Maria, Mãe e Filha da misericórdia de Deus

A Virgem Maria e o seu ser Mãe e Filha, escrava e instrumento, da misericórdia de Deus.

No contexto deste Ano Santo da Misericórdia, neste Tempo do Advento, refletir sobre a Santíssima Virgem Maria como Mãe e Filha da misericórdia de Deus pode nos dar muitas luzes para nossa vida em Cristo Jesus. Desde o século XI, a Mãe de Deus é invocada pelos cristãos, na antiquíssima oração da Salve Regina, com a expressão em latim “Mater misericordiae”, que significa Mãe da misericórdia. Na mesma oração, a Mãe da Igreja é dirigida a invocação: “illos tuos misericordes oculos ad nos converte”, que quer dizer: “esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei”. Esta maternidade misericordiosa da Virgem Maria tem dois sentidos. Primeiramente, “ela foi a porta através da qual a misericórdia de Deus, com Jesus, entrou no mundo, e agora é a porta por meio da qual nós entramos na misericórdia de Deus, nos apresentamos diante do ‘trono da misericórdia’ que é a Trindade”1. Simbolicamente, na Santa Missa de abertura do Ano da Misericórdia, que foi celebrada na Praça de São Pedro, no último dia 8 de dezembro, “ao lado do altar estava exposto um antigo ícone da Mãe de Deus, venerada em um santuário pelos grego-católicos de Jaroslav, na Polônia, conhecida como a ‘Porta da misericórdia’”2. Neste contexto histórico e litúrgico riquíssimo no qual vivemos hoje, meditemos sobre a misericórdia divina na vida da Santíssima Virgem, com o ardente desejo de colher muitos frutos para a nossa vida espiritual.

A Virgem Maria e o seu ser Mãe e Filha, escrava e instrumento, da misericórdia de Deus.

Anunciação do Arcando São Gabriel a Virgem Maria

Receba o conteúdo deste blog gratuitamente em seu e-mail.

A Virgem Maria: mãe e filha da misericórdia de Deus

Ser Mãe da misericórdia é apenas um dos aspectos da relação entre a Virgem Maria e a misericórdia de Deus. A Mãe de Jesus não é somente canal e mediadora da misericórdia de Deus, mas é também o objeto e a primeira destinatária da misericórdia. A Mãe de Deus “não é só aquela que nos obtém misericórdia, mas também aquela que obteve, primeiramente e mais do que todos, misericórdia. Para meditar a esse respeito, recordemos que a palavra “misericórdia” é sinônimo de graça e que ambas dizem respeito a Deus somente em relação a nós. “Só na Trindade o amor é natureza e não é graça; é amor, mas não misericórdia. Que o Pai ame o Filho, não é graça ou concessão; é, em certo sentido, necessidade; o Pai tem necessidade de amar para existir como Pai. Que o Filho ame o Pai, não é concessão ou graça; é necessidade intrínseca, embora seja perfeitamente livre; ele precisa ser amado e amar para ser Filho”3. Somente quando Deus criou o mundo e as criaturas livres que nele vivem, o seu amor se tornou gratuito e imerecido, ou seja, graça e misericórdia. Estas dizem respeito apenas a quem é inferior ou necessita da ajuda de alguém, ou alguma coisa, como nós em relação a Deus. Isso já era assim antes mesmo do pecado entrar no mundo4. Por causa do pecado, conhecemos mais uma das “faces” da misericórdia de Deus, que se chama perdão. O título “cheia de graça”5, atribuído a Virgem de Nazaré pelo Arcanjo são Gabriel, é sinônimo de “cheia de misericórdia”, que diz muito desta Filha da misericórdia por primazia e excelência. Maria Santíssima proclamou essa verdade da misericórdia divina no seu Magnificat: “porque olhou para sua pobre serva […] a sua misericórdia se estende de geração em geração […] lembrado da sua misericórdia”6. Em seu cântico, a Virgem Maria se sente beneficiária e, ao mesmo tempo, testemunha privilegiada da misericórdia.

