São Lucas, o “pintor” de Maria, escreveu as mais lindas passagens e pintou belos ícones que nos dão a conhecer a presença e o auxílio da Mãe do Perpétuo Socorro em nossas vidas.
O título de Mãe é muito oportuno para o ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, pois desde os primórdios da Igreja esta imagem suscita a confiança no auxílio materno da Virgem Maria. O nome é apropriado para o ícone também porque a Santíssima Virgem é Mãe de Jesus Cristo, que é o Perpétuo Socorro enviado a nós, o Salvador da humanidade.
O Evangelho segundo São Lucas e os ícones pintados por ele, inclusive o de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, suscitaram na antiguidade e ainda inspiram a devoção e a confiança no auxílio materno da Virgem Maria. Por isso, vale a pena conhecer estas verdadeiras “pinturas” de São Lucas, suas mensagens, seus simbolismos, que suscitam a fé em Jesus Cristo e em sua Mãe Santíssima.
A veneração dos ícones sagrados nos primórdios da Igreja
O iconógrafo que pintou a imagem da Mãe do Perpétuo Socorro, atualmente exposto na igreja de Santo Afonso de Ligório, em Roma, permanece desconhecido. Todavia, segundo a tradição da Igreja, o pintor da imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro inspirou-se em um ícone que teria sido pintado pelo evangelista Lucas. O Santo foi provavelmente um dos primeiros iconógrafos, senão o primeiro, da história da Igreja Católica. Segundo antiga tradição, o Santo pintou ícones de Jesus Cristo, de Nossa Senhora, dos apóstolos São Pedro e São Paulo. Pinturas atribuídas a São Lucas existem até hoje e são muito veneradas pelos católicos. Entre os mais conhecidos, estão ícones: “Theotokos (Mãe de Deus) de Vladimir” e “Nossa Senhora de Czenstochowa”.
A veneração das imagens sagradas esteve presente desde os primórdios na história da Igreja Católica. As imagens do Santíssimo Redentor, da Virgem Maria, dos outros santos e dos anjos fazem parte da tradição de dois mil anos do catolicismo. Depois de certo tempo, houve quem quisesse suprimir as imagens da Igreja, em nome de um falso zelo. Para livrar a Igreja deste mal, foi necessária a intervenção do Santo Padre e dos Bispos. No VII Concílio Ecumênico, em Niceia, no ano de 787, o Magistério da Igreja “justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones: dos de Cristo, e também dos da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Encarnando, o Filho de Deus inaugurou uma nova ‘economia’ das imagens”1.
No início do século XVI, surgiram, entre os protestantes, “novos iconoclastas”, que fizeram muito pior do que seus antecessores. Eles quebraram imagens sagradas, invadiram, depredaram e queimaram igrejas, em nome da fidelidade a Bíblia. Este evento trágico na história da Igreja fez com que o culto às imagens sagradas perdesse a sua força em muitas igrejas e na espiritualidade de muitos fiéis. Para piorar a situação, com a tradução da Bíblia do latim para outras línguas, a leitura das Sagradas Escrituras tornou-se cada vez mais popular. Esta tendência ficou ainda mais forte quando, em nome de um falso zelo ecumênico, as imagens sagradas passaram a ser retiradas das igrejas e das casas.
A importância dos ícones na espiritualidade católica
A princípio, a retirada das imagens sagradas e a inserção das Sagradas Escrituras na espiritualidade católica podem até parecer benéficas para a Igreja. No entanto, esta mudança causou graves dificuldades. Pois, a maioria das pessoas não conhecia a Revelação, ou seja, as Sagradas Escrituras e Tradição da Igreja. Além disso, poucas pessoas conheciam a interpretação do Magistério da Igreja a respeito do mistério de Cristo e da Igreja. Consequentemente, houve equívocos, interpretações contraditórias, verdadeiras perversões no sentido de passagens da Bíblia, e também o surgimento e a propagação de heresias.
Até a Idade Média, que falsamente é considerada como “idade das trevas”, a maioria dos fiéis, que era pouco letrada ou analfabeta, aprendia o significado profundo dos ícones sagrados. Desse modo, pessoas sem instrução aprendiam a “ler” nos ícones o patrimônio de fé da Santa Igreja. No Renascimento, que na realidade foi um verdadeiro retorno ao paganismo, o tradicional culto aos ícones sagrados diminuiu sensivelmente. O culto aos ícones e imagens sagradas fazia parte da espiritualidade de um número cada vez menor de fiéis. Para tentar reverter essa situação, muitos santos e santas incentivaram o culto às imagens, além dos pronunciamentos oficiais da Igreja Católica e das igrejas particulares.
