar-nos livres para Ele, significa um verdadeiro êxodo, uma saída do ser humano de si mesmo, a passagem da oposição para a união das duas vontades, a vontade humana e a divina, que passa pela cruz da obediência. Este aspecto crucificante da graça, da profecia, da mística, encontramos referido em Lucas, no que diz respeito a Maria, em primeiro lugar no encontro com o velho Simeão. Este diz profeticamente a seu respeito: “uma espada traspassará a tua alma!” (Lc 1, 35a). Esta profecia de Simeão nos remeta à profecia de Natan a David, que havia mandado matar Urias: “a espada jamais se afastará de tua casa” (2 Sm 12, 9). “A espada que impende sobre a casa de David fere agora o coração de Maria. No verdadeiro David que é Cristo, e em sua mãe, a Virgem pura, a maldição é executada e superada” (Joseph Ratzinger, Maria Primeira Igreja, p. 74).
Portanto, Nossa Senhora foi formada pela providência divina para estar junto à cruz de Cristo (cf. Jo 19, 25). Os sofrimentos e contrariedades em sua vida serviram para o amadurecimento da fé da Mãe de Jesus. A espada de dor que transpassa o coração de Maria, o abandono de seu Filho (cf. Jo 19, 25-27), preparam a Virgem para ser Mãe da Igreja, Mãe de todos e cada um dos filhos de Deus. Isso significa que quando somos visitados pelos sofrimentos, nos sentimos abandonados pelo Senhor, temos uma Mãe que nos acolhe, que cuida de nós. Jesus nos diz, no auge da sua dor, do seu sofrimento, do seu abandono pelo Pai: “Eis a tua Mãe!” (Jo 19, 27). De nossa parte, somos chamados a acolher Maria em nossa casa, em nossas vidas, pois ela é nossa Mãe (cf. Jo 19, 27).