Ouça programa do Padre Paulo Ricardo com o tema “Quem acolhe Maria, acolhe a graça de Cristo”:

Maria de Nazaré: a primeira testemunha da misericórdia

Em Nossa Senhora, “a misericórdia de Deus não se materializou como perdão dos pecados, mas como preservação do pecado. Deus fez com ela, dizia Santa Teresa do Menino Jesus, o que faria um bom médico em tempos de epidemia. Ele vai de casa em casa para curar aqueles que contraíram a infecção; mas se tem um pessoa que ele gosta especialmente, como a esposa ou a mãe, tentará, se possível, que nem sequer seja contagiada”7. Dessa forma, Deus preservou Maria de Nazaré do pecado original, pelos méritos da paixão do seu Filho. A este respeito, o pensamento de Santo Agostinho sobre a humanidade de Jesus Cristo nos ajuda a refletir: “’com base no que, a humanidade de Jesus mereceu ser assumida pelo Verbo eterno do Pai na unidade da sua pessoa? Qual foi a sua boa obra que precedeu isso? O que tinha feito antes desse momento, no que tinha acreditado, ou pedido, para ser elevada a tal inefável dignidade?’. E acrescentava em outro lugar: ‘Procure o mérito, procure a justiça, reflita e veja se encontra outra coisa além de graça’”8. Estas palavras do Doutor da Graça lançam uma luz singular sobre a pessoa da Virgem Maria. Dela, devemos dizer com muito mais razão: “o que fez Maria, para merecer o privilégio de dar ao Verbo a sua humanidade? O que tinha acreditado, pedido, esperado ou sofrido, para vir ao mundo santa e imaculada? Procure também aqui, o mérito, procure a justiça, procure tudo o que quiser, e veja se encontra nela, no início, algo além de graça, ou seja, misericórdia!”9. Nesse sentido, o grande São Paulo confessa-se como fruto e troféu da misericórdia de Deus, durante toda a vida, especialmente depois da conversão.

O Apóstolo dos Gentios define-se como “alguém que alcançou misericórdia do Senhor”10. Ele não se limita a formular a doutrina da misericórdia, mas torna-se sua testemunha viva: “Eu era um blasfemo, um perseguidor e um violento. Mas fui tratado com misericórdia”11. Dessa forma, a Virgem Maria e o Apóstolo Paulo nos ensinam que o melhor modo de pregar a misericórdia é dar testemunho da misericórdia que Deus teve conosco. Como eles, devemos sentir-nos também frutos da misericórdia de Deus em Cristo Jesus, vivos só por ela. Nós, que livremente aceitamos o chamado de Jesus Cristo e fomos batizados, deixamos a escravidão do pecado e nos fizemos Seus escravos12. Paradoxalmente, ao nos fazer escravos do Senhor Jesus, participamos da “gloriosa liberdade dos filhos de Deus”13. Todavia, isso não significa que necessariamente somos todos chamados a proclamar esta verdade num apostolado da misericórdia. Nos dias de sua vida pública, Jesus Cristo curou um pobrezinho, possuído por um espírito imundo. Ao ver-se curado, ele quis segui-Lo e unir-se ao grupo dos discípulos. Entretanto, o Filho de Deus não permitiu, mas lhe disse: “Volte para a sua casa, para os seus, anuncie-lhes o que o Senhor te fez e a misericórdia que teve contigo”14. Dessa forma, compreendemos que, a exemplo da Virgem Maria, cada um de nós somos filhos da misericórdia e, por isso, devemos testemunhar pela vida, por palavras, pelas obras, o misericordiosíssimo amor de Deus.

Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo com o tema “A armadilha da misericórdia”:

A Mãe de Deus: escrava e instrumento da misericórdia

Na sua conceição imaculada, a Virgem Maria foi Filha da misericórdia, mais do que qualquer outra pessoa no mundo em todos os tempos, para depois tornar-se Mãe da misericórdia. Isso significa que, para ser Filha da misericórdia, não houve merecimento nenhum da Virgem Santíssima. Em vista do seu ser instrumento da misericórdia, a Virgem recebeu antecipadamente a misericórdia divina. No entanto, para ser Mãe da misericórdia foi necessário um ato de consagração total da Santíssima Virgem: “Eis aqui a escrava do Senhor”15. A Virgem de Nazaré se fez doulé Kyriou, no original em grego16, entregando-se inteiramente ao desígnio de salvação da Santíssima Trindade para o gênero humano17. Isto significa que, da mesma forma que por graça a Virgem Maria foi preservada do pecado original e chamada para ser Mãe do Filho do Altíssimo, gratuitamente ela se entregou ao desígnio de misericórdia e salvação para com todo o gênero humano. Dessa forma, compreendemos que o seu ser escrava e instrumento da misericórdia, não é nenhum exagero, mas sim uma resposta amorosa de Nossa Senhora a Deus, que já a havia agraciado desde a sua Imaculada Conceição. Além dessa entrega total, a Virgem de Nazaré fez ainda um corajoso ato de fé, dando o seu consentimento pleno ao projeto salvífico de Deus para a humanidade: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”18. Ao dizer estas simples palavras, a Virgem de Nazaré concebeu o Menino Jesus primeiro na fé, em seu coração, e depois na carne, em seu ventre, já diziam os Padres da Igreja19. Pela fé, o Espírito Santo desceu sobre Maria Santíssima e gerou o Filho do Altíssimo, no seu ventre virginal. Dessa forma, Nossa Senhora tornou-se instrumento da divina misericórdia, como bem profetizou sua prima Santa Isabel: “Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!”20. Desta maneira, compreendemos que a Mãe do Senhor não foi instrumento passivo nas mãos de Deus, mas foi necessária por parte dela uma fé operativa, e uma submissão radical à vontade do Senhor.