Entre outras intervenções do Magistério da Igreja, o Concílio Vaticano II pronunciou-se a respeito do espírito da pregação e do culto, na Constituição Dogmática Lumen Gentium. Neste documento, que é considerado o mais importante do Concílio, a Igreja Católica confirma o ensinamento que nos foi dado em 787, no Concílio de Niceia, quanto ao culto a Nossa Senhora e às imagens sagradas:
Muito de caso pensado ensina o sagrado Concílio esta doutrina católica, e ao mesmo tempo recomenda a todas os filhos da Igreja que fomentem generosamente o culto da Santíssima Virgem, sobretudo o culto litúrgico, que tenham em grande estima as práticas e exercícios de piedade para com Ela, aprovados no decorrer dos séculos pelo magistério, e que mantenham fielmente tudo aquilo que no passado foi decretado acerca do culto das imagens de Cristo, da Virgem e dos santos2.
A Providência divina a respeito do ícone da Virgem do Perpétuo Socorro
Na contramão dos fatos ocorridos depois da reforma protestante, a imagem milagrosa da Mãe do Perpétuo Socorro surge como que um sinal dos Céus para que voltemos ao culto tradicional dos ícones, que remonta os primeiros séculos da Igreja. Tudo começou quando, no final do século XV, um comerciante roubou a imagem da Senhora do Perpétuo Socorro de uma igreja da ilha de Creta, onde era venerada pelos fiéis. De posse do ícone, o negociante viajou de navio para Roma e, nesse percurso, escapou milagrosamente de uma tormenta em alto-mar. Se a embarcação naufragasse, provavelmente o ícone se perderia para sempre. Já em Roma, o negociante adoeceu gravemente, por isso, procurou um amigo. Em seu leito de morte, o comerciante, arrependeu-se, contou a ele que roubou o ícone e pediu o devolvesse a Igreja. O amigo prometeu devolver a imagem, mas depois mudou de ideia. Depois de algum tempo, morreu sem cumprir a promessa de devolver a imagem.
Por disposição da Providência divina, Nossa Senhora apareceu a uma menina da família que estava com o ícone e “mandou-lhe dizer à mãe e à avó que o quadro devia ser colocado na Igreja de São Mateus Apóstolo, situada entre as basílicas de Santa Maria Maior e São João Latrão, sob o título de Perpétuo Socorro”3. Em virtude do pedido da Virgem Maria, as mulheres devolveram o ícone, que foi exposto publicamente na igreja de São Mateus a partir de 27 de março de 1499. Com a divulgação dos fatos milagrosos, a devoção dos fiéis ao ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro começou a crescer em toda a Cidade Eterna. Nessa Igreja, a imagem foi venerada durante os 300 anos seguintes. Em virtude uma guerra, a Igreja de São Matheus foi destruída no ano de 1798 e a imagem foi retirada a tempo, mas ficou quase que esquecida por décadas. Somente em 26 de Abril de 1866, o ícone foi entronizado na igreja romana dedicada a Santo Afonso de Ligório, onde permanece até nossos dias. A partir de um pedido do Santo Padre, a propagação feita pelos Redentoristas levou a devoção a Mãe do Perpétuo Socorro ao mundo inteiro.
O ícone da Virgem do Perpétuo Socorro e o Evangelho de Jesus Cristo
São Lucas pintou belos ícones da Santíssima Virgem, como o de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Além disso, o Santo também “pintou” algumas das mais belas “imagens” da Mãe de Deus presentes no Evangelho. Entre essas, destacam-se por sua originalidade e beleza: a anunciação do Anjo a Virgem Maria (cf. Lc 1, 26-38); a visitação da Mãe do Senhor a Santa Isabel (cf. Lc 1, 39-56); o nascimento do Verbo de Deus encarnado em Belém (cf. Lc 2, 1-21); a apresentação do Menino Jesus no Templo de Jerusalém (cf. Lc 2, 22-40).