A Virgem Maria e o seu ser Mãe e Filha, escrava e instrumento, da misericórdia de Deus.

Visitação da Virgem Maria a Santa Isabel

Ouça programa do Padre Paulo Ricardo com o tema “A miséria e a misericórdia”:

Chamados a ser instrumentos da divina misericórdia

Assim, a misericórdia de Deus manifesta-se na vida da Virgem Maria, de maneira singular, desde o primeiro instante até os últimos dias de sua vida terrena. Primeiramente, a Virgem de Nazaré foi Filha da misericórdia para depois, do seu “sim” à Palavra do Senhor21, ser Mãe da misericórdia de Deus. Dessa forma, em Jesus Cristo somos todos filhos da Mãe da misericórdia e consequentemente somos também filhos da misericórdia, chamados a participar da sua maternidade misericordiosa. Em primeiro lugar, somos todos chamados a testemunhar, a exemplo da Santíssima Virgem, a misericórdia de Deus em nossas vidas. Este testemunho da misericórdia pode dar-se de vários modos: por uma vida de contínua ação de graças a Deus, a exemplo da Virgem Maria em seu Magnificat22; pelo serviço gratuito e desinteressado, como fez a Virgem de Nazaré à sua prima Santa Isabel23; enfim, através das obras de misericórdia corporais e espirituais, das quais a Santa Igreja tem modelos extraordinários, como: São Francisco de Assis, São Pio de Pietrelcina, Madre Teresa de Calcutá e tantos outros homens e mulheres de Deus que fizeram de suas obras uma contínua manifestação da ação misericordiosa de Deus no mundo. Todos somos chamados a ser instrumentos da misericórdia de Deus. No entanto, alguns são chamados a uma vocação específica, a proclamar a divina misericórdia, como São Paulo, pela pregação da Palavra de Deus, ou como Santa Teresinha do Menino Jesus, na vida totalmente consagrada a Deus, no silêncio, na contemplação e na oração, ou ainda como São Vicente de Paulo, grande apóstolo da caridade. Por fim, a exemplo da Virgem Maria e de tantos outros santos, que cada um de nós seja instrumento da misericórdia divina segundo o dom que recebemos, como nos ensina do Apóstolo da misericórdia: “Temos dons diferentes, conforme a graça que nos foi conferida. Aquele que tem o dom da profecia, exerça-o conforme a fé. Aquele que é chamado ao ministério, dedique-se ao ministério. Se tem o dom de ensinar, que ensine; o dom de exortar, que exorte; aquele que distribui as esmolas, faça-o com simplicidade; aquele que preside, presida com zelo; aquele que exerce a misericórdia, que o faça com afabilidade”24. Pois, somos filhos e instrumentos da misericórdia. Ó Virgem Maria, Mãe da misericórdia, rogai por nós!

Natalino Ueda, escravo inútil de Jesus em Maria.

Links relacionados:

TODO DE MARIA. A misericórdia de Maria com os pecadores.

TODO DE MARIA. Maria, a Mãe da Misericórdia.

Referências:

2 Idem, ibidem.

3 Idem, ibidem.

4 Cf. Gn 3, 1-15.

5 Lc 1, 28.

6 Lc 1, 46-55.

7 ZENIT. Op. cit.

8 Idem, ibidem.

9 Idem, ibidem.

10 1 Cor 7, 25.

11 1 Tm 1, 12.

12 Cf. 1 Cor 7, 22.

13 Rm 8, 21.

14 Mc 5, 19.

15 Lc 1, 38.

16 A palavra “doulos”, em grego, significa escravo. Este não um serviço próprio do assalariado, mas daquele que serve a um “senhor”, sem direito a nenhuma retribuição.

17 Cf. Lc 1, 30-35.

18 Lc 1, 38.

20 Lc 1, 45.

21 Cf. Lc 1, 39.

22 Cf. Lc 1, 46-55.

23 Cf. Lc 1, 39-45.

24 Rm 12, 6-8.

Comments

comments