Na imagem da Mãe do Perpétuo Socorro, temos alguns simbolismos que estão presentes no Evangelho lucano. No ícone, vemos a mão direita da Virgem apontando para Jesus e no Evangelho segundo São Lucas temos várias passagens que “apontam” para Jesus como o Filho de Deus, o Senhor, o Messias esperado pelo Povo de Israel: “o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus” (Lc 1, 35b); “Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador” (Lc 1, 46b-47); “Eis aqui a serva do Senhor” (Lc 1, 38a); “E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque precederás o Senhor e lhe prepararás o caminho” (Lc 1, 76). Naquele tempo, pouquíssimas pessoas possuíam um livro das Sagradas Escrituras. Possuir apenas um texto das Escrituras também era muito raro. Sendo assim, os primeiros discípulos de Cristo olhavam para os ícones, nas casas onde se reuniam, e neles encontravam símbolos dos textos sagrados.
Entre os símbolos presentes na imagem da Mãe do Perpétuo Socorro, talvez o mais rico teologicamente e significativo espiritualmente seja contemplação do ícone como se estivéssemos no Calvário. Ao olhar para o ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, temos à sua esquerda São Miguel, que segura a lança, a vara com a esponja e o cálice das amarguras que o Crucificado bebeu até o fim. À direita, está São Gabriel, com a cruz e os cravos, que foram os instrumentos da paixão e morte de Cristo. O Menino Jesus, que é o Perpétuo Socorro em pessoa, olha assustado para o Anjo com a cruz e os cravos. Com as duas mãos, Ele segura firmemente a mão direita da Mãe, ensinando a confiar-nos a ela sem reservas, principalmente nos momentos de medo, tribulação, dor e sofrimento. Na perspectiva do mistério pascal de Jesus Cristo, a Mãe de Deus pode ser contemplada como a Virgem das Dores. A sua mão esquerda, que sustenta firmemente o Menino, simboliza a sua presença aos pés da cruz de Cristo (cf. Jo 19, 25). O olhar materno de Nossa Senhora demonstra o acolhimento e o cuidado dela para com cada um de nós. Ao mesmo tempo, a Virgem recorda-nos que fomos entregues a ela como filhos e nos convida a levá-la para o que é nosso, para a nossa vida interior, a exemplo do discípulo amado (cf. Jo 19, 27).
A sandália desamarrada de Jesus é um detalhe do ícone da Mãe do Perpétuo Socorro que pode passar despercebido. Segundo a tradição, esta sandália pode simbolizar um pecador, que está preso a Jesus somente por um fio: a devoção a Nossa Senhora. Este “fio” tão fraco, pode ser uma recordação, ou uma devoção superficial, que nos momentos de desespero, de sofrimento, pode nos manter ligados a Cristo. Temos uma “imagem” desta ligação na parábola do filho pródigo, que nos é apresentada somente no Evangelho escrito por Lucas. O filho pródigo deixou a casa do pai, gastou toda a sua fortuna numa vida desregrada e ficou sem alternativa, senão a humilhação de cuidar de porcos. Para os judeus, que ouviram do próprio Jesus esta parábola, cuidar de porcos ainda mais humilhante, pois eles os consideram como animais impuros. Para completar a humilhação, ele estava com tanta fome que queria comer a comida dos porcos, mas nem isso lhe davam para comer (cf. Lc 15, 11-16). Nessa situação, ele entrou em si, refletiu, lembrou-se que na sua casa até os empregados comiam pão fartamente e então decidiu voltar (cf. Lc 15, 17-18). Do mesmo modo, um pecador pode voltar para Deus e se salvar, ainda que esteja preso a Ele por uma devoção a Nossa Senhora sem muita piedade, ou por uma simples recordação do amor que tinha por ela.
As passagens do Evangelho que mencionam os dois ladrões, crucificados à direita e à esquerda de Jesus Cristo, parecem contraditórias, mas podem nos ajudar a aprofundar a nossa reflexão. No Evangelho, em Mateus e Marcos, os dois escarneciam de Cristo: “E os ladrões, crucificados com ele, também o ultrajavam” (Mt 27, 44; cf. Mc 15, 32). No entanto, em Lucas, apenas um dos ladrões blasfema contra Jesus (cf. Lc 23, 39). O outro, que segundo a tradição é São Dimas, repreende o outro ladrão e reconhece que, para ambos, a condenação era justa, mas, para Jesus, não, pois não fez mal algum (cf. 23, 40-41). Podemos compreender a razão desta aparente contradição através de uma visão de Anna Catharina Emmerich, mística agostiniana, beatificada pelo Papa João Paulo II. Segundo ela, os dois ladrões escarneciam e blasfemavam contra Jesus, até que aconteceu algo inesperado:
Dimas, o bom ladrão, obteve pela oração de Jesus uma iluminação interior, no momento em que a Santíssima Virgem se aproximou. Reconheceu em Jesus e em Maria as pessoas que o tinham curado, quando era criança e exclamou em voz forte e distinta: “O que? É possível que insulteis Àquele que reza por vós? Ele se cala, sofre com paciência, reza por vós e vós o cobris de escárnio? Ele é um profeta, é nosso rei, é o Filho de Deus”4.
No final de sua vida terrena, o bom ladrão recebeu a graça de lembrar da Mãe e do Filho. A partir da recordação do milagre de Jesus e Maria em sua infância, começou um extraordinário processo de conversão, que culminou com a memorável súplica de Dimas: “Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!” (Lc 23, 42). A salvação de São Dimas estava por um “fio”: a lembrança distante da cura que recebeu quando criança, de Jesus e de Maria. Assim, no último momento de sua vida terrena, o bom ladrão “roubou” o Céu, a salvação eterna. Pois, o próprio Cristo lhe prometeu: “hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43b).
O auxílio da Mãe do Perpétuo Socorro em nossas necessidades
São Lucas escreveu o Evangelho não somente com palavras, mas também com imagens, que são um verdadeiro auxílio para encontrarmos na devoção a Nossa Senhora um caminho seguro para chegar a Jesus Cristo. Por isso, façamos o salutar propósito de “ler” no ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro as Sagradas Escrituras, e nelas encontrar o próprio Jesus, o Verbo de Deus encarnado.
Não importa se a nossa situação é parecida com a do filho pródigo, ou semelhante à do bom ladrão, e nossa vida esteja presa a Jesus somente por um “fio”. Nos entreguemos com confiança a Nossa Senhora das Dores, que nos foi entregue, pelo próprio Cristo, por nossa Mãe (cf. Jo 19, 27). Se assim nos entregarmos a ela, da mesma forma que a Mãe de Deus contribuiu para a cura e a salvação do bom ladrão, ela nos alcançará as graças necessárias para a nossa vida aqui na Terra e também para alcançarmos a glória do Reino dos Céus.
Oração de Santo Afonso a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
Ó Mãe do Perpétuo socorro, concedei-me a graça de sempre invocar o vosso nome onipotente; porque o vosso nome é o nosso socorro durante a vida e a nossa salvação no momento da morte.
Ó Maria puríssima, ó Maria dulcíssima, fazei que o vosso nome seja de agora em diante a respiração da minha vida. Soberana minha, não tardeis a me socorrer cada vê que Vos invocar; porque em todas as tentações que vierem me assaltar, em todas as necessidades que experimentar, não cessarei jamais de Vos invocar, repetindo sempre: Maria! Maria!
Que força, que doçura, que confiança, que ternura faz nascer na minha alma o vosso nome só, só o vosso pensamento! Dou graças ao Senhor que, para o meu bem, Vos deu um nome tão doce, amável e poderoso.
Mas não me contentarei com pronunciar o vosso nome, quero pronunciá-lo com amor, quero que o amor me recorde sem cessar que devo Vos invocar, ó Mãe do Perpétuo Socorro!5.
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, rogai por nós!
Natalino Ueda, devoto inútil de Jesus por Maria.
Links relacionados:
TODO DE MARIA. A história do ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
TODO DE MARIA. O ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Referências e nota:
1 PAPA JOÃO PAULO II. Catecismo da Igreja Católica, 2131.
2 CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 67.
3 A12. Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
4 FLOR DO CARMELO. Meditação – Quinto Mistério Doloroso – Jesus Morre na Cruz. Texto extraído do livro: Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus, da Beata Anna Catharina Emmerich. Como toda revelação particular, não somos obrigados a crer com fé católica neste escrito, como um ensino infalível. Mas, podemos aceitá-lo para melhor compreensão das escrituras e para edificação de nossa fé.
5 Associação dos Devotos de Fátima. Oração de Santo Afonso a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.